109. O lado trespassado, onde reside o amor de Cristo, do qual, por sua vez, brota a vida da graça, assumiu gradualmente a forma do coração, sobretudo na vida monástica. Sabemos que, ao longo da história, o culto ao Coração de Cristo não se manifestou de modo igual, e que os aspectos desenvolvidos nos tempos modernos, relacionados com diversas experiências espirituais, não podem ser extrapolados para as formas medievais e muito menos para as formas bíblicas, nas quais podemos vislumbrar as sementes deste culto. No entanto, hoje a Igreja não despreza nenhum dos bens que o Espírito Santo nos deu ao longo dos séculos, sabendo que será sempre possível reconhecer em certos pormenores da devoção um sentido mais claro e pleno, ou compreender e desvendar novos aspectos dela.
110. Várias mulheres santas relataram experiências de encontro com Cristo, caracterizado pelo repouso no Coração do Senhor, fonte de vida e de paz interior. É o caso de Santa Lutgarda, Santa Matilde de Hackeborn, Santa Ângela de Foligno, Juliana de Norwich, entre outras. Santa Gertrudes de Helfta, monja cisterciense, contou um momento de oração durante o qual reclinou a cabeça sobre o Coração de Cristo e escutou os seus batimentos. Num diálogo com São João Evangelista, ela pergunta-lhe por que razão, no seu Evangelho, não fala do que viveu quando teve a mesma experiência. Gertrudes conclui que «a doçura destes batimentos foi reservada aos tempos modernos, para que, ao escutá-los, o mundo envelhecido e morno possa renovar-se no amor de Deus». Poderíamos pensar que se trata de um anúncio referente ao nosso tempo, um apelo a reconhecer como este mundo se tornou “velho”, necessitado de receber a mensagem sempre nova do amor de Cristo? Santa Gertrudes e Santa Matilde foram consideradas entre «as mais íntimas confidentes do Sagrado Coração».
111. Os monges cartuxos, encorajados sobretudo por Ludolfo da Saxónia, encontraram na devoção ao Sagrado Coração um meio de encher de afeto e proximidade a sua relação com Jesus Cristo. Quem entra pela ferida do seu Coração é abrasado em chamas de afeto. Santa Catarina de Sena escreveu que os sofrimentos que o Senhor suportou não são algo que possamos presenciar, mas que o Coração aberto de Cristo é para nós a possibilidade de um encontro real e pessoal com tanto amor: «Eis quanto eu manifestei na chaga do meu peito, no momento em que compreendeste o segredo do meu coração. Fiz ver que meu amor por vós é mais profundo de quanto possa indicar a dor passageira».
112. A devoção ao Coração de Cristo transcendeu gradualmente a vida monástica e encheu a espiritualidade de santos mestres, pregadores e fundadores de congregações religiosas que a difundiram nas regiões mais remotas da terra.
113. Particularmente interessante foi a iniciativa de São João Eudes, que «depois de ter pregado com os seus missionários uma fervorosíssima missão em Rennes, conseguiu que o bispo aprovasse nessa diocese a celebração da festa do Coração Adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi a primeira vez que esta festa foi oficialmente autorizada na Igreja. Mais tarde, os bispos de Coutances, de Evreux, de Bayeux, de Lisieux e de Rouen autorizaram a mesma festa para as suas respectivas dioceses entre os anos de 1670 e 1671».