CHRISTIFIDELES LAICI
CHRISTIFIDELES LAICI
OPÇÃO DESTE SITE:

EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
PÓS-SINODAL
CHRISTIFIDELES LAICI
DE SUA SANTIDADE O PAPA
JOÃO PAULO II
SOBRE VOCAÇÃO E MISSÃO DOS LEIGOS
NA IGREJA E NO MUNDO
Aos Bispos
Aos Sacerdotes e aos diáconos
Aos religiosos e às religiosas
A todos os fiéis leigos
1. OS FIÉIS LEIGOS (Christifideles laici), cuja « vocação e missão na Igreja e no mundo a vinte anos do Concílio Vaticano II » foi tema do Sínodo dos Bispos de 1987, pertencem àquele Povo de Deus que é representado na imagem dos trabalhadores da vinha, de que fala o Evangelho de Mateus: « O Reino dos Céus é semelhante a um proprietário, que saiu muito cedo, a contratar trabalhadores para a sua vinha. Ajustou com eles um denário por dia e mandou-os para a vinha » (Mt 20, 1-2).
A parábola do Evangelho abre aos nossos olhos a imensa vinha do Senhor e a multidão de pessoas, homens e mulheres, que Ele chama e envia para trabalhar nela. A vinha é o mundo inteiro (cf. Mt 13, 8), que deve ser transformado segundo o plano de Deus em ordem ao advento definitivo do Reino de Deus.
IDE VÓS TAMBÉM PARA A MINHA VINHA
2. « Ao sair pelas nove horas da manhã, viu outros, que estavam ociosos, e disse-lhes: "Ide vós também para a minha vinha» » (Mt 20, 3-4).
O convite do Senhor Jesus « Ide vós também para a minha vinha » continua, desde esse longínquo dia, a fazer-se sentir ao longo da história: dirige-se a todo o homem que vem a este mundo.
Nos nossos dias, a Igreja do Concílio Vaticano II, numa renovada efusão do Espírito de Pentecostes, amadureceu uma consciência mais viva da sua natureza missionária e ouviu de novo a voz do seu Senhor que a envia ao mundo como « sacramento universal de salvação ».
Ide vós também. A chamada não diz respeito apenas aos Pastores, aos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, mas estende-se aos fiéis leigos: também os fiéis leigos são pessoalmente chamados pelo Senhor, de quem recebem uma missão para a Igreja e para o mundo. Lembra-o S. Gregório Magno que, ao pregar ao povo, comentava assim a parábola dos trabalhadores da vinha: « Considerai o vosso modo de viver, caríssimos irmãos, e vede se já sois trabalhadores do Senhor. Cada qual avalie o que faz e veja se trabalha na vinha do Senhor ».
De um modo especial o Concílio, com o seu riquíssimo património doutrinal, espiritual e pastoral, dedicou páginas maravilhosas à natureza, dignidade, espiritualidade, missão e responsabilidade dos fiéis leigos. E os Padres conciliares, feitos eco do chamamento de Cristo, convidaram todos os fiéis leigos, homens e mulheres, a trabalhar na Sua vinha: « O sagrado Concílio pede instantemente no Senhor a todos os leigos que respondam com decisão de vontade, ânimo generoso e disponibilidade de coração à voz de Cristo, que nesta hora os convida com maior insistência, e ao impulso do Espírito Santo. De modo particular os mais novos tomem como dirigido a si próprios este chamamento e recebam-no com alegria e magnanimidade. Com efeito, é o próprio Senhor que, por meio deste sagrado Concílio, mais uma vez convida todos os leigos a que se unam a Ele cada vez mais intimamente, e, sentindo como próprio o que é d'Ele (cf. Fil 2, 5), se associem à Sua missão salvadora. Ele quem de novo os envia a todas as cidades e lugares aonde Ele há-de chegar (cf. Lc 10, 1) ».
