ANTIQUA ET NOVA (ANTIGA E NOVA)

DICASTERIO PARA A DOUTRINA DA FÉ
DICASTERIO PARA A CULTURA E A EDUCAÇÃO
ANTIQUA ET NOVA
Nota sobre a relação entre a inteligência artificial e a inteligência humana
1. Com sabedoria antiga e nova (cf. Mt 13,52), somos chamados a considerar os desafios e as oportunidades atuais apresentados pelo conhecimento científico e tecnológico, em particular pelo recente desenvolvimento da inteligência artificial (IA). A tradição cristã entende o dom da inteligência como um aspecto essencial da criação dos seres humanos "à imagem de Deus" (Gn 1,27). Partindo de uma visão integral da pessoa e valorizando o chamado a "cultivar" e "guardar" a terra (cf. Gn 2,15), a Igreja sublinha que esse dom deve ser expresso através de um uso responsável da racionalidade e da capacidade técnica a serviço do mundo criado.
2. A Igreja encoraja os avanços na ciência, na tecnologia, nas artes e em toda outra atividade humana, considerando-os parte da "colaboração do homem e da mulher com Deus para levar à perfeição a criação visível"[1]. Como afirma o livro do Eclesiástico, Deus "deu aos homens a ciência para que fosse glorificado em suas maravilhas" (Eclo 38,6). As habilidades e a criatividade do ser humano vêm de Deus e, quando utilizadas corretamente, dão glória a Ele, refletindo Sua sabedoria e bondade. Portanto, ao nos perguntarmos o que significa "ser humano", não podemos excluir a consideração de nossas capacidades científicas e tecnológicas.
3. É dentro dessa perspectiva que esta Nota aborda as questões antropológicas e éticas levantadas pela IA, questões que são particularmente relevantes, já que um dos objetivos dessa tecnologia é imitar a inteligência humana que a projetou. Por exemplo, diferentemente de muitas outras criações humanas, a IA pode ser treinada com base nos produtos da engenhosidade humana e, assim, gerar novos "artefatos" com um nível de velocidade e habilidade que frequentemente iguala ou supera as capacidades humanas, como a geração de textos ou imagens indistinguíveis das composições humanas. Isso levanta preocupações quanto ao possível impacto da IA na crescente crise de verdade no debate público. Além disso, sendo uma tecnologia projetada para aprender e adotar decisões de forma autônoma, adaptando-se a novas situações e fornecendo soluções não previstas por seus programadores, surgem questões substanciais de responsabilidade ética e segurança, com repercussões amplas para toda a sociedade. Essa nova situação leva a humanidade a questionar sua própria identidade e seu papel no mundo.
4. Considerando tudo isso, há amplo consenso de que a IA marca uma nova e significativa fase na relação da humanidade com a tecnologia, situando-se no centro do que o Papa Francisco descreveu como uma "mudança de época"[2]. Sua influência é sentida globalmente em uma ampla gama de setores, incluindo as relações interpessoais, a educação, o trabalho, a arte, a saúde, o direito, a guerra e as relações internacionais. À medida que a IA continua progredindo rapidamente rumo a realizações ainda maiores, é decisivo considerar suas implicações antropológicas e éticas. Isso inclui não apenas mitigar riscos e prevenir danos, mas também garantir que suas aplicações estejam direcionadas à promoção do progresso humano e do bem comum.
5. Para contribuir positivamente no discernimento sobre a IA, em resposta ao convite do Papa Francisco por uma renovada "sabedoria do coração"[3], a Igreja oferece sua experiência por meio das reflexões desta Nota, concentrando-se nos âmbitos antropológico e ético. Comprometida com um papel ativo no debate geral sobre esses temas, exorta aqueles encarregados de transmitir a fé (pais, educadores, pastores e bispos) a se dedicarem com cuidado e atenção a essa questão urgente. Embora seja especialmente direcionado a esses grupos, o presente documento também foi elaborado para ser acessível a um público mais amplo, ou seja, a todos aqueles que compartilham a necessidade de um desenvolvimento científico e tecnológico que esteja a serviço da pessoa e do bem comum [4].
6. Com esse objetivo, busca-se primeiramente distinguir o conceito de "inteligência" em referência à IA e ao ser humano. Em um primeiro momento, considera-se a perspectiva cristã sobre a inteligência humana, oferecendo um quadro geral de reflexão fundamentado na tradição filosófica e teológica da Igreja. Em seguida, são propostas algumas diretrizes para assegurar que o desenvolvimento e o uso da IA respeitem a dignidade humana e promovam o desenvolvimento integral da pessoa e da sociedade.
