18.3.1 - A VIGÍLIA DE ORAÇÃO

18.3.1 - A VIGÍLIA DE ORAÇÃO

 

Eis o que faz a pessoa que chegou (ao amor amizade): Ao perceber que me ausentei quanto às consolações, não cai em desânimo. Persevera humildemente no esforço pelo autoconhecimento, certa de que o Espírito Santo virá. Como o espera? Sem ociosidade, em contínua vigília de oração. Será uma vigília exterior e interna, no sentido de que a inteligência não se feche, mas reflete sob a luz da fé. Assim a pessoa evita as distrações do coração, medita sobre a bondade do meu amor, compreende que nada mais desejo que sua santificação. Disso é garantia o sangue do meu Filho. Como o pensamento está vigilante no conhecimento de mim e de si, a alma ora continuamente. É a "oração contínua", a oração da vontade santa e boa. A pessoa permanece também na oração exterior, feita nos tempos determinados conforme as prescrições da santa Igreja. Tal é o comportamento do homem que da imperfeição chegou à perfeição!

 

Para que a alma atingisse esse grau, dela me afastara quanto às consolações. Outro motivo da ausência destas consolações é este: para que o homem, vendo-se na secura, sofra, perceba a própria debilidade, instabilidade e falta de perseverança; em outras palavras, veja e conheça o próprio defeito, descubra em si a raiz do egoísmo. É para que a pessoa se conheça e se supere, suba à cadeira da própria consciência, corrija todo sentimento falso, destrua as raízes do egoísmo com o desapego de si e o amor pelo bem.

 

É bom que compreendas o seguinte: qualquer imperfeição e perfeição são adquiridas e manifestadas, seja em mim como no próximo; compreendem-no os simples, que muito amam as pessoas no espírito. Se acolhem o amor por mim desinteressadamente,, desinteressadamente também amam o próximo. Pode-se comparar a uma vasilha: retirada cheia de uma fonte, se alguém dela beber, ficará vazia; mas se alguém enquanto bebe a conserva na fonte, jamais se esvaziará, estará sempre cheia. Assim, o amor humano e espiritual pelo próximo, deve realizar-se em mim, sem outros interesses.

 

Eu vos peço que me ameis com a mesma caridade com que vos amo. Tal coisa não podeis realizar diretamente a meu respeito, pois eu vos amei antes de ser amado. Qualquer ato de amor vosso de amor por mim é devido, não gratuito; sois obrigados a me querer bem. Eu amo-vos espontaneamente, sem qualquer obrigação. Não, relativamente a mim não tendes a possibilidade de cumprir o amor que peço! Por isso, dei-vos um meio: o próximo. Com referência a ele podeis fazer o que é impossível para comigo, podeis amá-lo gratuitamente, sem interesses pessoais. Ora, considero feito a mim o que fazeis para os homens. Foi isso que meu Filho deu a entender a Paulo que perseguia os cristãos, dizendo-lhe: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (At 9,4); meu Filho considerava realizada contra mim a perseguição feita contra os cristãos.

 

Há de ser desinteressado o amor pelo próximo; deveis amá-lo com a mesma caridade que me amais. Sabeis como uma pessoa percebe que seu amor espiritual pelos outros é imperfeito? Se fica triste ao notar que aquele que é amado não corresponde com a mesma intensidade de amor, evita sua companhia, não procura agradar, demonstra maior atenção para com outros. Semelhante tristeza evidencia que a caridade por mim ainda é fraca; mostra que o cristão ainda está "bebendo" fora de mim, mesmo que seu amor provenha da minha caridade. Quando o amor para comigo é imperfeito, imperfeita se mostra a caridade para com o próximo espiritualmente amado. A razão de tudo é o egoísmo, cuja raiz ainda não foi arrancada. E eu permito essas coisas, para que o cristão reconheça sua imperfeição.

 

A ausência de consolações acontece para que o homem se feche na cela do autoconhecimento, lugar onde se adquire a perfeição. quando retorno com as consolações, darei maior luz e conhecimento da verdade, de modo que considerará como uma graça poder destruir o egoísmo; já não cessa de podar a vinha da própria alma, de arrancar os maus espinhos que são os maus pensamentos, de assentar as virtudes no sangue de Cristo, conforme as encontrou ao seguir as pegadas de sua ponte.

