EM CONSTRUÇÃO....

LIVRO DA VIDA

1. Quisera eu que, tal como me mandaram e deram ampla licença para escrever o modo de oração e as mercês que o Senhor me tem feito, ma dessem para, mui por miúdo e com clareza, dizer meus grandes pecados e ruim vida. Dar-me-ia isso grande consolação. Mas não quiseram, antes me ataram muito neste caso. E por isso peço, por amor de Deus, a quem ler este discurso da minha vida, que tenha diante dos olhos que fui tão ruim, que não tenho encontrado santo -dos que se voltaram para Deus com quem me consolar. Porque considero que, depois do Senhor os ter chamado, não O tornavam a ofender. Eu não só tornava a ser pior, mas parecia estudar o modo de resistir às mercês que Sua Majestade me fazia, como quem se visse obrigado a servir mais e entendesse que não podia pagar o mínimo que devia.

 

2. Seja bendito para sempre, que tanto me esperou! E, com todo o meu coração, suplico me dê graça para, com toda a clareza e verdade, fazer esta relação que meus confessores me mandam. Que o Senhor a quer, sei-o eu há muitos dias, mas não me tenho atrevido; e que seja para glória e louvor Seu e para que, de aqui em diante, conhecendo-me eles melhor, ajudem a minha fraqueza, para poder servir algo do que devo ao Senhor, a Quem sempre louvem todas as coisas, amem.

 

LIVRO DA VIDA CAP. 1 A 10

CAPÍTULO 1. TRATA COMO O SENHOR LHE COMEÇOU A DESPERTAR A ALMA PARA A VIRTUDE NA SUA INFÂNCIA, E QUANTO A ISTO AJUDA OS PAIS SEREM VIRTUOSOS.

1. Ter pais virtuosos e tementes a Deus - se eu não fosse tão ruim - me bastaria, com o que o Senhor me favorecia, para ser boa. Era meu pai afeiçoado a ler bons livros e assim os tinha em vernáculo para que ,seus filhos os lessem. Isto, com o cuidado que minha mãe tinha em fazer-nos rezar e sermos...

CAPÍTULO 2. DIZ COMO FOI PERDENDO ESTAS VIRTUDES E QUANTO IMPORTA, NA MENINICE, TRATAR COM PESSOAS VIRTUOSAS.

1. Parece-me que começou a fazer-me muito dano o que agora direi. Considero algumas vezes o mal que fazem os pais em não procurar que seus filhos vejam sempre - e de todas as maneiras - coisas de virtude. Porque, com ter tanta a minha mãe, como disse, de bom não tomei muito, nem quase nada -...

CAPÍTULO 3. TRATA COMO UMA BOA COMPANHIA LHE SERVIU PARA DESPERTAR SEUS DESEJOS E POR QUE MODO O SENHOR LHE COMEÇOU A DAR ALGUMA LUZ SOBRE O ENGANO QUE TINHA TRAZIDO.

1. Começando pois a gostar da boa e santa conversação desta freira, folgava de ouvir quão bem ela falava de Deus, porque era muito discreta e santa. Isto, a meu parecer, em nenhum tempo deixei de gostar. Começou-me a contar como veio a ser freira só por ter lido o que diz o Evangelho: «muitos são...

CAPÍTULO 4. DIZ COMO O SENHOR A AJUDOU A CONVENCER-SE A SI MESMA PARA TOMAR HÁBITO E AS MUITAS ENFERMIDADES QUE SUA MAJESTADE LHE COMEÇOU A DAR.

1. Nestes dias em que andava com estas determinações havia persuadido a um irmão meu a que se fizesse frade, falando-lhe da vaidade do mundo. E combinámos entre nós ir um dia, muito de manhã, ao mosteiro onde estava aquela minha amiga a quem eu tinha muita afeição. Nesta minha última determinação...

CAPÍTULO 5. NARRA AS GRANDES ENFERMIDADES QUE TEVE E A PACIÊNCIA QUE O SENHOR LHE DEU E COMO DOS MALES TIROU BENS, CONFORME SE VERÁ POR UMA COISA QUE LHE ACONTECEU NESTE LUGAR AONDE SE FOI CURAR.