7. O conceito de inteligência na IA evoluiu ao longo do tempo, incorporando uma multiplicidade de ideias provenientes de diversas disciplinas. Embora suas raízes remontem a séculos atrás, um momento significativo desse desenvolvimento ocorreu em 1956, quando o cientista da computação americano John McCarthy organizou uma conferência de verão na Universidade de Dartmouth para abordar o problema da "Inteligência Artificial", definido como "tornar uma máquina capaz de exibir comportamentos que seriam chamados de inteligentes se fossem realizados por um ser humano"[5]. A conferência lançou um programa de pesquisa com o objetivo de usar máquinas para executar tarefas tipicamente associadas ao intelecto humano e ao comportamento inteligente.
8. Desde então, a pesquisa nesse campo avançou rapidamente, levando ao desenvolvimento de sistemas complexos capazes de realizar tarefas muito sofisticadas [6]. Esses sistemas, conhecidos como "IA estreita" (narrow AI), geralmente são projetados para desempenhar funções limitadas e específicas, como traduzir de uma língua para outra, prever a evolução de tempestades, classificar imagens, responder perguntas ou gerar imagens sob demanda. Embora o campo de estudo da IA ainda apresente uma variedade de definições de "inteligência", a maioria dos sistemas contemporâneos, especialmente os que utilizam aprendizado de máquina, baseia-se em inferências estatísticas em vez de deduções lógicas. Ao analisar grandes conjuntos de dados para identificar padrões, a IA pode "prever"[7] efeitos e propor novos caminhos de investigação, imitando alguns processos cognitivos característicos da capacidade humana de resolver problemas. Esses avanços foram possíveis graças ao progresso da tecnologia computacional (como redes neurais, aprendizado de máquina não supervisionado e algoritmos evolutivos) e às inovações em equipamentos (como processadores especializados). Essas tecnologias permitem que os sistemas de IA respondam a diferentes estímulos provenientes dos seres humanos, adaptem-se a novas situações e até ofereçam soluções inéditas não previstas pelos programadores originais [8].
9. Devido a esses avanços rápidos, muitos trabalhos antes realizados exclusivamente por pessoas agora são delegados à IA. Esses sistemas podem complementar ou até substituir capacidades humanas em diversos setores, especialmente em tarefas especializadas, como análise de dados, reconhecimento de imagens e diagnósticos médicos. Embora cada aplicação de IA "estreita" seja calibrada para uma tarefa específica, muitos pesquisadores esperam alcançar a chamada "inteligência artificial geral" (Artificial General Intelligence, AGI), ou seja, um único sistema capaz de operar em qualquer domínio cognitivo, realizando qualquer tarefa que a mente humana possa realizar. Alguns defendem que tal IA poderia, no futuro, atingir um estágio de "superinteligência", superando a capacidade intelectual humana, ou contribuir para a "superlongevidade" por meio de avanços biotecnológicos. Outros temem que essas possibilidades, ainda que hipotéticas, possam um dia ofuscar o próprio ser humano, enquanto há aqueles que acolhem positivamente essa possível transformação [9].
10. Por trás desses e de muitos outros pontos de vista sobre o tema, está o pressuposto implícito de
que a palavra "inteligência" pode ser usada da mesma forma tanto em referência à inteligência humana quanto à IA. No entanto, isso não parece refletir a verdadeira extensão do conceito. No caso do ser humano, a inteligência é uma faculdade que abrange a pessoa em sua integralidade, enquanto, no contexto da IA, é entendida em um sentido funcional, muitas vezes pressupondo que as atividades características da mente humana possam ser divididas em etapas digitalizadas, de modo que as máquinas também possam replicá-las [10].
11. Essa perspectiva funcional é exemplificada pelo Teste de Turing, segundo o qual uma máquina é considerada "inteligente" se uma pessoa não for capaz de distinguir seu comportamento do de outro ser humano [11]. Nesse contexto, a palavra "comportamento" refere-se a tarefas intelectuais específicas e não abrange a experiência humana em toda a sua amplitude, que inclui capacidades como abstração, emoções, criatividade, senso estético, moral e religioso, além de toda a variedade de manifestações da mente humana. Assim, no caso da IA, a "inteligência" de um sistema é avaliada, metodologicamente, mas de forma reducionista, com base em sua capacidade de produzir respostas apropriadas – isto é, respostas associadas ao intelecto humano – independentemente de como tais respostas são geradas.