Ide vós também para a minha vinha. Mais uma vez estas palavras ecoaram espiritualmente durante a celebração do Sínodo dos Bispos, realizado em Roma de 1 a 30 de Outubro de 1987. Trilhando os caminhos do Concílio e abrindo-se à luz das experiências pessoais e comunitárias de toda a Igreja, os Padres, enriquecidos por Sínodos precedentes, abordaram de forma específica e ampla o tema: a vocação e a missão dos leigos na Igreja e no mundo.
Nessa Assembleia de Bispos esteve presente uma qualificada representação de fiéis leigos, homens e mulheres, que deram um precioso contributo aos trabalhos do Sínodo, como publicamente foi reconhecido na homilia de encerramento: « Demos graças pelo facto de no decorrer do Sínodo, pudemos, não só alegrar-nos pela participação dos leigos (auditores e auditrices) mas ainda mais porque o desenvolvimento dos debates sinodais nos permitiu escutar a voz dos convidados, os representantes do laicado, provenientes de todas as partes do mundo, dos diversos Países, e nos permitiu aproveitar as suas experiências, os seus conselhos, as sugestões que promanam do seu amor pela causa comum ».
De olhos postos no pós-Concílio, os Padres sinodais puderam constatar como o Espírito tem continuado a rejuvenescer a Igreja, suscitando novas energias de santidade e de participação em tantos fiéis leigos. Prova-o, entre outras coisas, o novo estilo de colaboração entre sacerdotes, religiosos e fiéis leigos; a participação activa na liturgia, no anúncio da Palavra de Deus e na catequese; a multiplicidade de serviços e de tarefas confiadas aos fiéis leigos e por eles assumidas; o radioso florescimento de grupos, associações e movimentos de espiritualidade e de empenhamento laicais; a participação cada vez maior e significativa das mulheres na vida da Igreja, e o progresso da sociedade.
Ao mesmo tempo, o Sínodo acentuou como o caminho pós-conciliar dos fiéis leigos não tem estado isento de dificuldades e de perigos. Em especial podem recordar-se duas tentações, de que nem sempre souberam desviar-se: a tentação de mostrar um exclusivo interesse pelos serviços e tarefas eclesiais, por forma a chegarem frequentemente a uma prática abdicação das suas responsabilidades específicas no mundo profissional, social, económico, cultural e político; e a tentação de legitimar a indevida separação entre a fé e a vida, entre a aceitação do Evangelho e a acção concreta nas mais variadas realidades temporais e terrenas.
Ao longo dos seus trabalhos, o Sínodo fez constante referência ao Concílio Vaticano II, cuja doutrina sobre o laicado, à distância de vinte anos, se revelou de surpreendente actualidade e, por vezes, de alcance profético: essa doutrina é capaz de iluminar e de guiar as respostas que hoje devem dar-se aos novos problemas. Com efeito, o desafio que os Padres sinodais aceitaram foi o de indicar os caminhos concretos para que a maravilhosa « teoria » sobre o laicado, expressa pelo Concílio, possa converter-se numa autêntica « praxe » eclesial. Há, pois, uma série de problemas que se impõem por uma sua certa « novidade », de tal forma que se podem chamar de pós-conciliares, ao menos em sentido cronológico: os Padres sinodais justamente lhes dedicaram especial atenção durante o seu debate e reflexão. Entre esses problemas contam-se os que se referem aos ministérios e aos serviços eclesiais confiados ou que deverão confiar-se aos fiéis leigos, a difusão e o crescimento de novos « movimentos » ao lado de outras formas agregativas de leigos, o lugar e a função da mulher tanto na Igreja como na sociedade.
Os Padres sinodais, no encerramento dos seus trabalhos, realizados com tanto empenho, competência e generosidade, manifestaram-me o desejo e fizeram-me o pedido de, na altura conveniente, oferecer a Igreja universal um documento conclusivo sobre os fiéis leigos.
