7. O OLHAR DE JESUS

7. O OLHAR DE JESUS

96. Jesus retoma a fé bíblica no Deus criador e destaca um dado fundamental: Deus é Pai (cf. Mt 11, 25). Em colóquio com os seus discípulos, Jesus convidava-os a reconhecer a relação paterna que Deus tem com todas as criaturas e recordava-lhes, com comovente ternura, como cada uma delas era importante aos olhos d’Ele: «Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus» (Lc 12, 6). «Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as» (Mt 6, 26).

 

97. O Senhor podia convidar os outros a estar atentos à beleza que existe no mundo, porque Ele próprio vivia em contacto permanente com a natureza e prestava-lhe uma atenção cheia de carinho e admiração. Quando percorria os quatro cantos da sua terra, detinha-Se a contemplar a beleza semeada por seu Pai e convidava os discípulos a individuarem, nas coisas, uma mensagem divina: «Levantai os olhos e vede os campos que estão doirados para a ceifa» (Jo 4, 35). «O Reino dos Céus é semelhante a um grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. É a menor de todas as sementes; mas, depois de crescer, torna-se a maior planta do horto e transforma-se numa árvore» (Mt 13, 31-32).

 

98. Jesus vivia em plena harmonia com a criação, com grande maravilha dos outros: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?» (Mt 8, 27). Não Se apresentava como um asceta separado do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis da vida. Falando de Si mesmo, declarou: «Veio o Filho do Homem que come e bebe, e dizem: “Aí está um glutão e bebedor de vinho”» (Mt 11, 19). Encontrava-Se longe das filosofias que desprezavam o corpo, a matéria e as realidades deste mundo. Todavia, ao longo da história, estes dualismos combalidos tiveram notável influência nalguns pensadores cristãos e desfiguraram o Evangelho. Jesus trabalhava com suas mãos, entrando diariamente em contacto com matéria criada por Deus para a moldar com a sua capacidade de artesão. É digno de nota que a maior parte da sua existência terrena tenha sido consagrada a esta tarefa, levando uma vida simples que não despertava maravilha alguma: «Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria?» (Mc 6, 3). Assim santificou o trabalho, atribuindo-lhe um valor peculiar para o nosso amadurecimento. São João Paulo II ensinava que, «suportando o que há de penoso no trabalho em união com Cristo crucificado por nós, o homem colabora, de alguma forma, com o Filho de Deus na redenção da humanidade».

 

99. Segundo a compreensão cristã da realidade, o destino da criação inteira passa pelo mistério de Cristo, que nela está presente desde a origem: «Todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele» (Cl 1, 16).[80] O prólogo do Evangelho de João (1, 1-18) mostra a actividade criadora de Cristo como Palavra divina (Logos). Mas o mesmo prólogo surpreende ao afirmar que esta Palavra «Se fez carne» (Jo 1, 14). Uma Pessoa da Santíssima Trindade inseriu-Se no universo criado, partilhando a própria sorte com ele até à cruz. Desde o início do mundo, mas de modo peculiar a partir da encarnação, o mistério de Cristo opera veladamente no conjunto da realidade natural, sem com isso afectar a sua autonomia.

 

100. O Novo Testamento não nos fala só de Jesus terreno e da sua relação tão concreta e amorosa com o mundo; mostra-no-Lo também como ressuscitado e glorioso, presente em toda a criação com o seu domínio universal. «Foi n’Ele que aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e, por Ele e para Ele, reconciliar todas as coisas (…), tanto as que estão na terra como as que estão no céu» (Cl 1, 19-20). Isto lança-nos para o fim dos tempos, quando o Filho entregar ao Pai todas as coisas «a fim de que Deus seja tudo em todos» (1 Cor 15, 28). Assim, as criaturas deste mundo já não nos aparecem como uma realidade meramente natural, porque o Ressuscitado as envolve misteriosamente e guia para um destino de plenitude. As próprias flores do campo e as aves que Ele, admirado, contemplou com os seus olhos humanos, agora estão cheias da sua presença luminosa.

 

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