Filha querida, expliquei-te o que é necessário fazer para o aperfeiçoamento da alma; vou atender agora àquele teu pedido, relativo à minha presença durante as visões ou demais manifestações, que alguém julgue ter. Disse que o sinal distintivo de que estou visitando a alma é a alegria, o desejo das virtudes e, sobretudo, grande humildade e amor. Tu me perguntaste, porém, se a alegria não pode iludir a alma. Desejas estar do lado mais seguro, queres um sinal definitivo de que não padeça engano. Vou falar-te de uma possível ilusão e sobre o modo de saber quando a alegria é autêntica ou não. A ilusão possível é esta: alegra-se uma pessoa, quando obtém aquilo que desejava. E quanto maior for seu desejo, menor atenção prestará à causa da alegria. A posse do objeto desejado, o prazer sentido, impedem que sua consideração seja clara e distinta. Isto acontece com almas que gostam de consolações espirituais e vivem à procura de visões, depositando maior interesse nelas que em mim.
Já te disse (18.1.2) que essa é a atitude daqueles que estão no estado do amor imperfeito. Eles se aplicam mais em obter consolações, do que em amar. Pois bem, é exatamente neste ponto que se acha a ilusão relativa à alegria. Outros enganos existem, mas deles já falei longamente (18.3.2). No caso presente, como acontece?
Quem ama as consolações espirituais, alegra-se grandemente ao recebê-las. Contente em possuir quanto desejava, muitas vezes se rejubila por artifícios do demônio. Já ensinei (18.3.2.3) que as visões ou consolações provocadas pelo demônio começam causando alegria, mas que depois se transformam em sofrimento e remorso, num vazio da caridade e das virtudes que leva a pessoa ao abandono da oração. Portanto, se a satisfação e a alegria não estiverem acompanhadas de amor pela virtude; se a pessoa não for humilde e muito caridosa, é sinal de que tal visita ou consolação não procede de mim, mas do diabo. Como disse, todo prazer espiritual não acompanhado de virtude, revela claramente que sua origem provém do apego à auto-consolação.
Todo homem se alegra ao conseguir o que ama; esta é a própria condição do amor. Disto decorre, pois, que não podes confiar somente no contentamento interior, mesmo quando ele persevere depois da visão. Por si mesma, sem outro recurso à prudência humana, a alegria é insuficiente para dizer se se trata de engano do demônio. É preciso agir com discernimento, examinando se o contentamento está acompanhado ou não pelo amor à virtude. Isso dirá se a visita interior é minha ou do diabo. O sinal de que falava, portanto, é o seguinte: o que prova minha presença na alma é a alegria interior com as virtudes. É um sinal que demonstra a verdade: diz se há ilusão ou não, indica se o contentamento vem de mim, do egoísmo ou do demônio.
A alegria causada por mim contém amor à virtude; aquela causada pelo diabo limita-se unicamente ao contentamento. Um exame atento fará ver que a virtude da pessoa, após a consolação, continua a mesma de antes; o contentamento em si é somente indício do amor por si mesmo.
Quero dizer-te, porém, que somente os imperfeitos caem nesta ilusão do enlevo pelo prazer espiritual, dando mais valor ao dom que ao doador. Os homens inflamados de caridade não pensam em si mesmos, mas em mim, o doador. Por atribuírem pouco valor ao tempo presente, colocam sua felicidade espiritual em mim e não se deixam enganar.
Se o diabo os tenta iludir, manifestando seus pensamentos em forma de luz, dando-lhes alegria, eles sabem distinguir. Desapegados das consolações, usam de discernimento e percebem a ilusão. Por tratar-se de uma alegria passageira, sentem-se no escuro; humilham-se, então, mediante o autoconhecimento, deixam de lado aquela consolação e apegam-se fortemente à mensagem do meu Filho. O demônio, confundido, não mais voltará, ou somente raras vezes.
As pessoas apegadas às consolações costumam receber muitas visitas do diabo em forma de luz. Que tais pessoas procurem entender, pela maneira explicada, se se trata de uma ilusão: investigue se a alegria interior está acompanhada pelas virtudes; se a alma sai dessa visão com maior humildade, caridade, desejo santo, ou seja, com mais amor por mim e pela salvação dos outros. Bondosamente providenciei que todos vós, perfeitos e imperfeitos, qualquer que seja vossa situação, não sejais enganados. Basta ter a mente iluminada pela fé e impedir que o diabo vos obscureça. Se vós mesmos não afastais o egoísmo, ninguém o conseguirá destruir em vosso lugar.