Na aparição do Anjo, prostrou-se como sua irmã e eu, levado
	por uma força sobrenatural que a isso nos movia; mas a oração
	aprendeu-a ouvindo-nos repeti-la, pois, ao Anjo, dizia não ter ouvido nada.
	Quando, depois, nos prostrávamos para rezar essa oração,
	ele era o primeiro que se cansava da posição, mas permanecia de
	joelhos ou sentado, rezando também, até que nós acabássemos.
	Depois, dizia:
	– Eu não sou capaz de estar assim tanto tempo como vocês.
	Doem-me as costas tanto que não posso.
	Na segunda aparição do Anjo, no poço, perguntou, passados
	os primeiros momentos que se Ihe seguiram:
	– Tu falaste com o Anjo; que é que Ele te disse?
	– Não ouviste?
	– Não. Vi que falava contigo, ouvi o que tu Ihe disseste, mas o
	que Ele te disse não sei.
	Como a atmosfera do sobrenatural em que Ele nos deixava
	ainda não tinha de todo passado, disse-lhe que mo perguntasse
	no dia seguinte, ou à Jacinta.
	– Jacinta, conta-me tu o que disse o Anjo.
	– Digo-to amanhã. Hoje não posso falar.
	No dia seguinte, logo que chegou junto de mim, perguntou-
	-me:
	– Dormiste esta noite? Eu pensei sempre no Anjo e no que
	seria que Ele disse.
	Contei-lhe, então, tudo o que o Anjo tinha dito na primeira e
	segunda aparição. Mas ele parecia não ter recebido a compreensão
	do que as palavras significavam e perguntava:
	– Quem é o Altíssimo? Que quer dizer: os Corações de Jesus
	e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas? Etc.
	E, obtida a resposta, ficava-se pensando, para logo interromper
	com outra pergunta. Mas o meu espírito ainda não estava de todo
	livre e disse-lhe que esperasse para o dia seguinte, que naquele
	ainda não podia falar.
	Esperou, contente, mas não deixou perder as primeiras
	ocasiões, para logo fazer novas perguntas, o que levou a Jacinta a
	dizer-lhe:
	– Olha: nessas coisas fala pouco.
	140
	Quando falávamos no Anjo, não sei o que sentíamos. A Jacinta dizia:
	– Não sei o que sinto; já não posso falar, nem cantar, nem
	brincar e não tenho força para nada.
	– Eu também não – respondeu o Francisco. – Mas que importa? O Anjo é mais bonito que tudo isso. Pensemos n’Ele.
	Na terceira aparição, a presença do sobrenatural foi ainda
	muitíssimo mais intensa. Por vários dias, nem mesmo o Francisco
	se atrevia a falar. Dizia depois:
	– Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que, depois, não
	somos capazes de nada. Eu nem andar podia, não sei o que tinha!
	Apesar de tudo, foi ele quem se deu conta, depois da terceira
	aparição do Anjo, das proximidades da noite. Foi quem disso nos
	advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa.
	Passados os primeiros dias e recuperado o estado normal,
	perguntou o Francisco:
	– O Anjo, a ti, deu-te a Sagrada Comunhão; mas a mim e à
	Jacinta, que foi o que Ele nos deu?
	– Foi também a Sagrada Comunhão – respondeu a Jacinta,
	numa felicidade indizível. – Não vês que era o Sangue que caía da
	Hóstia?
	– Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como
	era!
	E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo, com a
	sua Irmã, repetindo a oração do Anjo: Santíssima Trindade..., etc.
	Pouco a pouco, foi passando aquela atmosfera e, no dia 13 de
	Maio, brincávamos já quase com o mesmo gosto e com a mesma
	liberdade de espírito.
	4. Influência da primeira Aparição de Nossa Senhora
	A aparição de Nossa Senhora veio de novo a concentrar-nos
	no sobrenatural, mas mais suavemente: em vez daquele aniquilamento na Divina Presença, que prostrava, mesmo fisicamente,
	deixou-nos uma paz e alegria expansiva que nos não impedia falar,
	em seguida, de quanto se tinha passado. No entanto, a respeito do
	reflexo que Nossa Senhora, com as mãos, nos tinha comunicado e