12. As características avançadas conferem à IA habilidades sofisticadas para executar tarefas, mas não a capacidade de pensar [12]. Essa distinção é de importância decisiva, pois a maneira como definimos "inteligência" inevitavelmente delimita a compreensão da relação entre o pensamento humano e essa tecnologia [13]. Para compreender isso, é necessário lembrar que a riqueza da tradição filosófica e da teologia cristã oferece uma visão mais profunda e abrangente da inteligência, que, por sua vez, é central no ensinamento da Igreja sobre a natureza, a dignidade e a vocação da pessoa humana [14].
Cap. 13 a 35
RACIONALIDADE
ENCARNAÇÃO
RELACIONALIDADE
RELAÇÃO COM A VERDADE
CUIDADO COM O MUNDO
UMA COMPREENSÃO INTEGRAL DA INTELIGÊNCIA HUMANA
LIMITES DA IA
36. A partir dessas considerações, pode-se perguntar como a inteligência artificial (IA) pode ser compreendida dentro do plano de Deus. A atividade técnico-científica não é neutra, pois é uma iniciativa humana que envolve as dimensões humanísticas e culturais da engenhosidade humana [71].
37. Consideradas frutos das potencialidades inscritas na inteligência humana [72], a investigação científica e o desenvolvimento da habilidade técnica fazem parte da «colaboração do homem e da mulher com Deus na perfeição da criação visível» [73]. Ao mesmo tempo, todas as conquistas científicas e tecnológicas são, em última análise, dons de Deus [74]. Assim, os seres humanos devem sempre empregar suas habilidades para o propósito mais elevado ao qual Ele as destinou [75].
38. Podemos reconhecer com gratidão como a tecnologia tem «remediado inúmeros males que afligiam e limitavam o ser humano»[76], um fato pelo qual todos devemos nos alegrar. No entanto, nem todas as inovações tecnológicas, por si mesmas, representam um progresso autêntico [77]. A Igreja, portanto, opõe-se particularmente às aplicações que ameaçam a santidade da vida ou a dignidade da pessoa [78]. Como qualquer outra iniciativa humana, o desenvolvimento tecnológico deve ser direcionado ao serviço da pessoa e contribuir para os esforços que busquem «uma maior justiça, uma fraternidade mais ampla e uma ordem mais humana nas relações sociais», que têm «mais valor do que os avanços no campo técnico» [79]. As preocupações com as implicações éticas do desenvolvimento tecnológico não são exclusivas da Igreja, mas também compartilhadas por cientistas, estudiosos da tecnologia e associações profissionais, que cada vez mais defendem uma reflexão ética para orientar esse progresso de forma responsável.
39. Para responder a esses desafios, é necessário destacar a importância da responsabilidade moral baseada na dignidade e na vocação da pessoa. Esse princípio também se aplica às questões relacionadas à IA. Nesse contexto, a dimensão ética assume importância primária, pois são as pessoas que projetam os sistemas e determinam os fins para os quais eles serão usados [80]. Entre uma máquina e um ser humano, apenas o último é verdadeiramente um agente moral, ou seja, um sujeito moralmente responsável que exerce sua liberdade nas decisões que toma e aceita suas consequências [81]; somente os seres humanos estão em relação com a verdade e o bem, guiados pela consciência moral que os chama «a amar, a fazer o bem e a evitar o mal» [82], reconhecendo «a autoridade da verdade em referência ao Bem supremo, pelo qual a pessoa humana se sente atraída» [83]; somente os seres humanos são suficientemente conscientes de si mesmos para ouvir e seguir a voz da consciência, discernindo com prudência e buscando o bem possível em cada situação [84]. De fato, isso também pertence ao exercício da inteligência humana.
40. Como qualquer produto da engenhosidade humana, a IA pode ser direcionada para fins positivos ou negativos [85]. Quando usada de maneira que respeite a dignidade humana e promova o bem-estar dos indivíduos e das comunidades, ela pode contribuir de forma favorável à vocação humana. No entanto, assim como em todos os âmbitos em que os seres humanos são chamados a decidir, também aqui estende-se a sombra do mal. Onde a liberdade humana permite a possibilidade de escolher o que é mau, a avaliação moral dessa tecnologia depende de como ela é orientada e empregada.