1. Esqueci-me de dizer como, no ano do noviciado, passei grandes desassossegos em coisas que em si tinham pouco tomo. Culpavamme sem ter culpa muitas vezes. Eu levava isto com muita pena e imperfeição, embora com o grande contentamento que tinha de ser freira, por tudo passava. Como me viam...

CAPÍTULO 6. TRATA DO MUITO QUE FICOU A DEVER AO SENHOR POR LHE TER DADO CONFORMIDADE EM TÃO GRANDES TRABALHOS E COMO TOMOU POR MEDIANEIRO E ADVOGADO AO GLORIOSO SÃO JOSÉ E O MUITO QUE LHE APROVEITOU.

1. Fiquei, destes quatro dias de paroxismo, num estado que só o Senhor pode saber os incomportáveis tormentos que sentia em mim: a língua feita em pedaços de mordida; a garganta, de não ter passado nada e da grande fraqueza, sufocava-me, pois nem a água podia engolir; toda eu parecia estar...

CAPÍTULO 7. TRATA COMO FOI PERDENDO AS MERCÊS QUE O SENHOR LHE TINHA FEITO E QUÃO PERDIDA VIDA COMEÇOU A TER. DIZ OS DANOS QUE HÁ EM NÃO SEREM MUITO ENCLAUSURADOS OS MOSTEIROS DE MONJAS.

1. Comecei pois assim, de passatempo em passatempo, de vaidade em vaidade, de ocasião em ocasião, a meter-me tanto em mui grandes ocasiões e a andar a minha alma tão estragada em vaidades, que já tinha vergonha, em tão particular amizade como é tratar de oração, de me tornar a chegar a Deus. Ajudou...

CAPÍTULO 8. TRATA DO GRANDE BEM QUE LHE FEZ NÃO TER DEIXADO DE TODO A ORAÇÃO PARA NÃO PERDER A ALMA, E QUÃO EXCELENTE REMÉDIO É PARA GANHAR O PERDIDO. PERSUADE A QUE TODOS A TENHAM. DIZ COMO É GRANDE GANHO, EMBORA A TORNEM A DEIXAR POR ALGUM TEMPO.

1. Não sem motivo ponderei tanto este tempo da minha vida, pois bem vejo que não dará gosto a ninguém ver coisa tão ruim. É certo que quisera eu se aborrecessem os que isto lessem, ao ver uma alma tão pertinaz e ingrata para com Aquele que tantas mercês lhe tem feito; e quisera ter licença para...

CAPÍTULO 9. TRATA POR QUE MEIOS COMEÇOU O SENHOR A DESPERTAR A SUA ALMA E A ILUMINÁ-LA EM TÃO GRANDES TREVAS E A FORTALECER A SUA VIRTUDE PARA NÃO O OFENDER.

1. Andava pois já a minha alma cansada e, embora quisesse, não a deixavam descansar os ruins costumes que tinha. Aconteceu-me que, entrando eu um dia no oratório, vi uma imagem, que para ali trouxeram a guardar; tinham-na ido buscar para certa festa que se fazia na casa. Era a de Cristo muito...

CAPÍTULO 10. COMEÇA A DECLARAR AS MERCÊS QUE O SENHOR LHE FAZIA NA ORAÇÃO. COMO NOS PODEMOS AJUDAR E O MUITO QUE IMPORTA QUE ENTENDAMOS AS MERCÊS QUE O SENHOR NOS FAZ. PEDE A QUEM ENVIA ESTA RELAÇÃO DA SUA VIDA QUE FIQUE NO SEGREDO O QUE ESCREVER DAQUI EM

  1. Tinha eu algumas vezes, como já disse, embora com muita brevidade, o começo do que agora direi. Acontecia-me, nesta representação que eu me fazia de me pôr ao pé de Cristo - da qual já falei e até algumas vezes lendo, vir-me a desoras um tal sentimento da presença de Deus, que de nenhuma...

