66. Ao mesmo tempo que anuncia sem cessar o querigma, a Igreja deve crescer na Amazónia. Para isso, não para de moldar a sua própria identidade na escuta e diálogo com as pessoas, realidades e histórias do território. Desta forma, ir-se-á desenvolvendo cada vez mais um processo necessário de inculturação, que nada despreza do bem que já existe nas culturas amazónicas, mas recebe-o e leva-o à plenitude à luz do Evangelho. E também não despreza a riqueza de sabedoria cristã transmitida ao longo dos séculos, como se pretendesse ignorar a história na qual Deus operou de várias maneiras, porque a Igreja possui um rosto pluriforme, vista «não só da perspetiva espacial (…), mas também da sua realidade temporal». Trata-se da Tradição autêntica da Igreja, que não é um depósito estático nem uma peça de museu, mas a raiz duma árvore que cresce. É a Tradição milenar que testemunha a ação divina no seu povo e cuja «missão é mais a de manter vivo o fogo, do que conservar as suas cinzas».
67. São João Paulo II ensinou que a Igreja, ao apresentar a sua proposta evangélica, «não pretende negar a autonomia da cultura. Antes pelo contrário, nutre por ela o maior respeito», porque a cultura «não é só sujeito de redenção e de elevação; mas pode ter também um papel de mediação e de colaboração». E, dirigindo-se aos indígenas do Continente Americano, lembrou que «uma fé que não se torna cultura é uma fé não de modo pleno acolhida, não inteiramente pensada, nem com fidelidade vivida». Os desafios das culturas convidam a Igreja a uma «atitude de prudente sentido crítico, mas também de atenção e confiança».
68. Vale a pena lembrar aqui o que afirmei na Exortação Evangelii gaudium a propósito da inculturação: esta baseia-se na convicção de que «a graça supõe a cultura, e o dom de Deus encarna-se na cultura de quem o recebe». Notemos que isto implica um duplo movimento: por um lado, uma dinâmica de fecundação que permite expressar o Evangelho num lugar concreto, pois «quando uma comunidade acolhe o anúncio da salvação, o Espírito Santo fecunda a sua cultura com a força transformadora do Evangelho»; por outro, a própria Igreja vive um caminho de receção, que a enriquece com aquilo que o Espírito já tinha misteriosamente semeado naquela cultura. Assim, «o Espírito Santo embeleza a Igreja, mostrando-lhe novos aspetos da Revelação e presenteando-a com um novo rosto». Trata-se, em última instância, de permitir e incentivar a que o anúncio do Evangelho inexaurível, comunicado «com categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura».
69. Por isso, «como podemos ver na história da Igreja, o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural» e «não faria justiça à lógica da encarnação pensar num cristianismo monocultural e monocórdico». Entretanto, o risco dos evangelizadores que chegam a um lugar é julgar que devem não só comunicar o Evangelho, mas também a cultura em que cresceram, esquecendo que não se trata de «impor uma determinada forma cultural, por mais bela e antiga que seja». É necessário aceitar corajosamente a novidade do Espírito capaz de criar sempre algo de novo com o tesouro inesgotável de Jesus Cristo, porque «a inculturação empenha a Igreja num caminho difícil mas necessário». É verdade que, «embora estes processos sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado» e acabamos como «espectadores duma estagnação estéril da Igreja». Não tenhamos medo, não cortemos as asas ao Espírito Santo.