Começo por aquela lágrima, a que Me referi no começo, a lágrima dos homens que vivem pecaminosamente no mundo, que consideram seu deus as pessoas, as coisas, a própria sensualidade. Essa atitude é para eles a fonte de todos os males na alma e no corpo.
Disse acima que as lágrimas nascem do coração. De fato, o coração chora de acordo com seu amor.
O pecador, por exemplo, chora quando o coração sofre com a perda de um objeto amado. Suas lágrimas são numerosíssimas, conforme a variedade do amor. Achando-se corrompida a raiz interior, que é o egoísmo, tudo nasce corrompido. É como uma árvore, cujos frutos fossem venenosos, as flores pobres, as folhas manchadas e os ramos voltados para o chão, vergastados pelos ventos. Tal é a árvore interior dos pecadores. Vós, porém, deveis ser árvores de amor. Por amor vos criei, sem amor não podeis viver. O homem virtuoso planta sua árvore no vale da humildade; o orgulhoso, na montanha da soberba. Mal plantada, a árvore deste último só produz frutos mortais.
§ 1 - As más ações
Frutos desta árvore são as más ações, carregadas de veneno por muitos e diferentes pecados. Mesmo quando o pecador pratica uma boa ação, não merece para a vida eterna, uma vez que a raiz do egoísmo prejudica tudo. Sua alma, em pecado mortal, não possui a graça.
Mesmo assim, o homem pecador não deve deixar de praticar o bem, pois toda boa obra terá sua recompensa. A boa ação praticada em pecado mortal não merece o céu, mas é paga por Minha justiça. Às vezes, darei bens materiais; outras vezes, como já disse antes ao tratar deste assunto, dou uma vida mais longa para que possa o pecador emendar-se; outras ainda, concedo a vida da graça pelos merecimentos de algum Meu servidor. Foi o que fiz no glorioso apóstolo Paulo, que abandonou a infidelidade e as perseguições ao cristianismo devido às preces de santo Estêvão (At 7,60).
Como vês, qualquer que seja seu estado de vida, ninguém deve deixar de fazer o bem.
§ 2 - Os sentimentos maus
Dizia que as folhas desta árvore de morte são podres. Referia-Me aos maus sentimentos do coração. Tais sentimentos internos ofendem Me e levam a pessoa ao ódio e desprezo pelos outros. Qual ladrão, o pecador rouba-Me a honra, para atribuí-la a si mesmo. São flores apodrecidas, causadoras de náusea pelas duas espécies de julgamento que causam. Primeiro, a Meu respeito. O homem pecador pronuncia-se iniquamente sobre Meus ocultos juízos e mistérios; despreza tudo quanto realizei por amor; nega quanto revelei em Meu Filho; destrói os meios por Mim oferecidos para se alcançar a vida. Tais pessoas tudo julgam e condenam em sintonia com seu parecer enfermiço. O egoísmo cegou-lhes a inteligência, vendou o olhar da fé, impediu-lhes de reconhecer a verdade. Segundo, relativamente ao próximo. Uma fonte de numerosos males. Sem autoconhecimento, o infeliz pecador pretende pronunciar-se sobre o segredo íntimo dos outros. Baseado em comportamentos exteriores, julga os sentimentos do coração. Meus servidores julgam sempre retamente, pois fundamentam-se na Minha bondade; os pecadores, sempre mal, alicerçados que estão na maldade. De seus juízos nascem muitas vezes o ódio, homicídios, desprezo pelos demais, distanciamento de Meus servidores devido ao seu amor pela virtude.
§ 3 - As más palavras
Aos poucos vão aparecendo as folhas, que são as palavras: os pronunciamentos ofensivos a Mim, ao sangue de Meu Filho, prejudiciais aos outros homens. A preocupação dos pecadores é falar mal, blasfemar contra Minhas obras, murmurar contra todo mundo. Consideram como realidade tudo o que seu julgamento sugere.
Pobres infelizes, não sabem que a língua foi feita unicamente para Me louvar, para a confissão dos pecados, para a promoção da virtude na salvação dos homens.
Folhas manchadas pela culpa! Tudo isso, porque está sujo o coração donde nascem; cheio de duplicidade e mal. Além de prejudicar o homem com a perda da graça, as palavras suscitam desavenças na vida social. Já ouviste falar que, devido às palavras, aconteceram revoltas nos estados, ruína de cidades, homicídios e muitos outros males. A palavra pronunciada penetra fundo no coração do homem a quem é dirigida, atinge regiões que nenhum punhal alcança.
§ 4 - Os vícios capitais
A árvore de morte possui sete galhos, inclinados para a terra, que produzem flores e folhas. São os sete vícios capitais, responsáveis por numerosos e diferentes pecados, todos eles enraizados no egoísmo e no orgulho. Os frutos são as más ações. Esses galhos - os vícios capitais - inclinam-se para a terra, enquanto tendem unicamente para a frágil e desordenada realidade deste mundo. Inclinam-se para nutrirem-se, incansavelmente, da terra. Os pecadores são insaciáveis e insuportáveis a si mesmos, sempre inquietos a procurar justamente o que não os pode saciar. O motivo por que são insaciáveis é o seguinte: Como pecadores, desejam só as realidades finitas, ao passo que eles, no que se refere ao ser, são infinitos, isto é, jamais deixarão de existir. No máximo perderão a vida da graça por causa do pecado mortal. O homem é maior que as realidades criadas, não vice-versa. Somente estará satisfeito, quando atingir um bem superior a si. Como somente Eu sou maior que o homem, disto decorre que somente Eu, Deus eterno, consigo saciá-lo. Separado de Mim pelo pecado, o homem vive perenemente atormentado e sofredor.