Esta Exortação Apostólica pós-sinodal pretende valorizar toda a riqueza dos trabalhos sinodais, desde os Lineamenta ao Instrumentum laboris, desde a relação introdutória às intervenções de cada Bispo e de cada leigo, à relação de síntese após o debate em aula, desde os debates e relações dos « círculos menores » às « proposições » finais. Assim, o presente documento não se situa paralelamente ao Sínodo, mas constitui a sua fiel e coerente expressão, é o fruto de um trabalho colegial para cujo resultado final contribuíram o Conselho de Secretaria do Sínodo e a própria Secretaria.
Criar e alimentar uma tomada de consciência mais decidida do dom e da responsabilidade que todos os fiéis leigos, e cada um deles em particular, têm na comunhão e na missão da Igreja é o objectivo que se propõe a presente Exortação.
AS URGÊNCIAS ACTUAIS DO MUNDO: PORQUE ESTAIS AQUI O DIA INTEIRO INACTIVOS?
3. O significado fundamental deste Sínodo e, consequentemente, o seu fruto mais precioso, é que os fiéis leigos escutem o chamamento de Cristo para trabalharem na Sua vinha, para tomar parte viva, consciente e responsável na missão da Igreja, nesta hora magnífica e dramática da história, no limiar do terceiro milénio.
Novas situações, tanto eclesiais como sociais, económicas, políticas e culturais, reclamam hoje, com uma força toda particular, a acção dos fiéis leigos. Se o desinteresse foi sempre inaceitável, o tempo presente torna-o ainda mais culpável. Não é lícito a ninguém ficar inactivo.
Retomemos a leitura da parábola evangélica: « Ao sair novamente pelas cinco horas, encontrou outros que ali estavam e disse-lhes: "Porque ficais aqui o dia inteiro inactivos?" Eles responderam-lhe: "Porque ninguém nos contratou". Disse-lhes ele: "Ide vós também para a minha vinha" » (Mt 20, 6-7).
Não há lugar para o ócio, uma vez que é tanto o trabalho que a todos espera na vinha do Senhor. O proprietário insiste ainda mais no seu convite: « Ide vós também para a minha vinha ».
A voz do Senhor ressoa sem dúvida no íntimo do próprio ser de cada cristão, que, graças à fé e aos sacramentos da iniciação cristã, torna-se imagem de Jesus Cristo, insere-se na Igreja como seu membro vivo e é sujeito activo da sua missão de salvação. A voz do Senhor, porém, também se faz sentir através dos acontecimentos históricos da Igreja e da humanidade, como nos lembra o Concílio: « O Povo de Deus, movido pela fé com que acredita ser conduzido pelo Espírito do Senhor, o qual enche o universo, esforça-se por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, que compartilha juntamente com os homens de hoje, quais são os verdadeiros sinais da presença e do desígnio de Deus. Pois a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova, e faz conhecer o desígnio divino acerca da vocação integral do homem e, dessa forma, orienta o espírito para soluções plenamente humanas ».
Temos pois de encarar de frente este nosso mundo, com os seus valores e problemas, as suas ânsias e esperanças, as suas conquistas e fracassos: um mundo, cujas situações económicas, sociais, políticas e culturais, apresentam problemas e dificuldades mais graves do que o que foi descrito pelo Concílio na Constituição pastoral Gaudium et spes. é esta, todavia, a vinha, é este o campo no qual os fiéis leigos são chamados a viver a sua missão. Jesus quer que eles, como todos os Seus discípulos, sejam sal da terra e luz do mundo (cfr. Mt 5, 13-14). Mas qual é o rosto actual da « terra » e do « mundo », de que os cristãos devem ser « sal » e « luz »?
É deveras grande a diversidade das situações e das problemáticas que existem hoje no mundo, aliás caracterizadas por uma aceleração crescente de mudança. Por isso, é absolutamente necessário precaver-se contra generalizações e simplificações indevidas. Podem, todavia, individuar-se algumas linhas de tendência que emergem na sociedade actual. Como crescem juntos no campo evangélico o joio e o bom trigo, assim na história, teatro quotidiano de uma prática, muitas vezes contraditória, da liberdade humana, encontram-se, lado a lado, por vezes profundamente emaranhados entre si, o mal e o bem, a injustiça e a justiça, a angústia e a esperança.
