Acabo de falar sobre o engano em que caem aqueles que desejam viver interiormente consolados com minha presença. Passo a ocupar-me de uma outra ilusão: a das pessoas que colocam toda sua satisfação na busca das consolações e não socorrem os outros em suas necessidades espirituais ou materiais sob pretexto de virtude. Dizem assim: "Quando vou ajudar os outros, não consigo rezar as preces de horário". Acreditam ofender-me quando não sentem consolação interior. Na realidade enganam-se quanto ao sossego do espírito e ofendem-me muito mais não socorrendo o próximo, de que se de fato perdessem a paz da alma.
É meu desejo que todas as orações, vocais ou mentais, levem a pessoa ao perfeito amor por mim e pelo próximo. Dessa maneira, peca mais quem se descuida do amor pelo outro a fim de orar, do que aquele que, por causa dos outros, deixa de orar. No próximo, o homem sempre me encontra; não, porém, na satisfação pessoal em que me procura. A ausência de ajuda ao irmão, ipso facto faz diminuir a caridade fraterna e o amor por mim. Querendo ganhar, a pessoa sai perdendo. Mas ao "perder", ganha, isto é: ao renunciar ao conforto espiritual no esforço de salvar o próximo, lucra em mim e no próximo; ao prestar serviço ao outro na caridade, experimenta toda a doçura do meu amor. Pelo contrário, sai-se mal quando recusa auxiliar os demais. De fato, um dia ou outro terá que ajudá lo, por amor ou por dever, seja nas enfermidades do corpo, seja do espírito. Então falo-á de má vontade, com tristeza íntima e remorso de consciência, tornando-se insuportável a si mesmo e aos demais. Em tal ocasião, se alguém lhe perguntar: "Por que estás tristonho?", responderá: "Porque perdi a paz e a tranquilidade de espírito; deixei de fazer muitos atos a que estava habituado e julgo que ofendi a Deus".
A realidade não é essa. Tal pessoa não sabe discernir onde se encontra realmente seu pecado, pois sua preocupação fixou-se na procura de consolações interiores. Oxalá entendesse que o pecado não está na privação do consolo espiritual, nem na ausência de oração quando alguém precisa de auxílio, mas na ausência de amor pelo outro, a quem é preciso ajudar por meu amor. Como vês, o engano consiste no egoísmo espiritual. Outro tipo de egoísmo existe, semelhante, que pode causar prejuízos ainda maiores. Costumo dar a meus servidores gáudio espiritual e visões. Se alguém unicamente se preocupar na obtenção de tais favores, acabará por cair na amargura e no tédio no momento que notar sua ausência progressiva; cada vez que eu não o der, julgarão que perderam a graça. Já afirmei que costumo visitar e ausentar-me do homem no tocante às consolações - sem prejuízo do estado de graça - a fim de levar a pessoa à perfeição. Em tais circunstâncias, muitos mergulham na tristeza e sentem-se num inferno, porque não mais experimentam os prazeres da mente, substituídos pelo tormento das tentações. Ninguém deveria ser tão ignorante assim, deixando-se ludibriar pelo egoísmo sem compreender a realidade. É preciso discernir quando estou presente, compreender que sou o sumo bem, aquele que dá a boa vontade no tempo das batalhas! Que não se fique correndo atrás de consolações! Humilhe-se o homem, considere-se indigno de viver no sossego e quietude de espírito. Aliás, é por isso que me afasto. Desejo que a pessoa seja humilde, que tenha consciência da minha caridade, que note a retidão interior que lhe concedo na hora da dificuldade. Quero que beba o leite espiritual não somente por borrifos na face da alma, mas sugando diretamente no coração do meu Filho. Juntamente com tal leite, quero que coma sua carne; que procure consolações no corpo do crucificado, vivendo sua mensagem, que transformei numa ponte que vos conduza até mim.
Eis as razões por que me afasto durante a aridez do espírito. Se os homens caminharem com prudência, não parando estupidamente na procura de consolações, retornarei depois com imensa delícia, força, luz, ardor de caridade. Os que sentirem rebeldia e tristeza pela ausência de consolações, pouco aproveitarão e continuarão em sua tibieza.