1. O DIÁLOGO SOBRE O MEIO AMBIENTE NA POLÍTICA INTERNACIONAL

1. O DIÁLOGO SOBRE O MEIO AMBIENTE NA POLÍTICA INTERNACIONAL

164. Desde meados do século passado e superando muitas dificuldades, foi-se consolidando a tendência de conceber o planeta como pátria e a humanidade como povo que habita uma casa comum. Um mundo interdependente não significa unicamente compreender que as consequências danosas dos estilos de vida, produção e consumo afectam a todos, mas principalmente procurar que as soluções sejam propostas a partir duma perspectiva global e não apenas para defesa dos interesses de alguns países. A interdependência obriga-nos a pensar num único mundo, num projecto comum. Mas, a mesma inteligência que foi utilizada para um enorme desenvolvimento tecnológico não consegue encontrar formas eficazes de gestão internacional para resolver as graves dificuldades ambientais e sociais. Para enfrentar os problemas de fundo, que não se podem resolver com acções de países isolados, torna-se indispensável um consenso mundial que leve, por exemplo, a programar uma agricultura sustentável e diversificada, desenvolver formas de energia renováveis e pouco poluidoras, fomentar uma maior eficiência energética, promover uma gestão mais adequada dos recursos florestais e marinhos, garantir a todos o acesso à água potável.

 

165. Sabemos que a tecnologia baseada nos combustíveis fósseis – altamente poluentes, sobretudo o carvão mas também o petróleo e, em menor medida, o gás – deve ser, progressivamente e sem demora, substituída. Enquanto aguardamos por um amplo desenvolvimento das energias renováveis, que já deveria ter começado, é legítimo optar pela alternativa menos danosa ou recorrer a soluções transitórias. Todavia, na comunidade internacional, não se consegue suficiente acordo sobre a responsabilidade de quem deve suportar os maiores custos da transição energética. Nas últimas décadas, as questões ambientais deram origem a um amplo debate público, que fez crescer na sociedade civil espaços de notável compromisso e generosa dedicação. A política e a indústria reagem com lentidão, longe de estar à altura dos desafios mundiais. Neste sentido, pode-se dizer que, enquanto a humanidade do período pós-industrial talvez fique recordada como uma das mais irresponsáveis da história, espera-se que a humanidade dos inícios do século XXI possa ser lembrada por ter assumido com generosidade as suas graves responsabilidades.

 

166. O movimento ecológico mundial já percorreu um longo caminho, enriquecido pelo esforço de muitas organizações da sociedade civil. Não seria possível mencioná-las todas aqui, nem repassar a história das suas contribuições. Mas, graças a tanta dedicação, as questões ambientais têm estado cada vez mais presentes na agenda pública e tornaram-se um convite permanente a pensar a longo prazo. Apesar disso, as cimeiras mundiais sobre o meio ambiente dos últimos anos não corresponderam às expectativas, porque não alcançaram, por falta de decisão política, acordos ambientais globais realmente significativos e eficazes.

 

167. Dentre elas, há que recordar a Cimeira da Terra, celebrada em 1992 no Rio de Janeiro. Lá se proclamou que «os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável». Retomando alguns conteúdos da Declaração de Estocolmo (1972), sancionou, entre outras coisas, a cooperação internacional no cuidado do ecossistema de toda a terra, a obrigação de quem contaminar assumir economicamente os custos derivados, o dever de avaliar o impacto ambiental de toda e qualquer obra ou projecto. Propôs o objectivo de estabilizar as concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera para inverter a tendência do aquecimento global. Também elaborou uma agenda com um programa de acção e uma convenção sobre biodiversidade, declarou princípios em matéria florestal. Embora tal cimeira marcasse um passo em frente e fosse verdadeiramente profética para a sua época, os acordos tiveram um baixo nível de implementação, porque não se estabeleceram adequados mecanismos de controle, revisão periódica e sanção das violações. Os princípios enunciados continuam a requerer caminhos eficazes e ágeis de realização prática.

 

168. Como experiências positivas, pode-se mencionar, por exemplo, a Convenção de Basileia sobre os resíduos perigosos, com um sistema de notificação, níveis estipulados e controles, e também a Convenção vinculante sobre o comércio internacional das espécies da fauna e da flora selvagens ameaçadas de extinção, que prevê missões de verificação do seu efectivo cumprimento. Graças à Convenção de Viena para a protecção da camada de ozono e a respectiva implementação através do Protocolo de Montreal e as suas emendas, o problema da diminuição da referida camada parece ter entrado numa fase de solução.

