3.1. A NOVA ERA COMO ESPIRITUALIDADE
Os defensores da Nova Era a definem como uma "nova espiritualidade". Parece irônico chamá-la de "nova" quando tantas ideias são emprestadas de religiões e culturas antigas. O que é verdadeiramente novo na Nova Era é a busca consciente por uma alternativa à cultura ocidental e suas raízes religiosas judaico-cristãs. "Espiritualidade", nesse sentido, indica a experiência interior de harmonia e unidade com a totalidade da realidade, que cura os sentimentos de imperfeição e finitude em cada ser humano. As pessoas descobrem sua profunda conexão com a força ou energia universal sagrada que constitui o núcleo de toda a vida. Ao fazerem essa descoberta, podem embarcar no caminho da perfeição, que lhes permitirá ordenar suas vidas e seu relacionamento com o mundo, e ocupar seu próprio lugar no processo universal de devir e na Nova Gênese de um mundo em constante evolução. O resultado é um misticismo cósmico baseado na consciência de um universo repleto de energias dinâmicas. Assim, energia cósmica, vibração, luz, Deus, amor – até mesmo o Ser Supremo – todos se referem à mesma e única realidade, a fonte primária presente em cada ser.
Essa espiritualidade consiste em dois elementos distintos: um metafísico e outro psicológico. O componente metafísico deriva das raízes esotéricas e teosóficas da Nova Era e é essencialmente uma nova forma de gnose. O acesso ao divino é alcançado através do conhecimento de mistérios ocultos, na busca individual pelo “real por trás do que é apenas aparente, a origem além do tempo, o transcendente além do meramente fugaz, a tradição primordial por trás da tradição meramente efêmera, o outro por trás do eu, a divindade cósmica por trás do indivíduo encarnado”. A espiritualidade esotérica “é uma investigação do Ser além da separação dos seres, uma espécie de anseio pela unidade perdida”.
“Aqui se pode ver a matriz gnóstica da espiritualidade esotérica. Isso é palpável quando os filhos de Aquário buscam a Unidade Transcendente das religiões. Eles tendem a escolher, dentre as religiões históricas, apenas o núcleo esotérico, do qual afirmam ser guardiões. De certa forma, negam a história e não aceitam que a espiritualidade possa ter suas raízes no tempo ou em qualquer instituição. Jesus de Nazaré não é Deus, mas uma das muitas manifestações do Cristo cósmico e universal.”
A componente psicológica deste tipo de espiritualidade deriva do encontro entre a cultura esotérica e a psicologia (cf. 2.3.2). A Nova Era torna-se, assim, uma experiência de transformação psicoespiritual pessoal, vista como análoga a uma experiência religiosa que se segue a uma crise pessoal ou a uma longa jornada espiritual. Para outros, surge do uso da meditação ou de alguma forma de terapia, ou de experiências paranormais que alteram os estados de consciência e proporcionam uma compreensão da unidade da realidade.
3.2. NARCISISMO ESPIRITUAL?
Diversos autores consideram a espiritualidade da Nova Era como uma forma de narcisismo espiritual ou pseudomisticismo. Curiosamente, essa crítica foi expressa até mesmo por David Spangler, uma figura proeminente da Nova Era, que em seus trabalhos posteriores se distanciou dos aspectos mais esotéricos dessa escola de pensamento.
Spangler escreveu que, nas formas mais populares da Nova Era , “indivíduos e grupos vivenciam suas próprias fantasias de aventura e poder, geralmente de maneira oculta ou milenar… A principal característica desse nível é a adesão a um mundo privado de gratificação do ego e o consequente afastamento (embora nem sempre óbvio) do mundo. Nesse nível, a Nova Era foi povoada por seres estranhos e exóticos, professores, adeptos, extraterrestres. É um lugar de poderes psíquicos e mistérios ocultos, de conspirações e ensinamentos secretos.”
Em uma obra posterior, David Spangler lista o que considera elementos negativos ou “sombras” da Nova Era: “alienação do passado em nome do futuro; apego à novidade por si só…; indiscriminação e falta de discernimento em nome da totalidade e da comunhão, daí a incapacidade de compreender ou respeitar o papel dos limites…; confusão de fenômenos psíquicos com sabedoria, de ‘canalização’ (ver Glossário) com espiritualidade, da perspectiva da Nova Era com a verdade última.” Mas, no fim, Spangler está convencido de que esse narcisismo egoísta e irracional se limita a apenas alguns membros. Os aspectos positivos que ele enfatiza são o papel da Nova Era como uma imagem de mudança e como uma encarnação do sagrado, um movimento no qual a maioria das pessoas são “grandes buscadoras da verdade”, trabalhando para o benefício da vida e do crescimento interior.
