Os pecadores haviam recebido a graça no santo batismo; deles eu fizera árvores de amor. Transformaram-se em árvores de morte, pois estão mortos, como disse antes. Sabes onde nascem suas raízes? No solo do orgulho. Sua seiva é o egoísmo; medula, a impaciência; rebento, a falta de discernimento. São esses os quatro vícios principais do homem que se tornou árvore de morte com a perda da graça. No seu íntimo vive o verdadeiro remorso, mas é pouco sentida a sua presença devido à cegueira do egoísmo.
Como o alimento desta árvore brota do orgulho, a pobre alma vive cheia de ingratidão, que dá origem a todos os males. Se o pecador tivesse gratidão pelos benefícios recebidos, conhecer-me-ia, conheceria a si mesmo em mim, amar-me-ia. Mas ele é um cego que vai tateando pelo rio do pecado, inconsciente de que as águas não o esperam.
Os frutos mortais desta árvore são tão numerosos quanto os tipos de pecado. Uns são alimentos de animais para os que vivem na imundície, revolvendo o corpo e o espírito na lama da carne, à semelhança do porco no chiqueiro. Ó homem embrutecido! Onde deixaste a tua dignidade? Eras irmão dos anjos e agora não passas de u feio animal!... Tais pessoas vivem em tal baixeza, que não somente eu, suma pureza, apenas consigo tolerá-los; até os demônios dos quais se fizeram amigos e escravos, não aguentam diante de pecados tão imundos . Nenhum pecado é abominável como este, nem há outro que tanto escureça a inteligência humana. Os filósofos (pagãos), que não possuíam a luz da fé, compreenderam isso através da natureza; para melhor estudar, guardavam a continência. Também afastavam de si as riquezas, a fim de que sua preocupação não lhes envolvesse o coração. Não age assim o falso cristão; cheio de maldade, por própria culpa perde a graça.
Outros pecados ficam nos bens materiais, como nos avarentos e gananciosos. Estes fazem como as toupeiras, que se alimentam de terra até a morte. Só que estes pecadores, ao chegar o dia da morte, já não têm mais cura. Gananciosos, eles negociam o tempo são usurários, cruéis, ladrões. Sua memória se esquece dos meus benefícios. Em caso contrário, deixariam de ser cruéis consigo mesmos e com os outros. De si mesmos teriam pena, praticando as virtudes; dos outros, pelo serviço da caridade. E como são numerosos os males provenientes deste maldito vício! Quantos homicídios, furtos, rapinas, lucros ilícitos, ruindade de coração, injustiças! Ele mata a alma, torna-a escrava dos bens materiais, negligente em observar os meus mandamentos.
O ganancioso-avarento não ama ninguém, a não ser por interesse pessoal. A ganância nasce do orgulho e alimenta o orgulho. Um procede do outro, já que ambos a tudo antepõem a fama pessoal. De um mal passa a outro, indo sempre para o pior. O orgulho do homem cheio de si é um fogo: produz a fumaça da vanglória e a vaidade do coração, gloria-se de coisas que nem lhe pertencem! O orgulho é a raiz de todos os vícios. O principal deles é a procura de boa fama; seguem o desejo de suplantar os demais, o fingimento interior, interesseiro e egoísta, a dupla face. Enquanto a boca diz uma coisa, o coração pensa outra; oculta-se a verdade, mente-se para tirar proveito. O orgulho produz ainda a inveja, verme que corrói o homem interiormente e não o deixa ser feliz com o verdadeiro bem pessoal e alheio. Em estado tão infeliz, como poderão estes tais auxiliar os necessitados, se vivem a desfrutar dos outros? Como podem afastar sua alma da lama, quando mais e mais a afundam? Algumas vezes ficam tão embrutecidos, que perdem o respeito pelas próprias filhas e parentes, cometendo com elas muitas ações más. Tolero-os apenas para que se corrijam, sem ordenar à terra que os engula. Como poderiam eles dar a vida pela salvação alheia, quando recusam distribuir os bens materiais? Como poderiam dar amor, se a inveja os martiriza? Ó vícios miseráveis, que materializam o "céu", que é a alma! Chamo a alma de céu, porque a havia mudado em lugar onde habitava a graça; nela me escondia; pelo amor a transformara em minha mansão. Qual mulher adúltera, ela me abandonou. Mais que a mim, ama a si mesma, as pessoas e coisas. Faz de si mesma seu deus e agora me ofende com numerosos e diferentes pecados. Tudo, porque não pensa nos favores do sangue derramado num grande incêndio de amor.
A terceira categoria de vícios é a daqueles que se pavoneiam no poder, tendo como insígnia a injustiça contra Deus, contra o próximo, contra si mesmos. Contra si mesmos, porque não cumprem o dever de serem virtuosos; contra mim, por faltarem à obrigação da honra, da glória e do louvor. São ladrões que usurpam o que me pertence, para dá-lo à sensualidade. Desse modo são injustos para comigo.
Relativamente a si mesmos, são cegos e maus, não reconhecem minha presença. Tudo por causa do egoísmo. Agem como os judeus e doutores da Lei, os quais, por inveja e egoísmo, nada viam ou entendiam sobre a Verdade, meu Filho. Não reconheceram a vida eterna que estava entre eles. Jesus lhes dizia: "O reino de Deus está no meio de vós" (Lc 17,21). Eles não entendiam. Por que? Por terem perdido a luz da razão. Devido a isso não me honravam, não me glorificavam; nem a meu Filho. Este o motivo pelo qual, como cegos, foram injustos, perseguindo-o com mil afrontas, até mata-lo na cruz. Além de serem injustos para consigo mesmos e para comigo, estes pecadores o são também para com os outros: vendem a carne dos próprios súditos e de todos os que lhe caiam nas mãos.