IA, ECONOMIA E TRABALHO

IA, ECONOMIA E TRABALHO

64. A inteligência artificial (IA), devido à sua natureza abrangente, encontra crescente aplicação em sistemas econômicos e financeiros. Atualmente, os maiores investimentos concentram-se, além do setor de tecnologia, nas áreas de energia, finanças e mídia, com destaque para marketing e vendas, logística, inovação tecnológica, conformidade (compliance) e gestão de riscos. Nessas aplicações, a ambivalência da IA torna-se evidente: ela representa enormes oportunidades, mas também riscos significativos. Uma das primeiras críticas é que, devido à concentração da oferta em poucas empresas, essas acabam sendo as únicas beneficiárias do valor gerado pela IA, em vez das organizações que a utilizam.

 

65. Além disso, no contexto econômico-financeiro, existem aspectos mais amplos nos quais a IA pode ter efeitos que exigem avaliação cuidadosa, especialmente na interação entre o mundo concreto e o digital. Um ponto importante é a coexistência de instituições econômicas e financeiras que operam em contextos com formas diversas e alternativas. Essa diversidade pode ser benéfica, promovendo o desenvolvimento e a estabilidade da economia real, especialmente em tempos de crise. No entanto, como as realidades digitais não estão vinculadas a limites espaciais, elas tendem a ser mais homogêneas e impessoais do que comunidades enraizadas em um lugar específico, com uma história comum, valores compartilhados e até mesmo divergências. Essa diversidade local é uma riqueza inegável para a economia. Submeter totalmente a economia e as finanças à tecnologia digital pode reduzir essa riqueza, tornando inviáveis soluções que antes seriam possíveis por meio de diálogos naturais entre as partes envolvidas.

 

66. Outro setor profundamente impactado pela IA é o mercado de trabalho. Como em muitos outros campos, ela está transformando substancialmente várias profissões, com efeitos variados. Por um lado, a IA tem potencial para aumentar competências e produtividade, criar novos empregos, permitir que os trabalhadores se concentrem em tarefas mais inovadoras e abrir novos horizontes para a criatividade e a inventividade.

 

67. No entanto, enquanto a IA promete impulsionar a produtividade ao assumir tarefas rotineiras, frequentemente os trabalhadores são forçados a se adaptar às demandas e ritmo das máquinas, em vez de as tecnologias serem projetadas para facilitar o trabalho humano. Isso pode, paradoxalmente, desvalorizar os trabalhadores, submetê-los a sistemas de vigilância automatizada e relegá-los a funções rígidas e repetitivas. A necessidade de acompanhar o ritmo da tecnologia pode minar o senso de autonomia dos trabalhadores e sufocar a criatividade necessária para seu desempenho [125].

 

68. A IA também está eliminando algumas atividades antes realizadas por humanos. Quando usada para substituir trabalhadores, em vez de complementá-los, existe um «risco substancial de benefício desproporcional para poucos às custas do empobrecimento de muitos» [126]. Além disso, à medida que a IA se torna mais poderosa, há o perigo de o trabalho perder valor no sistema econômico. Esse é o resultado lógico do paradigma tecnocrático: um mundo onde a humanidade é subordinada à eficiência e, em última análise, o custo humano deve ser minimizado. No entanto, as vidas humanas têm valor intrínseco, independente de sua produtividade econômica. O Papa Francisco observa que, como consequência desse paradigma, «hoje parece não fazer sentido investir para que aqueles que ficam para trás, os fracos ou os menos dotados, possam prosperar» [127]. Ele conclui que «não podemos permitir que uma ferramenta tão poderosa e indispensável como a IA fortaleça esse paradigma; pelo contrário, devemos fazer da inteligência artificial um baluarte contra sua expansão» [128].

 

69. Por isso, é essencial lembrar que «a organização das coisas deve estar subordinada à ordem das pessoas, e não o contrário» [129]. O trabalho humano não deve servir apenas ao lucro, mas ao ser humano integralmente considerado, levando em conta as necessidades materiais, intelectuais, morais, espirituais e religiosas [130]. Nesse sentido, a Igreja reconhece que o trabalho é «não apenas um meio de subsistência», mas também «uma dimensão indispensável da vida social», um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações saudáveis, para expressar-se, compartilhar dons e assumir a corresponsabilidade na melhoria do mundo e, finalmente, viver como povo [131].

 

70. Como o trabalho «é parte do sentido da vida na terra, caminho de maturação, desenvolvimento humano e realização pessoal», «não se deve buscar substituir o trabalho humano pelo progresso tecnológico de forma excessiva, pois isso prejudicaria a própria humanidade» [132]. Em vez disso, é necessário promover o trabalho. Sob essa perspectiva, a IA deve assistir, e não substituir, o julgamento humano, além de nunca degradar a criatividade ou reduzir os trabalhadores a meros "engrenagens de uma máquina". Assim, «o respeito à dignidade dos trabalhadores, a importância do emprego para o bem-estar econômico das pessoas, das famílias e da sociedade, a segurança no trabalho e a equidade salarial devem ser prioridades para a comunidade internacional, enquanto essas tecnologias se tornam mais presentes nos locais de trabalho» [133].

 

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