David Toolan, um jesuíta americano que passou vários anos imerso no movimento Nova Era, analisa o aspecto comercial de muitos produtos e terapias que ostentam o rótulo Nova Era . Ele observa que os seguidores da Nova Era descobriram a vida interior e estão fascinados pela perspectiva de serem responsáveis pelo mundo, mas que também são facilmente dominados por uma tendência ao individualismo e à visão de tudo como mercadoria. Nesse sentido, embora não seja cristã, a espiritualidade da Nova Era também não é budista, já que não envolve a autonegação. O sonho da união mística parece levar, na prática, a uma união meramente virtual que, em última análise, deixa as pessoas ainda mais sozinhas e insatisfeitas.
3.3. O CRISTO CÓSMICO
Nos primórdios do cristianismo, os crentes em Jesus Cristo foram forçados a confrontar as religiões gnósticas. Eles não as ignoraram, mas sim abraçaram o desafio e aplicaram ao próprio Cristo os termos usados para divindades cósmicas. O exemplo mais claro é o famoso hino a Cristo na carta de São Paulo aos Colossenses:
“Ele [Cristo] é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação.
Pois nele foram criadas todas as coisas
nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam
tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades;
tudo foi criado por ele e para ele.
Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste.
Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja;
é o princípio, o primogênito dentre os mortos,
para que em tudo tenha a supremacia.
Porque aprouve a Deus que nele habitasse toda a plenitude, e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz ,
por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas,
tanto as que estão na terra como as que estão nos céus ” ( Colossenses 1:15-20).
Aqueles primeiros cristãos não esperavam a chegada de uma nova era cósmica. O que eles celebravam com esse hino era que a plenitude de todas as coisas havia começado em Cristo. “Na realidade, o tempo se cumpriu pelo próprio fato de Deus, por meio da Encarnação, ter entrado na história humana. A eternidade entrou no tempo: que ‘cumprimento’ maior poderia haver? Que outro ‘cumprimento’ poderia haver?” A crença gnóstica em forças cósmicas e em uma espécie de destino sombrio elimina a possibilidade de um relacionamento com o Deus pessoal revelado em Cristo. Para os cristãos, o verdadeiro Cristo cósmico é aquele que está ativamente presente nos vários membros de seu corpo, que é a Igreja. Eles não olham para forças cósmicas impessoais, mas para o amor afetuoso de um Deus pessoal. Para eles, o biocentrismo cósmico deve ser transferido para um conjunto de relações sociais (na Igreja). E eles não se limitam a um esquema cíclico de eventos cósmicos, mas se concentram no Jesus histórico, especialmente em sua crucificação e ressurreição. Na Carta aos Colossenses e no Novo Testamento, encontramos uma doutrina de Deus distinta daquela implícita no pensamento da Nova Era: a concepção cristã de Deus é a de uma Trindade de Pessoas que criou a raça humana desejando compartilhar a comunhão da vida trinitária com os seres criados. Compreendido corretamente, isso significa que a espiritualidade autêntica consiste não tanto em nossa busca por Deus, mas na busca de Deus por nós.
Nos círculos da Nova Era , uma visão completamente diferente do significado cósmico de Cristo tornou-se popular. “O Cristo Cósmico é o modelo divino de interconexão encarnado na pessoa de Jesus Cristo (mas de forma alguma limitado a essa pessoa). O modelo divino de interconexão se fez carne e habitou entre nós ( João 1:14)... O Cristo Cósmico é o guia para um novo êxodo da escravidão e das ideias pessimistas de um universo mecanicista e newtoniano, cheio de competitividade, vencedores e perdedores, dualismos, antropocentrismo e o tédio que surge quando nosso maravilhoso universo é descrito como uma máquina desprovida de mistério e misticismo. O Cristo Cósmico é local e histórico, inegavelmente íntimo da história humana. O Cristo Cósmico poderia viver ao lado ou mesmo no interior mais profundo e autêntico de cada um.” Embora nem todos os associados ao movimento da Nova Era concordem com essa afirmação, ela acerta em cheio e mostra claramente onde residem as diferenças entre essas duas visões de Cristo. Para a Nova Era, o Cristo Cósmico aparece como um modelo que pode ser replicado em muitas pessoas, lugares ou épocas. Ele é o portador de uma profunda mudança de paradigma. Ele é, em última análise, um potencial dentro de nós.
Segundo a doutrina cristã, Jesus Cristo não é meramente um modelo. Ele é uma pessoa divina cuja forma humano-divina revela o mistério do amor do Pai por cada pessoa ao longo da história ( Jo 3,16). Ele vive em nós porque compartilha sua vida conosco, mas isso não nos é imposto nem automático. Todos os seres humanos são convidados a compartilhar sua vida, a viver "em Cristo".
3.4. MISTICISMO CRISTÃO E MISTICISMO DA NOVA ERA
Para os cristãos, a vida espiritual consiste numa relação com Deus que se aprofunda com a ajuda da graça, num processo que também ilumina as nossas relações com os outros. Para a Nova Era, a espiritualidade significa experimentar estados de consciência dominados por um sentido de harmonia e união com o Todo. Assim, “misticismo” não se refere a um encontro com o Deus transcendente na plenitude do amor, mas à experiência proporcionada pela introspecção, uma sensação revigorante de estar em comunhão com o universo, de deixar a individualidade submergir no grande oceano do Ser.