	de tudo que, com ele, se relacionava, sentíamos um não sei quê
	interior que nos movia a calar.
	Contámos, em seguida, ao Francisco, tudo quanto Nossa Senhora tinha dito. E ele, manifestando o contentamento que sentia,
	na promessa de ir para o Céu, cruzando as mãos sobre o peito,
	dizia:
	– Ó minha Nossa Senhora, terços, rezo todos quantos Vós
	quiserdes.
	E, desde aí, tomou o costume de se afastar de nós, como que
	passeando; e se chamava por ele e Ihe perguntava que andava a
	fazer, levantava o braço e mostrava-me o terço. Se Ihe dizia que
	viesse brincar, que depois rezava connosco, respondia:
	– Depois também rezo. Não te lembras que Nossa Senhora
	disse que tinha de rezar muitos terços?
	Um dia, disse-me:
	– Gostei muito de ver o Anjo, mas gostei ainda mais de Nossa
	Senhora. Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela
	luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!
	Mas Ele está tão triste, por causa de tantos pecados! Nós nunca
	havemos de fazer nenhum.
	Já disse, no segundo escrito sobre a Jacinta, como foi ele que
	me deu a notícia de que ela tinha faltado ao nosso contrato de não
	dizer nada. E como era de meu parecer que se guardasse segredo, acrescentou, com ar triste:
	– Eu, como minha Mãe me perguntou se era verdade, tive que
	dizer que sim, para não mentir.
	Por vezes, dizia:
	– Nossa Senhora disse que íamos a ter muito que sofrer! Não
	me importo; sofro tudo quanto Ela quiser! O que eu quero é ir para
	o Céu.
	Um dia que eu me mostrava descontente com a perseguição
	que dentro e fora da família se começava a levantar, ele procurou
	animar-me, dizendo:
	– Deixa lá. Não disse Nossa Senhora que íamos a ter muito
	que sofrer, para reparar a Nosso Senhor e o Seu Imaculado Coração, de tantos pecados com que são ofendidos? Eles estão tão
	tristes! Se com estes sofrimentos os pudermos consolar, já ficamos contentes.
	Poucos dias depois da primeira aparição de Nossa Senhora,
	ao chegar à pastagem, subiu-se a um elevado penedo e disse-nos:
	– Vocês não venham para aqui; deixem-me estar sozinho.
	– Está bem.
	E pus-me, com a Jacinta, atrás das borboletas que apanhávamos, para logo fazer o sacrifício de deixar fugir, e nem mais do
	Francisco nos lembrou. Chegada a hora da merenda, demos pela
	sua falta, e lá fui a chamá-lo:
	– Francisco, não queres vir a merendar?
	– Não. Comam vocês.
	– E a rezar o terço?
	– A rezar, depois vou. Torna-me a chamar.
	Quando voltei a chamá-lo, disse-me:
	– Venham vocês a rezar aqui pró pé de mim.
	Subimos para o cimo do penedo, onde mal cabíamos os três
	de joelhos, e perguntei-lhe:
	– Mas que estás aqui a fazer tanto tempo?
	– Estou a pensar em Deus que está tão triste, por causa de
	tantos Recados! Se eu fosse capaz de Lhe dar alegria (5)!
	Um dia, pusemo-nos a cantar, em coro, as alegrias da Serra:
	Coro
	Ai, trai lari, lai, lai,
	Trai lari, lai, lai,
	Lai, lai, lai!
	1
	Nesta vida tudo canta,
	Comigo, ao desafio:
	Canta a pastora na serra
	E a lavadeira no rio.
	2
	É a voz do pintassilgo
	Que me vem a despertar,
	Logo ao nascer do sol,
	No silvado, a cantar!
	(5) Pode dizer-se que o Francisco recebeu o dom da contemplação.
	3
	De noite, canta a coruja
	Que me quer assustar!
	Na escamisada, canta
	A rapariga ao luar!
	 4
	O rouxinol, na campina,
	Passa o dia a cantar!
	Canta a rola no bosque,
	Canta o carro a chiar!
	 5
	A serra é um jardim
	Todo o dia a sorrir!
	São as gotas do orvalho,
	Nas montanhas, a luzir!
	Terminada a primeira vez, íamos a repetir, mas o Francisco
	interrompeu:
	– Não cantemos mais. Desde que vimos o Anjo e Nossa Senhora, já não me apetece cantar.
		Na aparição do Anjo, prostrou-se como sua irmã e eu, levado
	
