Então o bondoso Deus, para satisfazer o desejo daquela serva, dizia: - Considera estas pessoas, que abandonaram o pecado mortal por causa do temor servil; é necessário que passem ao amor virtuoso. O temor servil, sozinho, não basta para lhes dar a vida eterna.
O medo constituía a lei antiga, que eu dei através de Moisés. Ela se baseava no temor, pois o castigo seguia imediatamente à culpa. A lei nova é a do amor e veio com meu Filho; fundamenta-se na caridade. A nova lei não cancelou a antiga, mas a aperfeiçoou; meu Filho o disse: "Não vim abolir a lei, mas cumpri-la" (Mt 5,17). Jesus fundiu a lei do temor com a lei do amor; eliminou o imperfeito medo de castigos e deu-lhe o temor santo, isto é, o medo de ofender-me. Assim, a lei imperfeita tornou-se perfeita lei do amor. Por sua vinda, meu Filho - qual carro de fogo - trouxe o fogo da caridade através da natureza humana e a misericórdia em abundância. Ele aboliu o castigo pelas faltas. Na lei mosaica, antigamente, havia a ordem de se punir imediatamente a culpa; hoje não é mais assim. A culpa não é mais castigada nesta vida. Agora ninguém mais deve ter temor servil, pois a culpa não é punida, mas deixa-se para depois, na vida futura, quando a alma estiver separada do corpo. Assim mesmo, só no caso de que o homem não se emende pela contrição perfeita. Enquanto viver (aqui), o homem estará no tempo do perdão; só depois de morto terá o tempo da justiça. É necessário, portanto, abandonar o temor servil e praticar o temor santo, o amor por mim. Em caso contrário, recai-se no rio do pecado por ocasião das adversidades ou das consolações. Estas últimas, se a pessoa a elas se desordenadamente, tornam-se espinhos que ferem a alma.
Afirmei antes (16.13) que é impossível sair do rio do pecado e subir à ponte, sem escalar os três degraus (comuns); de fato, uns o fazem imperfeitamente; outros, perfeitamente; outros, ainda, perfeitissimamente. As pessoas que agem por temor servil sobem os três degraus unificando imperfeitamente suas faculdades. Conscientizando-se do castigo que segue à culpa, (o pecador) com a memória lembra-se do pecado; pela inteligência considera as penas merecidas; e, na vontade, recusa o castigo. Supondo que ajam assim pela primeira vez, seria preciso que o fizessem debaixo da iluminação da fé, isto é, que não se limitassem apenas a pensar nos castigos, mas que considerassem também as virtudes e o amor que lhes dou. Agindo por esta última forma, escalarão (os degraus comuns) com amor, livres do temor servil.
Necessita-se destruir o egoísmo, ser prudente, constante, perseverante. Infelizmente muitos iniciam a escalada com tamanha vagarosidade, amam-me com tal insegurança e negligência, que logo desanimam. Qualquer sopro de vento os faz parar ou retroceder. Tendo atingido o primeiro degrau do Crucificado imperfeitamente, não passam ao segundo, o do Coração.