LIVRO DA VIDA CAP. 11 A 20

CAPÍTULO 11. DIZ A RAZÃO POR QUE NÃO SE AMA A DEUS COM PERFEIÇÃO EM BREVE TEMPO. COMEÇA A DECLARAR, POR UMA COMPARAÇÃO, QUATRO GRAUS DE ORAÇÃO. VAI TRATANDO AQUI DO PRIMEIRO. É MUITO PROVEITOSO PARA OS QUE COMEÇAM E PARA OS QUE NÃO TÊM GOSTOS NA ORAÇÃO.

1. Falando agora dos que começam a ser servos do amor - porquanto não me parece outra coisa o determinarmo-nos a seguir neste caminho da oração a Quem tanto nos amou - é uma dignidade tão grande que me regalo estranhamente em pensar nela; porque o temor servil logo desaparece se, neste primeiro...

CAPÍTULO 12. PROSSEGUE NO ASSUNTO DESTE PRIMEIRO GRAU DE ORAÇÃO. DIZ ATÉ ONDE PODEMOS CHEGAR, COM O FAVOR DE DEUS, E O DANO QUE HÁ EM QUERER ELEVAR O ESPÍRITO A COISAS SOBRENATURAIS, ATÉ QUE O SENHOR O FAÇA.

1. O que pretendi dar a entender no capítulo anterior - embora me tenha desviado muito em outras coisas, por me parecerem muito necessárias - foi dizer o que podemos por nós mesmos adquirir e como, nesta primeira devoção, nos podemos em certo modo ajudar a nós mesmos. É que, pensar e esquadrinhar o...

CAPÍTULO 13. CONTINUA A TRATAR DO PRIMEIRO GRAU DE ORAÇÃO E DÁ UNS CONSELHOS PARA ALGUMAS TENTAÇÕES QUE O DEMÓNIO APRESENTA ALGUMAS VEZES. É MUITO PROVEITOSO.

1. Parece-me bem falar de algumas tentações que tenho visto haver ao princípio -algumas tenho-as eu tido - e dar alguns avisos sobre coisas que julgo necessárias. Procure-se andar ao princípio com alegria e liberdade, porque há pessoas a quem parece que se lhes vai a devoção se se descuidam um...

CAPÍTULO 14. COMEÇA A DECLARAR O SEGUNDO GRAU DE ORAÇÃO QUE É O SENHOR JÁ FAZER SENTIR À ALMA GOSTOS MAIS PARTICULARES. DECLARA-O PARA FAZER VER COMO JÁ SÃO SOBRENATURAIS. É MUITO PARA SE TER EM CONTA.

1. Já fica dito com que trabalhos se rega este vergel e quão à força de braços, tirando a água do poço. Digamos agora o segundo modo de a tirar que o Senhor do horto ordenou para que, por meio de um torno e alcatruzes, o hortelão tirasse mais água e com menos trabalho e pudesse descansar sem estar...

CAPÍTULO 15. PROSSEGUE NA MESMA MATÉRIA E DÁ ALGUNS AVISOS SOBRE O MODO DE PROCEDER NA ORAÇÃO DE QUIETUDE. DIZ COMO HÁ MUITAS ALMAS QUE CHEGAM A TER ESTA ORAÇÃO E POUCAS AS QUE PASSAM ADIANTE. SÃO MUITO NECESSÁRIAS E PROVEITOSAS AS COISAS QUE AQUI SE DIZE

1. Voltemos agora ao assunto. Esta quietude e recolhimento de alma é coisa que se torna muito sensível pela satisfação e paz que infunde, com grandíssimo contentamento e sossego das potências, e muito suave deleite. Parece-lhe - como nunca chegou a mais - que nada lhe fica a desejar e de boa...

CAPÍTULO 16. TRATA DO TERCEIRO GRAU DE ORAÇÃO E VAI DECLARANDO COISAS MUITO ELEVADAS, E O QUE PODE A ALMA QUE AQUI CHEGA, E OS EFEITOS QUE FAZEM ESTAS MERCÊS TÃO GRANDES DO SENHOR. É MUITO PARA ELEVAR O ESPÍRITO EM LOUVORES A DEUS E PARA GRANDE CONSOLAÇÃO

1. Falemos agora da terceira água com que se rega esta horta: é a água corrente de rio ou de fonte, e rega-se com muito menos trabalho, embora algum dê o encaminhar a água. Quer aqui o Senhor ajudar o hortelão, de maneira que quase é Ele o jardineiro e quem faz tudo. É um sono das potências em que...