 

169. No cuidado da biodiversidade e no contraste à desertificação, os avanços foram muito menos significativos. Relativamente às mudanças climáticas, os progressos são, infelizmente, muito escassos. A redução de gases com efeito de estufa requer honestidade, coragem e responsabilidade, sobretudo dos países mais poderosos e mais poluentes. A Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, chamada Rio+20 (Rio de Janeiro 2012), emitiu uma Declaração Final extensa mas ineficaz. As negociações internacionais não podem avançar significativamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global. Aqueles que hão-de sofrer as consequências que tentamos dissimular, recordarão esta falta de consciência e de responsabilidade. Durante o período de elaboração desta encíclica, o debate adquiriu particular intensidade. Nós, crentes, não podemos deixar de rezar a Deus pela evolução positiva nos debates actuais, para que as gerações futuras não sofram as consequências de demoras imprudentes.

 

170. Algumas das estratégias para a baixa emissão de gases poluentes apostam na internacionalização dos custos ambientais, com o perigo de impor aos países de menores recursos pesados compromissos de redução de emissões comparáveis aos dos países mais industrializados. A imposição destas medidas penaliza os países mais necessitados de desenvolvimento. Assim, acrescenta-se uma nova injustiça sob a capa do cuidado do meio ambiente. Como sempre, a corda quebra pelo ponto mais fraco. Uma vez que os efeitos das mudanças climáticas se farão sentir durante muito tempo, mesmo que agora sejam tomadas medidas rigorosas, alguns países com escassos recursos precisarão de ajuda para se adaptar a efeitos que já estão a produzir-se e afectam as suas economias. É verdade que há responsabilidades comuns, mas diferenciadas, pelo simples motivo – como disseram os bispos da Bolívia – que «os países que foram beneficiados por um alto grau de industrialização, à custa duma enorme emissão de gases com efeito de estufa, têm maior responsabilidade em contribuir para a solução dos problemas que causaram».

 

171. A estratégia de compra-venda de «créditos de emissão» pode levar a uma nova forma de especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes. Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência dum certo compromisso com o meio ambiente, mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias. Pelo contrário, pode tornar-se um diversivo que permite sustentar o consumo excessivo de alguns países e sectores.

 

172. Para os países pobres, as prioridades devem ser a erradicação da miséria e o desenvolvimento social dos seus habitantes; ao mesmo tempo devem examinar o nível escandaloso de consumo de alguns sectores privilegiados da sua população e contrastar melhor a corrupção. Sem dúvida, devem também desenvolver formas menos poluentes de produção de energia, mas para isso precisam de contar com a ajuda dos países que cresceram muito à custa da actual poluição do planeta. O aproveitamento directo da energia solar, tão abundante, exige que se estabeleçam mecanismos e subsídios tais, que os países em vias de desenvolvimento possam ter acesso à transferência de tecnologias, assistência técnica e recursos financeiros, mas sempre prestando atenção às condições concretas, pois «nem sempre se avalia adequadamente a compatibilidade dos sistemas com o contexto para o qual são projectados». Os custos seriam baixos se comparados com os riscos das mudanças climáticas. Em todo o caso, trata-se primariamente duma decisão ética, fundada na solidariedade de todos os povos.

 

173. Urgem acordos internacionais que se cumpram, dada a escassa capacidade das instâncias locais para intervirem de maneira eficaz. As relações entre os Estados devem salvaguardar a soberania de cada um, mas também estabelecer caminhos consensuais para evitar catástrofes locais que acabariam por danificar a todos. São necessários padrões reguladores globais que imponham obrigações e impeçam acções inaceitáveis, como o facto de empresas ou países poderosos descarregarem, sobre outros países, resíduos e indústrias altamente poluentes.

 

174. Mencionemos também o sistema de governança dos oceanos. Com efeito, embora tenha havido várias convenções internacionais e regionais, a fragmentação e a falta de severos mecanismos de regulamentação, controle e sanção acabam por minar todos os esforços. O problema crescente dos resíduos marinhos e da protecção das áreas marinhas para além das fronteiras nacionais continua a representar um desafio especial. Em definitivo, precisamos de um acordo sobre os regimes de governança para toda a gama dos chamados bens comuns globais.

 

175. A lógica que dificulta a tomada de decisões drásticas para inverter a tendência ao aquecimento global é a mesma que não permite cumprir o objectivo de erradicar a pobreza. Precisamos duma reacção global mais responsável, que implique enfrentar, contemporaneamente, a redução da poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres. O século XXI, mantendo um sistema de governança próprio de épocas passadas, assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais, sobretudo porque a dimensão económico-financeira, de carácter transnacional, tende a prevalecer sobre a política. Neste contexto, torna-se indispensável a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre os governos nacionais e dotadas de poder de sancionar. Como afirmou Bento XVI, na linha desenvolvida até agora pela doutrina social da Igreja, «para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e consequentes maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, [São] João XXIII». Nesta perspectiva, a diplomacia adquire uma importância inédita, chamada a promover estratégias internacionais para prevenir os problemas mais graves que acabam por afectar a todos.

 

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