		por uma força sobrenatural que a isso nos movia; mas a oração
	
		aprendeu-a ouvindo-nos repeti-la, pois, ao Anjo, dizia não ter ouvido nada.
	
		Quando, depois, nos prostrávamos para rezar essa oração,
	
		ele era o primeiro que se cansava da posição, mas permanecia de
	
		joelhos ou sentado, rezando também, até que nós acabássemos.
	
		Depois, dizia:
	
		– Eu não sou capaz de estar assim tanto tempo como vocês.
	
		Doem-me as costas tanto que não posso.
	
		Na segunda aparição do Anjo, no poço, perguntou, passados
	
		os primeiros momentos que se Ihe seguiram:
	
		– Tu falaste com o Anjo; que é que Ele te disse?
	
		– Não ouviste?
	
		– Não. Vi que falava contigo, ouvi o que tu Ihe disseste, mas o
	
		que Ele te disse não sei.
	
		Como a atmosfera do sobrenatural em que Ele nos deixava
	
		ainda não tinha de todo passado, disse-lhe que mo perguntasse
	
		no dia seguinte, ou à Jacinta.
	
		– Jacinta, conta-me tu o que disse o Anjo.
	
		– Digo-to amanhã. Hoje não posso falar.
	
		No dia seguinte, logo que chegou junto de mim, perguntou-
	
		-me:
	
		– Dormiste esta noite? Eu pensei sempre no Anjo e no que
	
		seria que Ele disse.
	
		Contei-lhe, então, tudo o que o Anjo tinha dito na primeira e
	
		segunda aparição. Mas ele parecia não ter recebido a compreensão
	
		do que as palavras significavam e perguntava:
	
		– Quem é o Altíssimo? Que quer dizer: os Corações de Jesus
	
		e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas? Etc.
	
		E, obtida a resposta, ficava-se pensando, para logo interromper
	
		com outra pergunta. Mas o meu espírito ainda não estava de todo
	
		livre e disse-lhe que esperasse para o dia seguinte, que naquele
	
		ainda não podia falar.
	
		Esperou, contente, mas não deixou perder as primeiras
	
		ocasiões, para logo fazer novas perguntas, o que levou a Jacinta a
	
		dizer-lhe:
	
		– Olha: nessas coisas fala pouco.
	
		Quando falávamos no Anjo, não sei o que sentíamos. A Jacinta dizia:
	
		– Não sei o que sinto; já não posso falar, nem cantar, nem
	
		brincar e não tenho força para nada.
	
		– Eu também não – respondeu o Francisco. – Mas que importa? O Anjo é mais bonito que tudo isso. Pensemos n’Ele.
	
		Na terceira aparição, a presença do sobrenatural foi ainda
	
		muitíssimo mais intensa. Por vários dias, nem mesmo o Francisco
	
		se atrevia a falar. Dizia depois:
	
		– Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que, depois, não
	
		somos capazes de nada. Eu nem andar podia, não sei o que tinha!
	
		Apesar de tudo, foi ele quem se deu conta, depois da terceira
	
		aparição do Anjo, das proximidades da noite. Foi quem disso nos
	
		advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa.
	
		Passados os primeiros dias e recuperado o estado normal,
	
		perguntou o Francisco:
	
		– O Anjo, a ti, deu-te a Sagrada Comunhão; mas a mim e à
	
		Jacinta, que foi o que Ele nos deu?
	
		– Foi também a Sagrada Comunhão – respondeu a Jacinta,
	
		numa felicidade indizível. – Não vês que era o Sangue que caía da
	
		Hóstia?
	
		– Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como
	
		era!
	
		E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo, com a
	
		sua Irmã, repetindo a oração do Anjo: Santíssima Trindade..., etc.
	
		Pouco a pouco, foi passando aquela atmosfera e, no dia 13 de
	
		Maio, brincávamos já quase com o mesmo gosto e com a mesma
	
		liberdade de espírito.
	
		4. Influência da primeira Aparição de Nossa Senhora
	
		A aparição de Nossa Senhora veio de novo a concentrar-nos
	
		no sobrenatural, mas mais suavemente: em vez daquele aniquilamento na Divina Presença, que prostrava, mesmo fisicamente,
	
		deixou-nos uma paz e alegria expansiva que nos não impedia falar,
	
		em seguida, de quanto se tinha passado. No entanto, a respeito do
	
		reflexo que Nossa Senhora, com as mãos, nos tinha comunicado e
	
		de tudo que, com ele, se relacionava, sentíamos um não sei quê
	
		interior que nos movia a calar.
	
		Contámos, em seguida, ao Francisco, tudo quanto Nossa Senhora tinha dito. E ele, manifestando o contentamento que sentia,
	
		na promessa de ir para o Céu, cruzando as mãos sobre o peito,
	
		dizia:
	
		– Ó minha Nossa Senhora, terços, rezo todos quantos Vós
	
		quiserdes.
	
