4. INFLUÊNCIA DA PRIMEIRA APARIÇÃO DE NOSSA SENHORA
		A aparição de Nossa Senhora veio de novo a concentrar-nos
	
		no sobrenatural, mas mais suavemente: em vez daquele aniquilamento na Divina Presença, que prostrava, mesmo fisicamente,
	
		deixou-nos uma paz e alegria expansiva que nos não impedia falar,
	
		em seguida, de quanto se tinha passado. No entanto, a respeito do
	
		reflexo que Nossa Senhora, com as mãos, nos tinha comunicado e
	
		de tudo que, com ele, se relacionava, sentíamos um não sei quê
	
		interior que nos movia a calar.
	
		Contámos, em seguida, ao Francisco, tudo quanto Nossa Senhora tinha dito. E ele, manifestando o contentamento que sentia,
	
		na promessa de ir para o Céu, cruzando as mãos sobre o peito,
	
		dizia:
	
		– Ó minha Nossa Senhora, terços, rezo todos quantos Vós
	
		quiserdes.
	
		E, desde aí, tomou o costume de se afastar de nós, como que
	
		passeando; e se chamava por ele e Ihe perguntava que andava a
	
		fazer, levantava o braço e mostrava-me o terço. Se Ihe dizia que
	
		viesse brincar, que depois rezava connosco, respondia:
	
		– Depois também rezo. Não te lembras que Nossa Senhora
	
		disse que tinha de rezar muitos terços?
	
		Um dia, disse-me:
	
		– Gostei muito de ver o Anjo, mas gostei ainda mais de Nossa
	
		Senhora. Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela
	
		luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!
	
		Mas Ele está tão triste, por causa de tantos pecados! Nós nunca
	
		havemos de fazer nenhum.
	
		Já disse, no segundo escrito sobre a Jacinta, como foi ele que
	
		me deu a notícia de que ela tinha faltado ao nosso contrato de não
	
		dizer nada. E como era de meu parecer que se guardasse segredo, acrescentou, com ar triste:
	
		– Eu, como minha Mãe me perguntou se era verdade, tive que
	
		dizer que sim, para não mentir.
	
		Por vezes, dizia:
	
		– Nossa Senhora disse que íamos a ter muito que sofrer! Não
	
		me importo; sofro tudo quanto Ela quiser! O que eu quero é ir para
	
		o Céu.
	
		Um dia que eu me mostrava descontente com a perseguição
	
		que dentro e fora da família se começava a levantar, ele procurou
	
		animar-me, dizendo:
	
		– Deixa lá. Não disse Nossa Senhora que íamos a ter muito
	
		que sofrer, para reparar a Nosso Senhor e o Seu Imaculado Coração, de tantos pecados com que são ofendidos? Eles estão tão
	
		tristes! Se com estes sofrimentos os pudermos consolar, já ficamos contentes.
	
		Poucos dias depois da primeira aparição de Nossa Senhora,
	
		ao chegar à pastagem, subiu-se a um elevado penedo e disse-nos:
	
		– Vocês não venham para aqui; deixem-me estar sozinho.
	
		– Está bem.
	
		E pus-me, com a Jacinta, atrás das borboletas que apanhávamos, para logo fazer o sacrifício de deixar fugir, e nem mais do
	
		Francisco nos lembrou. Chegada a hora da merenda, demos pela
	
		sua falta, e lá fui a chamá-lo:
	
		– Francisco, não queres vir a merendar?
	
		– Não. Comam vocês.
	
		– E a rezar o terço?
	
		– A rezar, depois vou. Torna-me a chamar.
	
		Quando voltei a chamá-lo, disse-me:
	
		– Venham vocês a rezar aqui pró pé de mim.
	
		Subimos para o cimo do penedo, onde mal cabíamos os três
	
		de joelhos, e perguntei-lhe:
	
		– Mas que estás aqui a fazer tanto tempo?
	
		– Estou a pensar em Deus que está tão triste, por causa de
	
		tantos Recados! Se eu fosse capaz de Lhe dar alegria (5)!
	
		Um dia, pusemo-nos a cantar, em coro, as alegrias da Serra:
	
		Coro
	
		Ai, trai lari, lai, lai,
	
		Trai lari, lai, lai,
	
		Lai, lai, lai!
	
		1
	
		Nesta vida tudo canta,
	
		Comigo, ao desafio:
	
		Canta a pastora na serra
	
		E a lavadeira no rio.
	
		2
	
		É a voz do pintassilgo
	
		Que me vem a despertar,
	
		Logo ao nascer do sol,
	
		No silvado, a cantar!
	
		(5) Pode dizer-se que o Francisco recebeu o dom da contemplação.
	
		3
	
		De noite, canta a coruja
	
		Que me quer assustar!
	
		Na escamisada, canta
	
		A rapariga ao luar!
	
		 4
	
		O rouxinol, na campina,
	
		Passa o dia a cantar!
	
		Canta a rola no bosque,
	
		Canta o carro a chiar!
	
		 5
	
		A serra é um jardim
	
		Todo o dia a sorrir!
	
		São as gotas do orvalho,
	
		Nas montanhas, a luzir!
	
		Terminada a primeira vez, íamos a repetir, mas o Francisco
	
		interrompeu:
	
		– Não cantemos mais. Desde que vimos o Anjo e Nossa Senhora, já não me apetece cantar
	.png)