CAPÍTULO 17. PROSSEGUE NA MESMA MATÉRIA DESTE TERCEIRO GRAU DE ORAÇÃO. ACABA DE EXPOR OS EFEITOS QUE PRODUZ. DIZ O DANO AQUI CAUSADO PELA IMAGINAÇÃO E A MEMÓRIA.

1. Fica razoavelmente dito este modo de oração e o que há-de fazer a alma ou, para melhor dizer, o que nela faz Deus, pois é já Ele quem toma o ofício de hortelão e quer que ela folgue. A vontade só tem de consentir naquelas mercês que goza, e de se oferecer a tudo quanto nela quiser operar a...

CAPÍTULO 18. TRATA DO QUARTO GRAU DE ORAÇÃO. COMEÇA A DECLARAR, DE MODO EXCELENTE, A GRANDE DIGNIDADE A QUE O SENHOR ELEVA A ALMA QUE ESTÁ NESTE ESTADO. SERVE DE ESTÍMULO AOS QUE TRATAM DE ORAÇÃO PARA SE ESFORÇAREM A CHEGAR A TÃO ALTO ESTADO, POIS SE PODE

1. O Senhor me ensine palavras com que possa dizer alguma coisa sobre a quarta água. Bem preciso é o Seu favor, mais ainda de que para a anterior, na qual a alma ainda sente não estar morta de todo. E podemos assim dizer, pois embora o esteja ao mundo, tem, no entanto, - como já se disse - sentidos...

CAPÍTULO 19. PROSSEGUE NA MESMA MATÉRIA. COMEÇA A DECLARAR OS EFEITOS PRODUZIDOS NA ALMA, NESTE GRAU DE ORAÇÃO. ACONSELHA A QUE NÃO TORNEM ATRÁS NEM DEIXEM A ORAÇÃO, AINDA QUE, DEPOIS DESTA MERCÊ, TORNEM A CAIR. DIZ OS DANOS QUE HÁ EM NÃO SE FAZER ISTO. E

1. Fica a alma, desta oração e união, com uma grandíssima ternura, de maneira que se quereria desfazer, não de pena, senão de lágrimas de gozo. Encontra-se banhada delas sem sentir nem saber quando nem como as chorou; mas dá-lhe grande deleite ver aplacado aquele ímpeto de fogo com água que mais o...

CAPÍTULO 20. TRATA DA DIFERENÇA QUE HÁ ENTRE A UNIÃO E ARROUBAMENTO. DECLARA O QUE É ARROUBAMENTO E DIZ ALGUMA COISA SOBRE O BEM QUE EXISTE NA ALMA QUE O SENHOR, PELA SUA BONDADE, FAZ CHEGAR A ELE. ENUMERA OS EFEITOS QUE PRODUZ. É MUITO PARA ADMIRAR.

1. Quereria eu saber declarar, com o favor de Deus, a diferença que há a entre união e arroubamento. Arroubamento ou rapto ou o que chamam voo de espírito ou arrebatamento, é tudo o mesmo. Digo que estes diferentes nomes são tudo uma e mesma coisa e também se chama êxtase. É grande a vantagem que...

LIVRO DA VIDA CAP. 21 A 30

CAPÍTULO 21. PROSSEGUE E ACABA ESTE ÚLTIMO GRAU DE ORAÇÃO. DIZ O QUE A ALMA SENTE POR CONTINUAR A VIVER NO MUNDO; E COMO O SENHOR A ESCLARECE DOS ENGANOS DESTE MESMO MUNDO. TEM BOA DOUTRINA.

1. Pois acabando o que ia dizendo, digo que Deus não tem aqui necessidade do consentimento da alma; já Lho deu e sabe que voluntariamente se entregou em Suas mãos e que não O pode enganar, porque é sabedor de tudo. Não é como aqui, que toda a vida está cheia de enganos e falsidades. Quando pensais...