§ 5 - Os vendavais da vida
Ao sofrimento segue o pranto; sobrevêm então os vendavais que açoitam esta árvore de quem ama a sensualidade como razão da própria vida. Os vendavais são quatro: da prosperidade, da adversidade, do temor servil e do remorso.
A prosperidade material alimenta o orgulho, a presunção; leva o pecador a valorizar-se excessivamente e a desprezar os outros. Se for patrão, oprimirá o súdito com muitas injustiças. A prosperidade é ainda causa de vaidade pessoal, de impureza do corpo e do espírito, de desejo de fama, e de muitos outros defeitos. Tua linguagem nem seria capaz de enumerá-los. Seria, então, má em si mesma a riqueza? Não, assim como as outras três realidades de que falo. O que está apodrecido é a raiz da árvore, ruína de todo o resto. Eu, autor de todos os acontecimentos, sou imensamente bom! À prosperidade material pode sobrevir o choro, quando o coração, insaciável, não realiza seus desejos; ante essa impotência, o pecador sofre e chora porque as lágrimas, como disse, nascem do coração.
Segue-se o vendaval do temor servil. Quando um homem tem medo de perder quanto ama, até sua sombra causa-lhe temor. Por exemplo, o medo de morrer, de perder um dos filhos ou qualquer outra pessoa, o medo de ser humilhado, de decair na posição social, de perder a boa fama, a riqueza. Semelhantes temores não permitem ao homem nem conservar em tranqüilidade os bens que possui desordenadamente. Escravo de suas posses, o pecador vive temendo; e como o pecado é privação, a pessoa termina no nada.
Além do medo, os pecadores costumam sofrer adversidades, quais sejam perdas de bens em geral e em particular. Em geral, por ocasião da morte; em particular, pela privação de uma coisa ou outra: saúde, filhos, riquezas, posição social, honras. Tais perdas acontecem quando eu, médico bondoso, julgo proveitoso permiti-ias, da mesma forma como concedera aqueles bens antes.
Por terem o coração corrompido, muitos pecadores impacientam-se, sem procurar compreender. Surgem os protestos, a murmuração, o ódio, o desprezo por Mim e pelos outros. Consideram mal aquilo que Eu dera como bem; apenas lhes conta a dor pelo objeto amado. Diante disso, o pecador costuma cair num pranto angustiado e impaciente, que lhe arruína e mata a alma, privando-a a vida da graça; um choro que cega a pessoa, corporal e espiritualmente: que lhe retira toda alegria, toda esperança. Chora o pecador, porque privado daquilo que constituía seu prazer e o objeto de sua afeição, de sua esperança, de sua fé. Além da lágrima, há outras causas desses grandes inconvenientes; são a afeição desordenada e a angústia do coração, donde a lágrima procede. De fato, não é a lágrima exterior que causa a morte espiritual e o sofrimento, mas sim a raiz donde ela nasce, isto é, o egoísmo do coração desregrado. Quando o coração é bom e possui a graça, o pranto também é santo e alcança de Mim a misericórdia. Dei o nome de "lágrima de condenação" a este pranto, porque manifesta que o coração está morto.
Disse acima que existe também o vendaval do remorso! Como Sou bondoso, sirvo-Me da prosperidade material para atrair amorosamente os homens; do temor servil, a fim de que orientem o coração para a prática das virtudes; da adversidade, para que o homem tome consciência da fragilidade e incerteza das realidades deste mundo. Acontece, porém, que para alguns todos esses meios não produzem efeito; dado que os amo demais, envio então o remorso da consciência. Quero que confessem seus pecados no sacramento da penitência! Quando se obstinam no mal e recusam tal graça, os pecadores acabam na reprovação. Iludem as reprovações da própria consciência, distraem-se com prazeres ilícitos, ofendem a Mim e ao próximo. Com a raiz da árvore apodrecida, tudo secou e a pessoa recai na tristeza íntima, entre lágrimas e angústias. Não havendo conversão enquanto para isso dispõem da liberdade, tais pessoas passarão do pranto da terra para o choro do inferno. Então o finito se mudará em infinito, pois a causa deste último pranto é o ódio infinito pelo bem, em que se fundamentara o pecador.
Os réprobos do inferno, se quisessem, teriam escapado da perdição durante esta vida, através do Meu perdão. Eram livres, mesmo tendo-se dito que seu ódio pelo bem era infinito. A infinitude não se refere à intensidade do amor ou do ódio, mas à duração no tempo. Enquanto estais neste mundo, sois livres de amar ou odiar como quereis; quem encerra esta vida no amor, terá um bem infinito e quem a terminar no ódio, encontrar-se-á num mal interminável, na condenação eterna. Desta já Me ocupei ao tratar daqueles que vão afogando-se pelo rio do pecado. Longe da Minha misericórdia e do amor dos homens, já não poderão querer o bem.
Os bem-aventurados, ao contrário, gozam da Minha misericórdia, amam-se mutuamente e têm o vosso amor de caminhantes desta vida. Aliás, foi para que também vós venhais a Mim que vos coloquei no mundo. Para os condenados de nada servem vossas esmolas e boas obras. São membros separados do corpo que eu constituí na caridade. Recusaram obedecer aos santos preceitos da hierarquia, de quem recebeis nesta vida o sangue do Cordeiro imaculado. Condenaram-se, assim, eternamente em choro e ranger de dentes (Mt 8,12), quais mártires do demônio. Ali recebem do demônio os frutos que para si recolheram. Desse modo, as lágrimas de condenação fazem sofrer nesta vida e dão a companhia interminável dos demônios na outra.