O segundo modo de caminhar no aperfeiçoamento encontra-se no terceiro estado; os que chegam a esta iluminação comportam-se bem em tudo que fazem, respeitando devidamente tudo quanto lhes sucede. Disto já falei brevemente ao tratar do terceiro e quarto estados (18.4 e 18.5). Julgam-se merecedores das contrariedades provocadas pelo mundo, indignos de qualquer consolação, de qualquer conforto depois do sofrimento. Nesta iluminação eles compreendem que minha vontade eterna apenas deseja seu bem; tudo quero ou permito para que sejais santos. Com esse conhecimento, o homem se conforma ao meu querer e se preocupa unicamente em achar os meios necessários para santificar-se. Deseja louvar-me e glorificar-me. Fixa então o olhar da fé em Jesus crucificado e nele encontra a norma de todos, perfeitos e imperfeitos. A descoberta dessa mensagem de perfeição do Verbo encarnado leva-os a se apaixonarem por ela. Eis em que consiste tal mensagem de perfeição: que Cristo, repleto de desejo santo, vivia sedento da minha glória e salvação dos homens; que em força desse desejo santo, ele correu ao encontro da terrível morte na cruz, cumprindo a obediência que eu lhe impusera; que não procurou evitar as dificuldades e injúrias, nem desanimou diante da ingratidão e má vontade humana em reconhecer o grande dom aos homens oferecido; que não fugiu das perseguições dos judeus, das caçoadas, críticas e vociferações do povo, mas pelo contrário, tudo venceu, como autêntico general, como bom soldado colocado por mim no campo da luta a fim de libertar-vos das mãos do diabo. Sim, Cristo vos libertou da pior escravidão!
Ao versar seu sangue num imenso ato de caridade, ensinou-vos a estrada que conduz até mim e disse: "Eu construí o caminho, com minha paixão abri a porta; não sejais negligentes em caminhar, permanecendo sentados no egoísmo, de má vontade, com a presunção de servir-me a vosso modo. Eu, Verbo eterno, fiz a estrada em mim mesmo e a percorri no sangue". Levantai-vos, pois, e imitai o Verbo encarnado! Ninguém pode vir a mim, senão por meio dele (Jo 14,6). Ele é o caminho e a porta, pelos quais deveis passar antes de atingir-me, oceano de paz.
Quem recebe esta iluminação, alegremente procura a mesa do desejo santo, sem pensar em si mesmo quanto a consolações espirituais e materiais. Tendo imergido sua vontade nessa luz, aceita todos os cansaços, venham de onde vierem; suporta as tentações do demônio e as oposições dos homens; junto à cruz, arde no desejo de minha glória e da salvação humana. Nenhuma recompensa procura, seja da minha parte como da parte dos homens. O perfeito despojou-se do amor interesseiro (18.1.2), pelo qual me amava pensando em si mesmo. Agora, uma luz sem defeito o envolve. Ama-me desinteressadamente, sem aspirar por consolações; ama o próximo sem esperar compensações pessoais. Ama simplesmente por amar! Tais pessoas já não mais se pertencem.
Despojaram-se do homem velho - a sensibilidade - e revestiram-se do novo, Jesus Cristo, a quem seguem virilmente. Tomados pelo desejo santo, procuram dominar a própria vontade, mortificar o corpo. Fazem penitências, mas não como se fossem a sua meta principal; fazem-nas apenas par eliminar a vontade própria, na maneira que expliquei ao falar daquela minha expressão: "Gosto de poucas palavras e de muitas ações". Tal deve ser também vosso modo de agir. O maior esforço oriente-se para a destruição do egoísmo; imite se o Cristo crucificado, com o desejo de glorificar-me e de salvar a humanidade. É o modo de agir daqueles que se encontram nesta iluminação. Vivem em paz, tranquilos. Uma vez eliminado o fundamento de todo o mal, que é a vontade própria, já não se perturbam. Eles sabem que as perseguições do mundo e do demônio, são permitidas por mim. Mesmo num mar de contradições, saem ilesos. São ramos enxertados no tronco do amor.
Alegram-se em todos os acontecimentos. Os perfeitos e perfeitíssimos nada julgam sobre os meus servidores; nem a respeito de ninguém. Tudo os leva a exclamar: "Agradeço-te, Pai eterno, porque em tua casa existem muitas moradas". Notando diversos modos de agir, alegram-se mais do que se vissem todos caminhar por uma mesma estrada; compreendem que dessa maneira meu ser é mais bem revelado. Sempre otimistas, de todas as coisas extraem o perfume da rosa, e não apenas aquilo que é bom. No que se refere às ações que parecem pecado, preferem não omitir juízos. Unicamente sentem compaixão. Oram pelos pecadores e com humildade refletem: "Hoje toca a ti, amanhã a mim, se a graça divina não me proteger".
Ó filha querida, apaixona-te por este excelente estado de perfeição. Vê como esses progridem sob tão grande iluminação. Como são grandes! Têm o espírito santificado, estão sedentos pelo desejo santo, preocupam-se com a salvação dos outros, porque me amam. Revestiram-se de meu Filho, vivem sua mensagem com inflamado amor. Não perdem tempo a julgar falsamente meus servidores, nem a condenar os que seguem o mundo; não se preocupam com as maledicências contra si e contra os outros: se forem contra si mesmos, suportam-nas alegremente por meu amor; se forem contra o próximo, sentem compaixão e não ficam a murmurar contra o ofensor ou o ofendido; sua caridade para com os outros é reta, sem distorções. Assim sendo, filha caríssima, não se escandalizam, nem pelas pessoas amadas nem por ninguém. Tendo morrido sua vontade própria, nunca julgam a vontade alheia; apenas consideram os desejos da minha clemência 89. é (89 - Nos escritos de Catarina a "clemência do Pai é o Espírito Santo).
