26. Nesse contexto, a inteligência humana revela-se mais claramente como uma faculdade que é parte integrante da maneira como a pessoa inteira se envolve com a realidade. Um envolvimento autêntico exige abarcar toda a extensão do próprio ser: espiritual, cognitivo, encarnado e relacional.
27. Esse interesse pela realidade manifesta-se de diversas maneiras, uma vez que cada pessoa, em sua singularidade multifacetada [54], busca compreender o mundo, relacionar-se com os outros, resolver problemas, expressar sua criatividade e promover o bem-estar integral através da sinergia entre as várias dimensões da inteligência [55]. Isso inclui habilidades lógicas e linguísticas, mas pode abranger também outras formas de interação com a realidade. Por exemplo, o trabalho do artesão, que "precisa saber enxergar na matéria inerte uma forma particular que outros não conseguem reconhecer"[56] e trazê-la à luz com sua intuição e habilidade. Os povos indígenas, que vivem próximos à terra, frequentemente possuem um profundo entendimento da natureza e de seus ciclos [57]. De forma semelhante, um amigo que encontra a palavra certa para dizer ou uma pessoa que lida bem com relações humanas exemplificam uma inteligência que é "fruto da reflexão, do diálogo e do encontro generoso entre as pessoas"[58]. Como afirma o Papa Francisco, "na era da inteligência artificial, não podemos esquecer que, para salvar o humano, são necessárias a poesia e o amor"[59].
28. No centro da visão cristã da inteligência está a integração da verdade na vida moral e espiritual da pessoa, orientando suas ações à luz da bondade e da verdade de Deus. Segundo o plano divino, a inteligência, em seu sentido pleno, inclui a capacidade de apreciar o que é verdadeiro, bom e belo. Por isso, pode-se afirmar, com as palavras do poeta francês Paul Claudel, que "a inteligência é nada sem o deleite"[60]. Também Dante Alighieri, ao alcançar o céu mais alto no Paraíso, testemunha que o ápice desse prazer intelectual encontra-se na "Luz intelectual plena de amor; / amor de bem verdadeiro, pleno de alegria; / alegria que transcende toda doçura"[61].
29. Uma concepção correta da inteligência humana, portanto, não pode ser reduzida à simples aquisição de fatos ou à habilidade de executar tarefas específicas; ela implica a abertura da pessoa às questões últimas da vida e reflete uma orientação para o Verdadeiro e o Bom [62]. Como expressão da imagem divina na pessoa, a inteligência é capaz de acessar a totalidade do ser, ou seja, considerar a existência em sua plenitude, que não se limita ao mensurável, compreendendo, assim, o sentido do que alcançou entender. Para os crentes, essa capacidade inclui, em especial, a possibilidade de crescer no conhecimento dos mistérios de Deus através do aprofundamento racional das verdades reveladas (intellectus fidei) [63]. A verdadeira intelligentia é moldada pelo amor divino, "derramado em nossos corações pelo Espírito Santo" (Rm 5,5). Daí decorre que a inteligência humana possui uma dimensão essencialmente contemplativa, uma abertura desinteressada ao que é Verdadeiro, Bom e Belo, além de qualquer utilidade particular.