SECULARISMO E NECESSIDADE RELIGIOSA
4. Como não pensar na persistente difusão do indiferentismo religioso e do ateísmo nas suas mais variadas formas, particularmente naquela que hoje talvez é a mais espalhada, a do secularismo? Embriagado pelas conquistas prodigiosas de um progresso científico-técnico e, sobretudo, fascinado pela mais antiga e sempre nova tentação de querer tornar-se como Deus (cfr. Gn 3, 5), através do uso de uma liberdade sem limites, o homem corta as raízes religiosas que mergulham no seu coração: esquece-se de Deus, considera-O vazio de significado para a sua existência, recusa-O, prostrando-se em adoração diante dos mais diversos « ídolos ».
É verdadeiramente grave o fenómeno actual do secularismo: não atinge apenas os indivíduos, mas, de certa forma, comunidades inteiras, como já observava o Concílio: « Multidões cada vez maiores praticamente se separam da religião ». Repetidas vezes eu mesmo recordei o fenómeno da descristianização que atinge os povos cristãos de velha data e que exige, sem mais delongas, uma nova evangelização.
E, todavia, a aspiração e a necessidade religiosas não poderão extinguir-se de todo. A consciência de cada homem, quando tem a coragem de encarar as interrogações mais sérias da existência humana, especialmente a do sentido do viver, do sofrer e do morrer, não pode deixar de fazer sua a palavra de verdade que Santo Agostinho gritou: « Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração inquieta-se enquanto não descansar em Ti ». O mesmo mundo de hoje também o atesta, manifestando de formas cada vez mais amplas e vivas a abertura para uma visão espiritual e transcendente da vida, o despertar da procura religiosa, o regresso ao sentido do sagrado e à oração, a exigência de liberdade na invocação do Nome do Senhor.
A PESSOA HUMANA: DIGNIDADE ESPEZINHADA E EXALTADA
5. Pensemos também nas múltiplas violações a que hoje é submetida a pessoa humana. O ser humano, quando não é visto e amado na sua dignidade de imagem viva de Deus (cfr. Gn 1, 26), fica exposto às mais humilhantes e aberrantes formas de « instrumentalização », que o tornam miseravelmente escravo do mais forte. E o « mais forte » pode revestir-se dos mais variados nomes: ideologia, poder económico, sistemas políticos desumanos, tecnocracia científica, invasão dos « mass-média ». Mais uma vez nos encontramos diante de multidões de pessoas, nossos irmãos e irmãs, cujos direitos fundamentais são violados, também em nome de uma excessiva tolerância e até da clara injustiça de certas leis civis: o direito à vida e à integridade, o direito à casa e ao trabalho, o direito à família e à procriação responsável, o direito de participar na vida pública e política, o direito à liberdade de consciência e de profissão de fé religiosa.
Quem poderá contar as crianças não nascidas por terem sido mortas no seio das suas mães, as crianças abandonadas e maltratadas pelos próprios pais, as crianças que crescem sem afecto e sem educação? Em certos países populações inteiras são despojadas de casa e de trabalho, faltam-lhes os meios absolutamente indispensáveis para levar uma vida digna de seres humanos, e são privadas até do necessário para a sua subsistência. Enormes manchas de pobreza e de miséria, ao mesmo tempo física e moral, erguem-se ao lado das grandes metrópoles e ferem de morte grupos humanos inteiros.
Mas o carácter sagrado da pessoa não pode ser anulado, embora muitas vezes seja desprezado e violado: tendo o seu fundamento inabalável em Deus Criador e Pai, o carácter sagrado da pessoa volta a afirmar-se, de novo e sempre.
