58. Instituição divina fundada no matrimónio, como o próprio Criador o quis (cf. Gn 2, 18-24; Mt 19, 5), a família encontra-se hoje exposta a muitos perigos. Particularmente a família cristã vê-se, hoje mais do que nunca, confrontada com a questão da sua identidade profunda. Na verdade, as propriedades essenciais do matrimónio sacramental – unidade e indissolubilidade (cf. Mt 19, 6) – e o modelo cristão da família, da sexualidade e do amor são, em nossos dias, se não contestados pelo menos incompreendidos por determinados fiéis. Existe a tentação de adoptar modelos contrários ao Evangelho, transmitidos por certa cultura contemporânea espalhada por toda a parte no mundo. O amor conjugal insere-se na Aliança definitiva entre Deus e o seu povo, selada plenamente no sacrifício da cruz. O seu carácter de mútuo dom de si ao outro até ao martírio é visível nalgumas Igrejas do Oriente, onde cada um dos noivos recebe o outro por « coroa » durante a cerimónia matrimonial justamente chamada « rito da coroação ». O amor conjugal não é obra de um momento, mas o projecto paciente de toda uma vida. Chamada a viver diariamente o amor de Cristo, a família cristã é um instrumento privilegiado da presença e missão da Igreja no mundo. Neste sentido, precisa de ser acompanhada pastoralmente e sustentada nos seus problemas e dificuldades, sobretudo quando os pontos de referimento sociais, familiares e religiosos tendem a debilitar-se ou a perder-se.
59. Famílias cristãs do Médio Oriente, convido-vos a renovar-vos sem cessar com a força da Palavra de Deus e dos Sacramentos, para serdes ainda mais a Igreja doméstica que educa para a fé e a oração, o viveiro das vocações, a escola natural das virtudes e dos valores éticos, a célula viva basilar da sociedade. Contemplai sempre a Família de Nazaré, que teve a alegria de acolher a vida e exprimir a sua piedade na observância da Lei e das práticas religiosas do seu tempo (cf. Lc 2, 22-24.41). Ponde os olhos nesta Família que viveu também a provação da perda do Menino Jesus, a aflição da perseguição, da emigração e da dura labuta diária (cf. Lc 2, 41-51; Mt 2, 13-23). Ajudai os vossos filhos a crescerem em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens (cf. Lc 2, 52); ensinai-os a terem confiança no Pai, a imitarem Cristo e a deixarem-se guiar pelo Espírito Santo.
60. Depois destas breves reflexões sobre a dignidade e a vocação comuns do homem e da mulher no matrimónio, o meu pensamento volta-se com particular atenção para as mulheres do Médio Oriente. A primeira narração da criação mostra a igualdade ontológica entre o homem e a mulher (cf. Gn 1, 27-29). Esta igualdade é mortificada pelas consequências do pecado (cf. Gn 3, 16; Mt 19, 4). Superar este legado, fruto do pecado, é um dever para todo o ser humano, homem ou mulher que seja. Quero certificar todas as mulheres de que a Igreja Católica, fiel ao desígnio divino, promove a dignidade pessoal da mulher e a sua igualdade com o homem contra as mais variadas formas de discriminação a que está sujeita simplesmente pelo facto de ser mulher. Tais práticas prejudicam a vida de comunhão e testemunho; ofendem gravemente não só a mulher, mas também e sobretudo a Deus Criador. Reconhecendo a sua sensibilidade natural para o amor e a protecção da vida humana e prestando homenagem à sua específica contribuição para a educação, a saúde, o serviço humanitário e a vida apostólica, penso que as mulheres se devem comprometer e envolver mais na vida pública e eclesial. Deste modo, contribuirão com a própria parte para a edificação duma sociedade mais fraterna e duma Igreja tornada mais bela pela comunhão real entre os baptizados.
61. Além disso, nas disputas jurídicas que infelizmente podem opor o homem e a mulher, sobretudo em questões de ordem matrimonial, a voz da mulher deve ser ouvida e tomada em consideração com tanto respeito como a do homem, para acabar com certas injustiças. Neste sentido, seria preciso encorajar uma aplicação mais sadia e justa do direito da Igreja. A justiça da Igreja deve ser exemplar a todos os níveis e em todos os domínios que abrange. É preciso absolutamente velar por que as disputas judiciais relativas a questões matrimoniais não conduzam à apostasia. Além disso, os cristãos dos países da região devem ter a possibilidade de aplicar, no âmbito matrimonial e nos restantes domínios, o direito próprio sem restrições.