Como afirmei antes (14.10), ninguém consegue seguir o caminho da verdade sem a luz da razão - recebida de mim com a inteligência - e sem aluz da fé, infundida na hora do santo batismo, supondo que não destruais esta última com vossos pecados. No batismo, a luz da fé vos é dada na força do sangue de meu Filho. Associada à luz da razão, ela vos alcança a vida e ajuda na caminhada para a verdade. Sem a fé iríeis nas trevas. Desta iluminação da fé derivam as duas outras, e até uma terceira, que vos são necessárias.
A primeira iluminação revela ao homem a transitoriedade das realidades terrenas, que passam como o vento. Tal atitude supõe, todavia, que tenhais consciência da própria fraqueza, tão inclinada a rebelar-se, já que existe nos vossos membros uma lei perversa (Rm 7,23), que vos leva a revoltar-se contra mim, vosso criador. Tal "lei" não obriga ninguém a pecar contra sua vontade, todavia combate contra o espírito. Permiti semelhante lei, não para serdes vencidos, mas a fim de provar vossas virtudes. É nas situações adversas que as virtudes são experimentadas. A sensualidade opõe-se ao espírito; é através dela que o homem comprova seu amor por mim, o criador. De que modo? Opondo-se às suas tendências, derrotando-as. Quis eu ainda, essa perversa lei para que o homem fosse humilde. Criei-o à minha imagem e semelhança, dei-lhe grande dignidade e beleza. Unindo a alma a um corpo, dei-lhe aquela lei como companheira. Era minha intensão que a alma não se orgulhasse diante da própria beleza. Para quem tem fé, portanto, o corpo é instrumento de humildade.
O corpo é frágil, nada possui que seja razão de orgulho, pelo contrário, deve ser motivo de verdadeira e perfeita humildade. De si mesma a sensualidade não conduz ninguém ao pecado, mas apenas induz ao reconhecimento do próprio nada; revela a fragilidade do que é terreno. É preciso que a inteligência humana, sob a luz da fé, reconheça tal coisa; trata-se justamente daquela iluminação "geral" de que falei, indispensável para todos os que desejam participar da vida da graça, aproveitando os efeitos da morte do Cordeiro imaculado. Ela é necessária para todos, qualquer que seja o estado de vida; é a iluminação da "caridade comum", universal. Todos (os cristãos) devem possuí-la, sob pena de serem condenados; quem não a tem, não está na graça divina; desconhece o pecado, suas causas; por isso não o odeia, não o evita. Ora, a pessoa que ignora o bem e a virtude não pode reconhecer me, não pode ser virtuosa, não adquire a graça, único meio que a mim conduz. Percebes quanto é importante esta iluminação?
Vossos pecados consistem no amor por realidades que abomino; consistem em abominar coisas que eu amo. Pois bem! Amo a virtude, detesto o vício. Quem ama o vício, ofende-me; é um cego a caminhar, sem saber o que é o pecado, o que é o egoísmo, quais são as consequências do pecado. O pecador ignora o que seja a virtude, ignora que sou a fonte da vida, desconhece a dignidade da graça na prática das virtudes. Bem vês, a ignorância é a raiz de seus males. Donde a necessidade desta iluminação.