18.1.3 - O AMOR AMIZADE (3º ESTADO)

18.1.3 - O AMOR AMIZADE (3º ESTADO)

 

Os que perseveram na oração e nas boas obras, os que na constância progridem na virtude, estes atingirão o amor-amizade. A estes, eu amarei como amigos, pois correspondo com igual afeição. Quem me quer bem como faz um servo com seu patrão, será amado por mim, o Senhor, na mesma medida; mas não me manifestarei a ele. Os segredos são revelados aos amigos íntimos somente! Sem dúvida alguma, um servo - graças às suas capacidades e afeição - pode progredir e tornar-se amigo caríssimo. E é justamente o que ocorre com estas pessoas. Enquanto permanecem no amor interesseiro, não me manifesto a eles; mas se reconhecem sua imperfeição, procuram as virtudes, destroem a raiz do egoísmo espiritual, renunciam aos sentimentos internos do temor servil e do amor interesseiro através da fé, então sim, serão do meu agrado e chegarão ao amor de amizade. Manifestar-me-ei a eles. Dizia Jesus: "Quem me amar, será um comigo; revelar-me-ei a ele e moraremos juntos" (Jo 14,21.23). A amizade íntima consiste nisto: que são dois corpos, mas uma só alma no amor, pois o amor transforma (o amante) na coisa amada. E quando (os amigos) se tornam uma só alma, entre eles já não haverá segredos. Por isso dizia meu Filho: "Virei e moraremos juntos".

 

Sabes como é que me manifesto à pessoa que realmente me ama conforme o ensinamento de Cristo? Nela eu revelo meu poder de muitos modos, de acordo com seus desejos. São três as modalidades principais: 

 

1) manifesto minha afeição e caridade por meio do Verbo encarnado, cuja caridade se revelou através do sangue derramado num incêndio de amor. Esta minha manifestação é dupla: de modo geral, naqueles que se encontram na "caridade comum", levando-os a reconhecer meu amor em numerosos favores; e de modo especial, naqueles que se tornaram meus amigos; estes últimos, com acréscimo aos sentimentos íntimos com que saboreiam, conhecem, experimentam e sentem na caridade comum. 

 

2) manifesto minha caridade através das próprias pessoas. Não faço acepção de pessoas, mas olho o desejo santo de cada uma e manifesto-me em conformidade com a perfeição com que a pessoa me procura. Às vezes - e trata-se ainda desta segunda modalidade - concedo o espírito de profecia, com a revelação de acontecimentos futuros. Isso acontece de muitas maneiras, segundo as necessidades que vejo na própria pessoa ou na sociedade. 

 

3) de muitos modos, segundo as aspirações e desejos da pessoa, faço estar presente no seu espírito o meu Filho unigênito: às vezes, quando procura conhecer meu poder durante a oração e eu atendo, revelando minha força; outras vezes, ao querer a sabedoria do Filho, e eu o ponho como objeto de seus conhecimentos; por fim, ao desejar-me na clemência do Espírito Santo, e isto me possibilita revelar meu amor levando a alma à prática do bem, com grande caridade pelo próximo.

 

Como vês, meu Filho dizia uma verdade, quando afirmava: "Quem me ama será um comigo". Ao viver sua mensagem, estais unidos a ele e a mim, pois eu e ele somos um. Nele, manifesto-me. Se ele dizia: "Eu manifestar-me-ei a vós", falava com exatidão. Ao se revelar, revela-me.

 

Qual seria o motivo por que não disse: "Eu revelar-vos-ei meu Pai? A razão principal é tríplice: Em primeiro lugar quis dizer que eu e ele não somos separados um do outro. Quando o apóstolo Filipe lhe pediu: "Mostra-nos o Pai e isto nos basta" (Jo 14,8), respondeu: "Quem me vê, vê o Pai" (Jo 14,9). Disse assim porque é um comigo. O que ele é, recebeu de mim. Em tal sentido, ensinava aos judeus: "Minha doutrina não é minha, mas do Pai que me enviou" (Jo 7,17). É que o Filho procede de mim; não o contrário! Sou um com ele e ele comigo. Por isso não falou: "Manifestarei o Pai", mas "eu manifestar-me-ei". Em segundo lugar, porque ao manifestar-se a vós nada mais fazia do que mostrar quanto recebera de mim, como que dizendo: "O Pai se manifestou em mim porque sou um com ele; por meio de mim, nós dois nos revelamos". Em terceiro lugar porque, sendo eu invisível, não posso ser visto por vós neste mundo. Quando vossa alma se separar do corpo, espiritualmente vereis a mim e ao Verbo até a ressurreição final. Já o disse ao tratar da ressurreição (14.7). Tal qual sou, não podeis ver-me. Para vos ajudar, escondi a divindade sob o véu na natureza humana em Cristo. Invisível, tornei-me como que acessível aos vossos olhos. Cristo me manifesta. Por isto não dizia: "Eu manifestarei o Pai", mas: "Eu manifestar-me-ei a vós", como que para significar: "Eu manifesto-me a vós de acordo com quanto o Pai me deu". Como percebes, meu Filho se manifesta ao me revelar. Não dizia: "Eu vos manifestarei o Pai", porque vós, no corpo mortal, não sois capazes de ver-me; além disso, porque ele e eu somos uma só coisa.

 

VOLTAR AO ÍNDICE DO DIÁLOGO DE SANTA CATARINA DE SENA