Os perfeitos e perfeitíssimos vivem aqueles ensinamentos que te foram dados no princípio de tua vida, quando fervorosamente suplicavas atingir a pureza total. Refletias, então, sobre o que fazer para consegui-la e te adormentaste. Quando voltaste aos sentidos, a voz do meu Filho ressoou nos teus ouvidos, dizendo: "Desejas chegar à pureza completa? Desejas livrar-te das preocupações, de modo que teu espírito em nada se escandalize? Procura estar sempre unida a mim no amor, pois sou eu a pureza suma e eterna; sou o fogo que purifica o homem. Quanto mais alguém se avizinhar de mim, mais puro será; quanto mais distante, mais impuro. Quem se une diretamente a mim participará da minha pureza. Há uma segunda coisa que deves fazer para atingir tal união e pureza: ao veres ou ouvires de quem quer que seja, afirmações referentes a mim ou aos homens, não pronuncies julgamentos. Diante de um pecado evidente, procura extrair uma rosa do espinheiro. Em outras palavras: oferece tudo a mim com santa compaixão! Relativamente às ofensas cometidas contra ti mesma, lembra-te de mim, pois sou eu que permito tais coisas para experimentar tua virtude. Para experimentar em ti e nos demais servidores.
Recorda-te de que o ofensor foi mero instrumento meu, e que ele age muitas vezes com reta intenção. Ninguém tem o direito de julgar o segredo do coração humano. Se uma ação não te parecer pecado mortal claro, evidente, não julgues interiormente além de quanto faço eu, que estou presente naquelas pessoas; se notares um pecado certo, não condenes; procura apenas compadecer-te. Comportando-te deste modo, chegarás à pureza perfeita. Teu espírito não se escandalizará, nem por minha causa nem por causa dos homens. Quando julgais iníqua a vontade de alguém, como contrária a vós, sem perceber no acontecido um desígnio meu, nasce em vós uma certa raiva contra aquela pessoa; tal raiva vos afasta de mim e prejudica vosso aperfeiçoamento. Em certos casos, chega a eliminar a graça, conforme a maior ou menor gravidade do rancor concebido contra o irmão no momento de condená-lo. Tal é a minha vontade, para vosso bem! Tudo quanto quero ou permito tem uma finalidade: que atinjais a meta para a qual vos criei! Quem ama o próximo, sempre me ama; quem me ama, acha-se unido a mim. Portanto, se desejas a pureza que suplicas, deves realizar três coisas principais: unir-te a mim no amor com a lembrança dos favores recebidos; entender o inestimável amor que vos dedico; não julgar má a vontade alheia, procurando ver nela a minha vontade.
Eu sou o juiz; vós não! Assim agindo, muito aproveitarás". Se bem recordas, foram esses os ensinamentos do meu Filho. Afirmo-te, querida filha, o seguinte: as pessoas que aprenderam a viver tal mensagem, possuem desde este mundo a garantia do céu. Conservando esta mensagem no espírito, escaparás das tentações do demônio e da dificuldade sobre a qual me interrogaste, pois estarás preparada para isso. Mas para ficar mais claro, descerei a maiores detalhes, respondendo aquele teu pedido; vou mostrar-te que vossos julgamentos não devem ser de condenação, mas de compaixão. Eu disse acima que os perfeitos e perfeitíssimos já possuem a certeza do céu; mas não o possuem ainda. Esperam recebê-lo como recompensa de mim, que sou a verdadeira vida: vida sem morte, saciedade sem fastio, fome sem carência; hão de receber o que desejam, porque o alimento sou eu.
Sim, nesta vida já têm a garantia de ir para o céu e experimentam-na. Aqui a alma começa a ter sede da minha glória e da salvação dos homens; sacia tal sede operando no amor pelo próximo. É uma sede insaciável, um desejo que cresce cada vez mais. Todo penhor constitui um início de segurança dado a um homem, em força do qual ele espera receber o pagamento. Em si o penhor não é algo perfeito e supõe a fé, que causa a certeza de receber a paga. O mesmo acontece com a pessoa apaixonada pela mensagem de meu Filho; desde esta vida recebeu a certeza do amor por mim e pelo próximo. Em si mesma, não é uma garantia total, mas prenuncia a perfeição da vida imortal. Tal penhor não é, ainda, a perfeição. Quem o experimenta não saboreia o todo e sente dores em si e por causa dos outros. Em si, por ofender-me devido à lei perversa que faz o corpo combater contra o espírito; nos outros, por causa dos pecados alheios. No entanto, tal penhora é algo de perfeito na realidade da graça, embora não atinja - como disse - o grau dos bem aventurados que já chegaram até mim. Vida que não mais termina. As aspirações dos santos não contêm sofrimentos; as vossas, sim!
Como disse antes (18.5.3), os perfeitíssimos são sofredores e felizes, à semelhança do meu Filho quando se achava pregado na cruz. Então o corpo de Jesus achava-se doloroso e atormentado, mas sua alma era feliz na união com a divindade. Também os perfeitos e perfeitíssimos, revestidos da minha vontade, são felizes na união de desejos comigo; de outro lado sofrem, porque sentem compaixão pelos outros e afligem a própria sensibilidade, privando-se dos prazeres e gozos da mesma.