Daí, a difusão cada vez mais vasta e a afirmação cada vez mais vigorosa do sentido da dignidade pessoal de todo o ser humano. Uma corrente benéfica já alastra e permeia todos os povos da terra, tornando-os cada vez mais conscientes da dignidade do homem: ele não pode ser uma « coisa » ou um « objecto », de que nos servimos, mas é sempre e apenas um « sujeito », dotado de consciência e de liberdade, chamado a viver de forma responsável na sociedade e na história, orientado para os valores espirituais e religiosos.
Tem-se dito que o nosso é o tempo dos « humanismos »: uns, pela sua matriz ateia e secularista, acabam paradoxalmente por mortificar e anular o homem; outros humanismos, invés, exaltam-no até ao ponto de atingirem formas de verdadeira e própria idolatria, outros, enfim, reconhecem justamente a grandeza e a miséria do homem, exprimindo, defendendo e favorecendo a sua dignidade integral.
Sinal e fruto destas correntes humanistas é a crescente necessidade da participação. Sem dúvida, este é um dos traços característicos da humanidade de hoje, um autêntico « sinal dos tempos » que está a amadurecer em diversos campos e em diversas direcções: no campo, sobretudo, das mulheres e do mundo dos jovens e na direcção da vida, não só familiar e escolar, mas também cultural, económica, social e política. Tornar-se protagonistas e, em certa medida, criadores de uma nova cultura humanista, é uma exigência ao mesmo tempo universal e individual.
CONFLITUOSIDADE E PAZ
6. Não se pode, por fim, esquecer um outro fenómeno que caracteriza a humanidade actual: talvez como nunca na sua história, a humanidade é todos os dias profundamente ferida e dilacerada pela conflituosidade. Trata-se de um fenómeno pluriforme, que se distingue do pluralismo legítimo das mentalidades e das iniciativas e que se manifesta na infeliz contraposição das pessoas, dos grupos, categorias, nações e blocos de nações. É uma contraposição que assume formas de violência, de terrorismo, de guerra. Mais uma vez, mas em proporções imensamente ampliadas, diversos sectores da humanidade actual, querendo demonstrar a sua « omnipotência », renovam a insensata experiência da construção da « torre de Babel » (cfr. Gn 11, 1-9), a qual, porém, gera confusão, luta, desagregação e opressão. E a família humana é assim dramaticamente desarticulada e dilacerada no seu seio.
Por outro lado, não se pode suprimir de modo algum a aspiração dos indivíduos e dos povos ao inestimável bem da paz na justiça. A bem-aventurança evangélica: « Bem-aventurados os construtores da paz » (Mt 5, 9) encontra nos homens do nosso tempo um novo e significativo eco: hoje populações inteiras vivem, sofrem e trabalham para conseguir a paz e a justiça. A participação de tantas pessoas e grupos na vida da sociedade é o caminho que hoje mais se percorre para que a paz se torne de desejo em realidade. Neste caminho encontramos tantos fiéis leigos generosamente empenhados no campo social e político, nas mais variadas formas, tanto institucionais como de voluntariado e de serviço aos últimos.
JESUS CRISTO, A ESPERANÇA DA HUMANIDADE
7. Este é o vasto e atribulado campo que se depara aos trabalhadores que o proprietário mandou trabalhar na sua vinha.
Neste campo está presente e operante a Igreja, todos nós, pastores e fiéis, sacerdotes, religiosos e leigos. As situações que foram aqui recordadas atingem profundamente a Igreja: esta, em parte, é condicionada por elas, embora não esmagada nem tão pouco vencida, pois o Espírito Santo, que é a sua alma, a conforta na sua missão.
A Igreja sabe que todos os esforços que a humanidade está a envidar em favor da comunhão e da participação, não obstante todas as dificuldades, atrasos e contradições devidas às limitações humanas, ao pecado e ao Maligno, têm plena resposta na acção de Jesus Cristo, Redentor do homem e do mundo.
A Igreja sabe que foi mandada por Ele como « sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano ».
