Foi com essa iluminação que Tomás adquiriu grande sabedoria. iluminados por meu Filho, Agostinho, Jerônimo e outros santos doutores compreenderam a verdade nas trevas. Naqueles tempos a Escritura parecia obscurecida; não por deficiência sua, mas pela incapacidade dos leitores, que não a compreendiam. Então eu os enviei como lâmpadas para iluminar os homens de vista curta e inteligência fraca. Nas trevas, eles aplicaram suas inteligências na procura da minha verdade. Vendo seus esforços, eu iluminei-os com a luz sobrenatural e eles compreenderam. O que parecia obscuro, tornou se claro para todos, cultos e incultos. Cada pessoa recebe tal luz conforme suas aptidões e disposições. Respeito as pessoas. Como acréscimo à luz da razão, a inteligência é iluminada por uma luz infusa, proveniente da graça. Foi com essa segunda luz infusa e sobrenatural que os doutores da Igreja e demais santos conheceram a verdade, transformando a escuridão em claridade.
Como a inteligência é anterior à Escritura, é dela que provém a sabedoria necessária para sua compreensão. Foi tal modo que os santos profetas entenderam e falaram sobre a encarnação e morte de meu Filho; que os apóstolos foram sobrenaturalmente iluminados com a vinda do Espírito Santo em pentecostes; que os evangelistas, doutores, confessores, virgens e mártires acolheram brilhante luz. A seu modo, cada um deles a recebeu de acordo com as necessidades da salvação - pessoal e dos outros -, e da interpretação das Escrituras: os doutores esclareceram a mensagem de Cristo pela sabedoria; os apóstolos pela pregação; os evangelistas, escrevendo-a; os mártires testemunhando, com seu sangue, a luz da fé e a riqueza da paixão de Cristo; as virgens obedecendo. Pela obediência, amor e pureza, estas últimas revelaram a perfeita humildade do meu Filho, que por obediência correu para a terrível morte na cruz.
Toda revelação, contida nos oráculos dos profetas do Antigo Testamento e nos escritos do Novo, for compreendida mediante essa luz infusa, sobrenatural. Sim, também no Novo Testamento a vivência evangélica foi dessa forma revelada aos cristãos. Sendo uma só a fonte, isto é, provindo da mesma iluminação, a Nova Lei não suprimiu a Antiga, mas acrescentou-se a ela. Retirou-lhe a imperfeição.
A Antiga fundamentava-se no temor do amor. Em lugar do temor servil, do medo dos castigos, inseriu o amor filial. Disse ele que não viera anular a lei de Moisés. Quando disse: "Eu não vim abrogar a lei, mas levá-la à perfeição" (Mt 5 17), queria significar: "A lei de Moisés é imperfeita; eu a aperfeiçoo no meu sangue. Vou retirar-lhe o temor servil e dar-lhe o que não possui, o amor, o temor filial". Quem manifesta isso? A luz sobrenatural da graça, algo superior à luz da razão, que é concedida a quem o deseja. Toda claridade proveniente das Sagradas Escrituras sempre procedeu e ainda procede dessa luz. Em sua presença cegam-se os sabichões ignorantes, pois o orgulho e o egoísmo constituem uma nuvem de fumaça que esconde e afasta o saber infuso. Esses tais compreendem a Escritura literalmente, não no seu sentido profundo. Apreciam-lhe a letra após longos estudos, mas não penetram seu espírito.
O motivo é este: eles desprezam a luz com que a Bíblia foi escrita e explicada. Maravilham-se mesmo, e põem-se a murmurar quando vêem pessoas sem estudo e rudes, extremamente iluminadas no conhecimento das Escrituras, como se tivessem estudado muito. Na realidade, não há maravilha nisso. Tais pessoas rudes possuem a fonte principal donde brota a sabedoria, enquanto aqueles soberbos, por desprezar a luz descrita acima, ignoram minha bondade e a iluminação infusa pela graça nos meus servidores. Por esse motivo eu te digo que, nos assuntos da santificação da alma, é melhor aconselhar-se com uma pessoa rude, mas dotada de uma consciência reta e santa, do que com um literato orgulhoso. Cada um dá o que possui. Vivendo no pecado, os literatos orgulhosos apresentam a luz das Escrituras envolta em trevas, ao passo que meus servidores, devido à luz que possuem, falam do que têm, com autêntico desejo da salvação.
Falei-te a respeito de tudo isso, minha filha querida, para mostrar-te como é a perfeição do estado de união. Nele a inteligência é sublimada pelo fogo do amor e iluminada sobrenaturalmente; como a vontade segue a inteligência, a pessoa me ama. Quanto maior o conhecimento, maior o amor, e vive-versa. Uma coisa alimenta a outra. Com tal luz, a alma chega à visão eterna, quando me conhecerá e gozará em mim. Isso acontece, com expliquei ao tratar da felicidade dos santos, quando a alma separar-se do corpo. Este é um estado de vida extraordinário. Embora sujeito à morte, o homem já vive entre os bem aventurados. Frequentemente entra em êxtase. Sem saber se está no corpo ou fora dele, a alma experimenta a certeza do céu, seja devido à união que mantém comigo, seja pela morte da vontade própria. Aliás, foi essa "morte" da vontade que possibilitou a união. Livre desse "inferno" que é a vontade própria - certeza de condenação para quem vive segundo a sensualidade - o homem saboreia a vida eterna.