		E, desde aí, tomou o costume de se afastar de nós, como que
	
		passeando; e se chamava por ele e Ihe perguntava que andava a
	
		fazer, levantava o braço e mostrava-me o terço. Se Ihe dizia que
	
		viesse brincar, que depois rezava connosco, respondia:
	
		– Depois também rezo. Não te lembras que Nossa Senhora
	
		disse que tinha de rezar muitos terços?
	
		Um dia, disse-me:
	
		– Gostei muito de ver o Anjo, mas gostei ainda mais de Nossa
	
		Senhora. Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela
	
		luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!
	
		Mas Ele está tão triste, por causa de tantos pecados! Nós nunca
	
		havemos de fazer nenhum.
	
		Já disse, no segundo escrito sobre a Jacinta, como foi ele que
	
		me deu a notícia de que ela tinha faltado ao nosso contrato de não
	
		dizer nada. E como era de meu parecer que se guardasse segredo, acrescentou, com ar triste:
	
		– Eu, como minha Mãe me perguntou se era verdade, tive que
	
		dizer que sim, para não mentir.
	
		Por vezes, dizia:
	
		– Nossa Senhora disse que íamos a ter muito que sofrer! Não
	
		me importo; sofro tudo quanto Ela quiser! O que eu quero é ir para
	
		o Céu.
	
		Um dia que eu me mostrava descontente com a perseguição
	
		que dentro e fora da família se começava a levantar, ele procurou
	
		animar-me, dizendo:
	
		– Deixa lá. Não disse Nossa Senhora que íamos a ter muito
	
		que sofrer, para reparar a Nosso Senhor e o Seu Imaculado Coração, de tantos pecados com que são ofendidos? Eles estão tão
	
		tristes! Se com estes sofrimentos os pudermos consolar, já ficamos contentes.
	
		Poucos dias depois da primeira aparição de Nossa Senhora,
	
		ao chegar à pastagem, subiu-se a um elevado penedo e disse-nos:
	
		– Vocês não venham para aqui; deixem-me estar sozinho.
	
		– Está bem.
	
		E pus-me, com a Jacinta, atrás das borboletas que apanhávamos, para logo fazer o sacrifício de deixar fugir, e nem mais do
	
		Francisco nos lembrou. Chegada a hora da merenda, demos pela
	
		sua falta, e lá fui a chamá-lo:
	
		– Francisco, não queres vir a merendar?
	
		– Não. Comam vocês.
	
		– E a rezar o terço?
	
		– A rezar, depois vou. Torna-me a chamar.
	
		Quando voltei a chamá-lo, disse-me:
	
		– Venham vocês a rezar aqui pró pé de mim.
	
		Subimos para o cimo do penedo, onde mal cabíamos os três
	
		de joelhos, e perguntei-lhe:
	
		– Mas que estás aqui a fazer tanto tempo?
	
		– Estou a pensar em Deus que está tão triste, por causa de
	
		tantos Recados! Se eu fosse capaz de Lhe dar alegria (5)!
	
		Um dia, pusemo-nos a cantar, em coro, as alegrias da Serra:
	
		Coro
	
		Ai, trai lari, lai, lai,
	
		Trai lari, lai, lai,
	
		Lai, lai, lai!
	
		1
	
		Nesta vida tudo canta,
	
		Comigo, ao desafio:
	
		Canta a pastora na serra
	
		E a lavadeira no rio.
	
		2
	
		É a voz do pintassilgo
	
		Que me vem a despertar,
	
		Logo ao nascer do sol,
	
		No silvado, a cantar!
	
		(5) Pode dizer-se que o Francisco recebeu o dom da contemplação.
	
		3
	
		De noite, canta a coruja
	
		Que me quer assustar!
	
		Na escamisada, canta
	
		A rapariga ao luar!
	
		 4
	
		O rouxinol, na campina,
	
		Passa o dia a cantar!
	
		Canta a rola no bosque,
	
		Canta o carro a chiar!
	
		 5
	
		A serra é um jardim
	
		Todo o dia a sorrir!
	
		São as gotas do orvalho,
	
		Nas montanhas, a luzir!
	
		Terminada a primeira vez, íamos a repetir, mas o Francisco
	
		interrompeu:
	
		– Não cantemos mais. Desde que vimos o Anjo e Nossa Senhora, já não me apetece cantar.
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