Apesar de tudo, portanto, a humanidade pode ter esperança e deve ter esperança: o Evangelho vivo e pessoal, Jesus Cristo em pessoa, é a « notícia » nova e portadora de alegria que a Igreja cada dia anuncia e testemunha a todos os homens.
Neste anúncio e neste testemunho os fiéis leigos têm um lugar original e insubstituível: por meio deles a Igreja de Cristo torna-se presente nos mais diversos sectores do mundo, como sinal e fonte de esperança e de amor.
CHRISTIFIDELES LAICI´
CAPÍTULO I EU SOU A VIDEIRA E VÓS OS RAMOS
CAPÍTULO II TODOS RAMOS DA ÚNICA VIDEIRA
CAPÍTULO III CONSTITUÍ-VOS PARA IRDES E DARDES FRUTO
CAPÍTULO IV OS TRABALHADORES DA VINHA DO SENHOR
CAPÍTULO V PARA QUE DEIS MAIS FRUTO
64. Ao concluir este documento pós-sinodal, lanço, uma vez mais, o convite do « proprietário », de que nos fala o Evangelho: Ide vós também para a minha vinha. Pode dizer-se que o significado do Sínodo sobre a vocação e a missão dos leigos está mesmo neste apelo que o Senhor Jesus faz a todos, em especial aos fiéis leigos, homens e mulheres.
Os trabalhos sinodais constituíram para todos os que neles participaram uma grande experiência espiritual: a de uma Igreja atenta, na luz e na força do Espírito, em discernir e acolher o renovado apelo do seu Senhor, no sentido de novamente propor ao mundo de hoje o mistério da Sua comunhão e o dinamismo da Sua missão de salvação, em particular, descobrindo o lugar e o papel específicos dos fiéis leigos. O fruto, portanto, do Sínodo, que esta Exortação pretende conseguir que seja o mais abundante possível em todas as Igrejas espalhadas pele mundo, será dado pela efectiva aceitação que o apelo do Senhor receber por parte de todo o Povo de Deus e, nele, por parte dos fiéis leigos.
Por isso, dirijo a todos e a cada um, pastores e fiéis, a vivíssima exortação de que nunca se cansem em manter desperta, antes, enraízem cada vez mais na mente, no coração e na vida a consciência eclesial, isto é, a consciência de serem membros da Igreja de Jesus Cristo, participantes no seu mistério de comunhão e na sua energia apostólica e missionária.
É de particular importância que todos os cristãos tenham consciência da dignidade extraordinária que lhes foi conferida no santo Baptismo: pela graça somos chamados a tornarmo-nos filhos amados do Pai, membros incorporados em Jesus Cristo e na Sua Igreja, templos vivos e santos do Espírito. Ouçamos de novo, com comoção e gratidão, as palavras de João Evangelista: « Com que amor nos amou o Pai, ao querer que fôssemos chamados filhos de Deus. E, de facto, somo-lo » (1 Jo 3, 1).
Esta « novidade cristã » dada aos membros da Igreja, ao constituir para todos a raiz da sua participação no múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e da sua vocação à santidade no amor, exprime-se e realiza-se nos fiéis leigos segundo « a índole secular » que lhes é própria e peculiar.
A consciência eclesial comporta, juntamente com o sentido da comum dignidade cristã, o sentido de pertencer ao mistério da Igreja-Comunhão: este é um aspecto fundamental e decisivo para a vida e para a missão da Igreja. A fervorosa oração de Jesus na última ceia: « Ut unum sint! » deve tornar-se, todos os dias, para todos e para cada qual, um exigente programa de vida e de acção, a que não se pode renunciar.
O sentido vivo da comunhão eclesial, dom do Espírito que pede a nossa resposta livre, terá como seu fruto precioso a valorização harmónica na Igreja « una e católica » da rica variedade das vocações e condições de vida, dos carismas, dos ministérios e das tarefas e responsabilidades, como também uma mais convicta e decidida colaboração dos grupos, associações e movimentos de fiéis leigos no cumprimento solidário da comum missão salvífica da própria Igreja. Esta comunhão é já, em si mesma, o primeiro grande sentido da presença de Cristo Salvador no mundo e, ao mesmo tempo, favorece e estimula a directa acção apostólica e missionária da Igreja.
