LIMITES DA IA

LIMITES DA IA

30. À luz do que foi dito, as diferenças entre a inteligência humana e os sistemas atuais de inteligência artificial (IA) tornam-se evidentes. Embora a IA seja uma extraordinária conquista tecnológica capaz de imitar algumas operações associadas à racionalidade, ela opera apenas executando tarefas, alcançando objetivos ou tomando decisões com base em dados quantitativos e lógica computacional. Com seu poder analítico, por exemplo, a IA se destaca ao integrar dados de diversas áreas, modelar sistemas complexos e facilitar conexões interdisciplinares. Dessa forma, pode promover a colaboração entre especialistas para resolver problemas cuja complexidade "não pode ser enfrentada a partir de um único ponto de vista ou de um único tipo de interesse"[64].

 

31. Contudo, ainda que a IA elabore e simule algumas expressões da inteligência, ela permanece fundamentalmente confinada a um âmbito lógico-matemático, que impõe a ela limitações intrínsecas. Enquanto a inteligência humana se desenvolve continuamente de forma orgânica ao longo do crescimento físico e psicológico da pessoa, sendo moldada por uma infinidade de experiências vividas corporalmente, a IA carece da capacidade de evoluir nesse sentido. Embora os sistemas avançados possam “aprender” por meio de processos como o aprendizado de máquina, esse treinamento é essencialmente diferente do desenvolvimento da inteligência humana, que é influenciada por experiências corporais: estímulos sensoriais, respostas emocionais, interações sociais e o contexto único de cada momento. Esses elementos moldam e formam cada indivíduo em sua história pessoal. Em contraste, a IA, desprovida de um corpo físico, depende do raciocínio computacional e do aprendizado a partir de vastos conjuntos de dados que, no entanto, foram coletados por seres humanos.

 

32. Consequentemente, embora a IA seja capaz de simular alguns aspectos do raciocínio humano e executar determinadas tarefas com velocidade e eficiência incríveis, suas capacidades de cálculo representam apenas uma fração das amplas possibilidades da mente humana. Por exemplo, a IA não pode, atualmente, replicar o discernimento moral ou a capacidade de estabelecer relacionamentos autênticos. Além disso, a inteligência humana é moldada por uma história pessoal de formação intelectual e moral, que essencialmente influencia a perspectiva de cada pessoa, englobando dimensões físicas, emocionais, sociais, morais e espirituais de sua vida. Como a IA não pode oferecer essa amplitude de compreensão, abordagens que dependem exclusivamente dessa tecnologia ou a assumem como principal via de interpretação do mundo podem levar à "perda do sentido de totalidade, das relações entre as coisas e do horizonte amplo" [65].

 

33. A inteligência humana não se define, primariamente, pela execução de tarefas funcionais, mas sim pela capacidade de compreender e envolver-se ativamente com a realidade em todos os seus aspectos. Além disso, a mente humana é capaz de surpreendentes intuições. Como a IA não possui a riqueza da corporeidade, da relacionalidade e da abertura do coração humano à verdade e ao bem, suas capacidades, mesmo que pareçam infinitas, não se comparam à capacidade humana de apreender a realidade. Aprendemos tanto com uma doença quanto com um abraço de reconciliação, ou mesmo com a contemplação de um simples pôr do sol. Muitas das experiências que vivemos como seres humanos nos abrem novos horizontes e nos oferecem a oportunidade de alcançar uma nova sabedoria. Nenhum dispositivo, limitado a trabalhar apenas com dados, pode se equiparar a essas e tantas outras vivências presentes em nossas vidas.

 

34. Estabelecer uma equivalência excessiva entre inteligência humana e IA traz o risco de adotar uma visão funcionalista, em que as pessoas são avaliadas com base nas tarefas que podem desempenhar. Contudo, o valor de uma pessoa não depende da posse de habilidades específicas, de resultados cognitivos e tecnológicos ou de seu sucesso individual, mas sim de sua dignidade intrínseca, fundada no fato de ter sido criada à imagem de Deus [66]. Essa dignidade permanece intacta, independentemente das circunstâncias, mesmo em quem não é capaz de exercer suas capacidades, seja um feto, uma pessoa em estado de inconsciência ou um idoso que sofre [67]. Ela está na base da tradição dos direitos humanos – e, especificamente, dos chamados "neurodireitos" –, que "constituem um ponto importante de convergência para a busca de um terreno comum"[68], podendo, assim, servir como guia ética fundamental nas discussões sobre o desenvolvimento e uso responsável da IA.

 

35. Diante disso, como observa o Papa Francisco, "o próprio uso da palavra ‘inteligência’ em referência à IA é enganoso"[69], pois pode negligenciar o que há de mais precioso na pessoa humana. A partir dessa perspectiva, a IA não deve ser vista como uma forma artificial de inteligência, mas como um de seus produtos [70].

 

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