a) A unidade da família humana
428 Os relatos bíblicos sobre as origens demonstram a unidade do gênero humano e ensinam que o Deus de Israel é o Senhor da história e do cosmos: a Sua ação abraça todo o mundo e a família humana inteira, à qual é destinada a obra da criação. A decisão de Deus de fazer o homem à Sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26-27) confere à criatura humana uma dignidade única, que se estende a todas as gerações (cf. Gn 5) e sobre toda a terra (cf. Gn 10). O Livro do Gênesis mostra, além disso, que o ser humano não foi criado isolado, mas no seio de um contexto do qual fazem parte integral, o espaço vital que lhe assegura a liberdade (o jardim), a disponibilidade de alimentos (as árvores do jardim), o trabalho (o mandato para cultivar) e sobretudo a comunidade (o dom de um colaborador semelhante a ele) (cf. Gn 2,8-24). As condições que asseguram plenitude à vida humana são, em todo o Antigo Testamento, objeto da bênção divina. Deus quer garantir ao homem os bens necessários para o seu crescimento, a possibilidade de expressar-se livremente, o resultado positivo do trabalho, a riqueza de relações entre seres semelhantes.
429 A aliança de Deus com Noé (cf. Gn 9,1-17), e nele com toda a humanidade, após a destruição causada pelo dilúvio, manifesta que Deus quer manter para a comunidade humana a bênção de fecundidade, a tarefa de dominar a criação e a absoluta dignidade e intangibilidade da vida humana que caracterizaram a primeira criação, não obstante nela se tenha introduzido, com o pecado, a degeneração da violência e da injustiça, punida com o dilúvio. O Livro do Gênesis apresenta com admiração a variedade dos povos, obra da ação criadora de Deus (cf. Gn 10,1-32) e, simultaneamente, estigmatiza a não aceitação por parte do homem da sua condição de criatura, com o episódio da torre de Babel (cf. Gn 11,1-9). Todos os povos, no plano divino, tinham «uma só língua e ... as mesmas palavras» (Gn 11,1), mas os homens se dividem, voltando as costas ao Criador (cf. Gn 11,4).
430 A aliança estabelecida por Deus com Abraão, eleito «pai de uma multidão de povos» (Gn 17,4), abre o caminho para reunião da família humana ao seu Criador. A história salvífica induz o povo de Israel a pensar que a ação divina seja restrita à sua terra, todavia se consolida pouco a pouco a convicção de que Deus opera também entre outras nações (cf. Is 19,18-25). Os Profetas anunciarão para um tempo escatológico a peregrinação de todos os povos ao templo do Senhor e uma era de paz entre as nações (cf. Is 2,2-5; 66,18-23). Israel, disperso no exílio, tomará definitivamente consciência de seu papel de testemunha do único Deus (cf. Is 44,6-8), Senhor do mundo e da história dos povos (cf. Is 44,24-28).
b) Jesus Cristo protótipo e fundamento da nova humanidade
431 O Senhor Jesus é o protótipo e o fundamento da nova humanidade. N´Ele, verdadeira «imagem de Deus» (2 Cor 4,4), o homem, criado por Deus a Sua imagem e a Sua semelhança, encontra sua realização. No testemunho definitivo de amor que Deus manifestou na cruz de Cristo, todas as barreiras de inimizade já foram derrubadas (cf. Ef 2,12-18) e para quantos vivem a vida nova em Cristo as diferenças raciais e culturais não são mais motivo de divisão (cf. Rm 10,12; Gal 3,26-28; Col 3,11).
Graças ao Espírito, a Igreja conhece o desígnio divino que abrange todo o gênero humano (cf. At 17,26) e que tem por fim reunir, no mistério de uma salvação realizada sob o senhorio de Cristo (cf. Ef 1,8-10), toda a realidade criatural fragmentada e dispersa. Desde o dia de Pentecostes, quando a Ressurreição é anunciada aos diversos povos e entendida por cada qual na sua própria língua (cf. At 2,6), a Igreja dedica-se à própria tarefa de restaurar e testemunhar a unidade perdida em Babel: graças a este mistério eclesial, a família humana é chamada a recuperar a própria unidade e a reconhecer a riqueza de suas diferenças, para alcançar a «unidade total em Cristo» [873] .
c) A vocação universal do cristianismo
432 A mensagem cristã oferece uma visão universal da vida dos homens e dos povos sobre a terra [874] , que leva a compreender a unidade da família humana [875] . Tal unidade não se deve construir com a força das armas, do terror ou da opressão, mas é antes o êxito daquele «supremo modelo de unidade, reflexo da vida íntima de Deus, uno em três Pessoas, é o que nós cristãos designamos com a palavra “comunhão”» [876] e uma conquista da força moral e cultural da liberdade [877] . A mensagem cristã foi decisiva para fazer a humanidade compreender que os povos tendem a unirem-se não apenas em razão das formas de organização, de vicissitudes políticas, de projetos econômicos ou em nome de uma internacionalismo abstrato e ideológico, mas porque livremente se orientam em direção a cooperação, cônscios «de serem membros vivos de uma comunidade mundial» [878] , que se deve propor sempre mais e sempre melhor como figura concreta da unidade querida pelo Criador: « A unidade universal do convívio humano é um fato perene. É que o convívio humano tem por membros seres humanos que são todos iguais por dignidade natural. Por conseguinte, é também perene a exigência natural de realização, em grau suficiente, do bem comum universal, isto é, do bem comum de toda a família humana» [879] .
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