41. Contudo, não são apenas os fins que são eticamente significativos, mas também os meios empregados para alcançá-los. Além disso, a visão geral e a compreensão da pessoa incorporadas nesses sistemas são igualmente importantes. Os produtos tecnológicos refletem a visão de mundo de seus desenvolvedores, proprietários, usuários e reguladores [86], e, com seu poder, «modelam o mundo e comprometem as consciências no plano dos valores» [87]. Em nível social, certos avanços tecnológicos podem até reforçar relações e dinâmicas de poder que não estão alinhadas com uma visão adequada da pessoa e da sociedade.
42. Portanto, os fins e os meios utilizados em uma aplicação da IA, bem como a visão geral que ela incorpora, devem ser avaliados para garantir que respeitem a dignidade humana e promovam o bem comum [88]. De fato, como disse o Papa Francisco, a «dignidade intrínseca de cada homem e mulher» deve ser «o critério-chave na avaliação das tecnologias emergentes, as quais revelam sua positividade ética na medida em que ajudam a manifestar essa dignidade e a ampliar sua expressão em todos os níveis da vida humana»[89], incluindo as esferas social e econômica. Nesse sentido, a inteligência humana desempenha um papel crucial não apenas no projeto e na produção da tecnologia, mas também em orientar seu uso em conformidade com o bem autêntico da pessoa [90]. A responsabilidade pela gestão desse uso pertence a todos os níveis da sociedade, orientada pelo princípio da subsidiariedade e pelos outros princípios da Doutrina Social da Igreja.
Cap. 43 a 48
UM AUXÍLIO À LIBERDADE HUMANA E ÀS DECISÕES
49. Dentro dessa perspectiva geral, os pontos a seguir ilustram como os argumentos apresentados podem ajudar a orientar decisões em situações concretas, em conformidade com a «sabedoria do coração» proposta pelo Papa Francisco [98]. Embora não sejam exaustivos, esses pontos são oferecidos para promover o diálogo e identificar formas pelas quais a IA pode sustentar a dignidade humana e promover o bem comum [99].
Cap. 50 a 107
IA E A SOCIEDADE
IA E AS RELAÇÕES HUMANAS
IA, ECONOMIA E TRABALHO
IA E SAÚDE
IA E EDUCAÇÃO
IA, DESINFORMAÇÃO, DEEPFAKE E ABUSOS
IA, PRIVACIDADE E CONTROLE
A IA E A PROTEÇÃO DA CASA COMUM
A IA E A GUERRA
A IA E O RELACIONAMENTO DA HUMANIDADE COM DEUS
108. Diante das múltiplas questões e desafios éticos apresentados pela IA, o Papa Francisco enfatiza a necessidade de um desenvolvimento proporcional no que diz respeito à responsabilidade, aos valores e à consciência, à medida que aumentam as possibilidades oferecidas pela tecnologia [200]. Ele lembra que «quanto maior o poder dos homens, maior deve ser sua responsabilidade» [201].
109. Contudo, «a questão essencial e fundamental» permanece sendo: «O homem, como homem, está se tornando verdadeiramente melhor com esse progresso? Ou seja, ele está se tornando mais maduro espiritualmente, mais consciente de sua dignidade, mais responsável, mais aberto aos outros, especialmente aos mais necessitados e vulneráveis, mais disposto a ajudar e a cooperar?» [202].
110. Consequentemente, é vital avaliar criticamente as aplicações específicas da IA nos contextos em que são empregadas, para determinar se promovem ou não a dignidade humana, a vocação da pessoa e o bem comum. Como ocorre com muitas tecnologias, os efeitos das diferentes aplicações da IA podem não ser plenamente previsíveis em seus estágios iniciais. À medida que essas aplicações e seus impactos sociais se tornam mais evidentes, é essencial fornecer feedback adequado em todos os níveis da sociedade, em conformidade com o princípio da subsidiariedade. Cabe aos indivíduos, famílias, sociedade civil, empresas, instituições, governos e organizações internacionais, cada um em sua esfera de competência, assegurar que a IA seja utilizada para o benefício de todos.
111. Uma oportunidade significativa e desafiadora no cenário atual é abordar a tecnologia sob a perspectiva de uma inteligência relacional, que destaca a interconexão entre indivíduos e comunidades, promovendo a responsabilidade compartilhada pelo bem-estar integral dos outros. O filósofo Nikolaj Berdjaev observa que culpar as máquinas pelos problemas sociais e individuais «é indigno e não corresponde à dignidade humana», pois «é indecente transferir a responsabilidade do homem para uma máquina» [203]. Apenas a pessoa humana pode ser moralmente responsável, e os desafios de uma sociedade tecnologizada dizem respeito, em última análise, ao espírito humano. Para enfrentar essas questões, é indispensável fortalecer a sensibilidade espiritual [204].