As portas do terceiro milénio, toda a Igreja, pastores e fiéis, deve sentir mais forte a sua responsabilidade em obedecer à ordem de Cristo: « Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura » (Mc 16, 15), renovando o seu impulso missionário. Uma grande, empenhativa e magnifica tarefa é confiada à Igreja: a de uma nova evangelização, de que o mundo actual tem tanta necessidade. Os fiéis leigos devem sentir-se parte viva e responsável desta tarefa, chamados como são a anunciar e a viver o Evangelho ao serviço dos valores e das exigências da pessoa e da sociedade.
O Sínodo dos Bispos, celebrado no mês de Outubro, durante o Ano Mariano, confiou os seus trabalhos, de modo muito especial, à intercessão de Maria Santíssima, Mãe do Redentor. Agora, confio a essa mesma intercessão a fecundidade espiritual dos frutos do Sínodo. A Virgem me dirijo no fim deste documento pós-sinodal, em união com os Padres e os fiéis leigos presentes no Sínodo e com todos os outros membros do Povo de Deus. O apelo torna-se oração.
Ó Virgem santíssima,
Mãe de Cristo e Mãe da Igreja,
com alegria e admiração
nos unimos ao teu Magnificat,
ao teu canto de amor reconhecido.
Contigo damos graças a Deus,
« cuja misericórdia se estende
de geração em geração »,
pela maravilhosa vocação
e pela multiforme missão
dos fiéis leigos,
que Deus chamou pelo seu nome
para viverem em comunhão de amor
e de santidade com Ele
e para estarem fraternamente unidos
na grande família dos filhos de Deus,
enviados a irradiar a luz de Cristo
e a comunicar o fogo do Espírito,
em todo o mundo,
por meio da sua vida evangélica.
Virgem do Magnificat,
enche os seus corações
de gratidão e de entusiasmo
por essa vocação e para essa missão.
Tu que foste,
com humildade e magnanimidade,
« a serva do Senhor »,
dá-nos a tua mesma disponibilidade
para o serviço de Deus
e a salvação do mundo.
Abre os nossos corações
às imensas perspectivas
do Reino de Deus
e do anúncio do Evangelho
a toda a criatura.
No teu coração de mãe
estão presentes os tantos perigos
e os muitos males
que esmagam os homens e as mulheres
do nosso tempo.
Mas, estão presentes também
as tantas iniciativas de bem,
as grandes aspirações aos valores,
os progressos feitos
em dar abundantes frutos de salvação.
Virgem corajosa,
inspira-nos força de ânimo
e confiança em Deus,
para que saibamos vencer
todos os obstáculos que encontramos
no cumprimento da nossa missão.
Ensina-nos a tratar as realidades do mundo
com vivo sentido de responsabilidade cristã
e na alegre esperança
da vinda do Reino de Deus,
dos novos céus e da nova terra.
Tu que estiveste no Cenáculo
com os Apóstolos em oração,
à espera da vinda do Espírito de Pentecostes,
invoca a Sua renovada efusão
sobre todos os fiéis leigos, homens e mulheres,
para que correspondam plenamente
à sua vocação e missão,
como vides da « verdadeira videira »,
chamados a dar « muito fruto »
para a vida do mundo.
Virgem Mãe,
guia-nos e apoia-nos para vivermos sempre
como autênticos filhos e filhas
da Igreja do teu Filho
e podermos contribuir para a implantação
da civilização da verdade e do amor sobre a terra,
segundo o desejo de Deus
e para a Sua glória.
Amén.
Dado em Roma, junto de S. Pedro, em 30 de Dezembro, Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José, do Ano de 1988, décimo primeiro do meu Pontificado.
JOÃO PAULO II