 

Acima já ensinei (12.3), se bem recordas, que as pedras da ponte-mensagem de Cristo eram as suas virtudes, cimentadas com sangue, pois é do sangue que elas retiram a vida. Quando o homem penetra e caminha na mensagem de Cristo, passa a amar a virtude e a odiar o pecado com grande perseverança, separa-se inteiramente da mundanidade e fecha-se na cela do autoconhecimento.

 

Por que se fecha? Porque conhece a própria imperfeição; também pelo desejo de atingir o amor desinteressado e livre, pois sabe perfeitamente que não existe outro modo de consegui-lo; desse modo espera com fé viva meu retorno com maior infusão de graça. Em que consiste a fé viva? Consiste na prática perseverante das virtudes, em não voltar atrás por motivo algum, em não deixar a oração jamais - exceto por obediência ou caridade -, pois nenhuma outra razão existe. Digo isto porque muitas vezes, durante o tempo reservado à oração, o demônio se apresenta através de muitas tentações e dificuldades, mais do que acontece em outras ocasiões. Para que o orante sinta tédio na oração, sugere-lhe: "Tua súplica para nada serve, pois quando oras não deverias preocupar-te senão com aquilo que dizes". Sua intenção é cansar a pessoa, confundi-la e fazer com que abandone o exercício da oração. No entanto, a prece é a arma com que o homem se defende de todos os inimigos, se realizada com amor, espontaneidade e fé.

 

Filha querida, convence-te de que é na oração contínua, fiel e perseverante que todas as virtudes são adquiridas. Mas é preciso perseverar, nunca a deixar: nem por ilusão do diabo, nem por fraqueza pessoal, quais sejam os pensamentos e impulsos íntimos; nem por "conselhos" alheios. O demônio frequentemente se põe nos lábios das pessoas, levando-as a afirmativas que destroem a oração. Tudo isso há de ser vencido perseverantemente. Como é agradável ao orante e a mim a prece feita na cela do autoconhecimento. Ali o homem crê e ama na abundância do meu amor, que em meu Filho tornou-se visível e provada no sangue.

 

Sangue que inebria a alma, reveste-a com chamas do amor divino, eucaristicamente a alimenta. Foi na despensa da hierarquia eclesiástica que eu guardei o corpo e sangue do meu Filho, perfeito homem e perfeito Deus, pois entreguei aos sacerdotes a chave do sangue a fim de que o distribuíssem. Já te falei sobre esta despensa (12.3), construída sobre a ponte-Cristo para alimentar e fortificar os viandantes e peregrinos que caminham segundo a mensagem de meu Filho, impedindo que morram de fome. Tal alimento fortifica de acordo com o amor de quem o recebe, seja sacramentalmente, seja espiritualmente.

 

Sacramentalmente, na comunhão eucarística; espiritualmente, ao se comungar pelo desejo da eucaristia ou meditando-se a paixão de Cristo crucificado. Esta última é uma comunhão de amor no sangue, que por amor foi derramado; nela a pessoa inebria-se, inflama-se, fica saciada no desejo santo, cheia de amor por mim e pelos homens. Mas, onde se alcança tudo isso? Na cela do autoconhecimento e na oração, quando o homem deixa de ser imperfeito, como aconteceu com os discípulos e Pedro ao atingirem a perfeição. Quais são os meios necessários? A perseverança e a fé.

 

Não creias que para alcançar tamanho fervor e tal alimento espiritual, baste a oração vocal. Muitos pensam que seja assim. Sua oração é constituída mais de palavras que de amor. Parece que a nada mais aspiram que recitar muitos salmos e pai-nossos! Quando atingem um determinado número, dão-se por satisfeitos. Para eles, a finalidade da oração está na recitação verbal. Não haveria de ser assim. Nada praticando além disso, tais pessoas pouco aproveitam e pouco me agradam.

 

Dirás: "É preciso então abandonar tal oração, mesmo que nem todos pareçam atraídos pela oração mental?" Não, mas é preciso progredir. Sei que o homem, antes de chegar à perfeição é imperfeito. É normal que sua oração comece deficiente. Durante tal fase imperfeita, o orante deverá ocupar-se na prece vocal para não cair na inatividade. Mas, mesmo então, sua oração de palavras não deve ser feita sem a oração do espírito. Enquanto pronuncia as palavras, eleve seu pensamento até mim, considere seus defeitos em geral, medite sobre a paixão de meu Filho. No sangue de Cristo encontrará a plenitude do amor e a remissão dos pecados. Ao tomar consciência dos próprios defeitos, reconhecerá minha caridade e será ajudado a perseverar na oração.

 

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