112. Além disso, o surgimento da IA convida a humanidade a valorizar de forma renovada tudo o que é verdadeiramente humano. Como afirmou Georges Bernanos, «o perigo não está na multiplicação das máquinas, mas no número crescente de pessoas habituadas, desde a infância, a desejar apenas aquilo que as máquinas podem oferecer» [205]. Essa preocupação é tão válida hoje quanto na época em que foi expressa, dado o risco do “reducionismo digital” que acompanha a rápida digitalização. Esse processo tende a marginalizar as experiências não quantificáveis, relegando-as ao esquecimento ou considerando-as irrelevantes. A IA deve ser usada como um complemento à inteligência humana, sem substituir sua riqueza [206]. Preservar os aspectos imensuráveis da vida humana é essencial para proteger uma «humanidade autêntica», que continua a existir, quase imperceptivelmente, mesmo em meio à civilização tecnológica [207].
A VERDADEIRA SABEDORIA
113. Hoje, a vasta extensão do conhecimento está acessível de maneiras que teriam maravilhado as gerações passadas; no entanto, para evitar que os avanços da ciência permaneçam estéreis, tanto humana quanto espiritualmente, é necessário ir além da mera acumulação de dados e buscar alcançar uma verdadeira sabedoria [208].
114. Essa sabedoria é o dom de que a humanidade mais necessita para enfrentar as profundas questões e os desafios éticos colocados pela IA: «Somente dotando-nos de um olhar espiritual, somente recuperando uma sabedoria do coração, podemos ler e interpretar a novidade do nosso tempo» [209]. Essa «sabedoria do coração» é «a virtude que nos permite tecer juntos o todo e as partes, as decisões e suas consequências». A humanidade não pode «exigir essa sabedoria das máquinas», uma vez que ela «se deixa encontrar por quem a procura e se deixa ver por quem a ama; adianta-se àqueles que a desejam e vai em busca de quem é digno dela (cf. Sb 6,12-16)» [210].
115. Em um mundo marcado pela IA, precisamos da graça do Espírito Santo, que «permite ver as coisas com os olhos de Deus, compreender os vínculos, as situações, os acontecimentos e descobrir o seu sentido» [211].
116. Visto que «o que mede a perfeição das pessoas é o grau de caridade delas, não a quantidade de dados e conhecimentos que podem acumular» [212], a forma como a IA é adotada «para incluir os últimos, ou seja, os irmãos e irmãs mais fracos e necessitados, é a medida reveladora da nossa humanidade» [213]. Essa sabedoria pode iluminar e guiar o uso de tal tecnologia, centrado no ser humano, que, dessa forma, pode contribuir para a promoção do bem comum, para o cuidado da “casa comum”, para o avanço na busca da verdade, para o suporte ao desenvolvimento humano integral, para o incentivo à solidariedade e à fraternidade humana, conduzindo finalmente a humanidade ao seu objetivo último: a feliz e plena comunhão com Deus [214].
117. Na perspectiva da sabedoria, os fiéis poderão atuar como agentes responsáveis, capazes de usar essa tecnologia para promover uma visão autêntica da pessoa humana e da sociedade [215], partindo de uma compreensão do progresso tecnológico como parte do desígnio de Deus para a criação: uma atividade que a humanidade é chamada a ordenar em direção ao Mistério Pascal de Jesus Cristo, na constante busca da Verdade e do Bem.
O Sumo Pontífice Francisco, na Audiência concedida no dia 14 de janeiro de 2025 aos subscritos Prefeitos e Secretários do Dicastério para a Doutrina da Fé e do Dicastério para a Cultura e a Educação, aprovou a presente Nota e ordenou sua publicação.
Dado em Roma, nas sedes do Dicastério para a Doutrina da Fé e do Dicastério para a Cultura e a Educação, no dia 28 de janeiro de 2025, Memória Litúrgica de São Tomás de Aquino, Doutor da Igreja.
Víctor Manuel Card. Fernández Prefetto José Card. Tolentino de Mendonça Prefetto Mons. Armando Matteo Segretario per la Sezione Dottrinale S.E. Mons. Paul Tighe Segretario per la Sezione Cultura Ex Audientia Die 14.01.2025