Essa distinção fundamental é evidente em todos os níveis de comparação entre o misticismo cristão e o misticismo da Nova Era. O método de purificação da Nova Era baseia-se na consciência do mal-estar ou da alienação, que deve ser superado por meio da imersão no Todo. Para se converter, a pessoa precisa utilizar técnicas que conduzem à experiência da iluminação. Isso transforma a consciência da pessoa e a abre para o contato com o divino, que é entendido como a essência mais profunda da realidade.
As técnicas e os métodos oferecidos neste sistema religioso imanentista, que não contempla o conceito de Deus como pessoa, procedem "de baixo". Embora envolvam uma descida às profundezas do próprio coração ou alma, constituem um empreendimento essencialmente humano por parte do indivíduo que busca ascender à divindade por meio de seus próprios esforços. Frequentemente, trata-se de uma "ascensão" do nível de consciência para o que é entendido como uma percepção libertadora do "deus interior". Nem todos têm acesso a tais técnicas, cujos benefícios são restritos a uma "aristocracia" espiritual privilegiada.
Pelo contrário, o elemento essencial da fé cristã é que Deus se humilha perante as suas criaturas, particularmente as mais humildes, as mais fracas e as menos favorecidas segundo os padrões do “mundo”. Existem algumas técnicas espirituais que são úteis aprender, mas Deus é capaz de as contornar e até mesmo de as dispensar. Para um cristão, “o seu modo de se aproximar de Deus não se baseia numa técnica, no sentido estrito da palavra. Isso contrariaria o espírito de infância exigido pelo Evangelho. O autêntico misticismo cristão nada tem a ver com técnica: é sempre uma dádiva de Deus, cujo destinatário se sente indigno.”
Para os cristãos, a conversão consiste em voltar-se para o Pai, por meio do Filho, e submeter-se ao poder do Espírito Santo. Quanto mais alguém progride em seu relacionamento com Deus — que é sempre e em todos os casos uma dádiva gratuita — mais aguda se torna a necessidade de se afastar do pecado, da miopia espiritual e da autossatisfação, que impedem uma entrega confiante a Deus e uma abertura aos outros.
Todas as técnicas de meditação precisam ser purificadas da presunção e da ostentação. A oração cristã não é um exercício de autocontemplação, quietude e esvaziamento de si, mas um diálogo de amor, que “implica uma atitude de conversão, um êxodo do eu do homem para o Tu de Deus”. Ela conduz a uma submissão cada vez mais completa à vontade de Deus, por meio da qual somos convidados a uma profunda e autêntica solidariedade com nossos irmãos e irmãs.
3.5. O "DEUS INTERIOR" E A "TEOSE"
Este é um ponto de contraste entre a Nova Era e o Cristianismo. A literatura da Nova Era está repleta da convicção de que não existe um ser divino "lá fora" ou que seja de alguma forma distinto do resto da realidade. Desde Jung, houve todo um movimento que professa a crença no "deus interior". Da perspectiva da Nova Era, nosso problema reside na incapacidade de reconhecer nossa própria divindade, uma incapacidade que pode ser superada com a ajuda de um guia e usando uma série de técnicas para liberar nosso potencial (divino) oculto. A ideia fundamental é que "Deus" se encontra no fundo de nós. Somos deuses e descobrimos o poder ilimitado dentro de nós ao nos despojarmos das camadas de inautenticidade. Quanto mais esse potencial é reconhecido, mais ele é realizado. Nesse sentido, a Nova Era tem sua própria ideia de teose: transformar- nos em deuses ou, mais precisamente, reconhecer e aceitar que somos divinos. Alguns dizem que estamos vivendo em "uma época em que nossa compreensão de Deus precisa ser internalizada: de um Deus onipotente e externo para um Deus, uma força dinâmica e criativa que está no próprio centro de todo o ser: Deus como Espírito."
No prefácio do Livro V de *Adversus Haereses*, Santo Irineu se refere a “Jesus Cristo, que, por meio de seu amor transcendente, se tornou o que somos, para que pudesse nos conduzir a nos tornarmos o que ele mesmo é”. Aqui, a teose, a maneira cristã de compreender a divinização, não é alcançada unicamente por nossos esforços, mas com a ajuda da graça de Deus, que age em nós e por meio de nós. Naturalmente, isso implica uma consciência inicial de nossa imperfeição, até mesmo de nossa condição pecaminosa — o oposto da autoexaltação. Além disso, desdobra-se como uma introdução à vida da Trindade, um exemplo perfeito de distinção no próprio âmago da unidade: sinergia, não fusão. Tudo isso ocorre como resultado de um encontro pessoal, a oferta de um novo tipo de vida. A vida em Cristo não é algo tão pessoal e privado que permaneça confinada ao reino da consciência. Nem é um novo nível de consciência. Envolve uma transformação de nosso corpo e alma por meio da participação na vida sacramental da Igreja.
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