A LITURGIA E A VIDA SACRAMENTAL

A LITURGIA E A VIDA SACRAMENTAL

75. Ao longo de toda a história, a liturgia foi para os fiéis do Médio Oriente um elemento essencial de unidade espiritual e de comunhão. Com efeito, a liturgia testemunha de maneira privilegiada a Tradição dos Apóstolos, continuada e desenvolvida nas tradições particulares das Igrejas do Oriente e do Ocidente. Uma renovação dos textos e das celebrações litúrgicas, onde tal se revelasse necessário, poderia permitir aos fiéis apropriarem-se melhor da tradição e da riqueza bíblica e patrística, teológica e espiritual das liturgias, na experiência do Mistério a que as mesmas introduzem. Um tal empreendimento deve com certeza ser realizado, na medida do possível, em colaboração com as Igrejas que, embora não estejam em plena comunhão, todavia são também depositárias das mesmas tradições litúrgicas; a desejada renovação litúrgica deve estar fundada sobre a Palavra de Deus, a tradição própria de cada Igreja e os novos resultados teológicos e antropológicos cristãos. Dará fruto, se fizer os cristãos crescerem na convicção de que a vida sacramental os introduz, profundamente, na vida nova que temos em Cristo (cf. Rm 6, 1-6; 2 Cor 5, 17), fonte de comunhão e testemunho.

 

76. Existe uma ligação vital entre a liturgia – fonte e apogeu da vida da Igreja, que funda a unidade do Episcopado e da Igreja universal – e o ministério de Pedro, que mantém esta unidade. A liturgia exprime esta realidade, sobretudo na Eucaristia que é celebrada em união não só com o Bispo, mas antes ainda com o Papa, com a Ordem episcopal, com o clero e todo o povo de Deus.

 

77. Pelo sacramento do Baptismo, conferido em nome da Santíssima Trindade, entramos na comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e somos configurados a Cristo, para levar uma vida nova (cf. Rm 6, 11-14; Cl 2, 12), uma vida de fé e conversão (cf. Mc 16, 15-16; Act 2, 38). O Baptismo insere-nos também no Corpo de Cristo, a Igreja, germe e antecipação da humanidade reconciliada em Cristo (cf. 2 Cor 5, 19). Em comunhão com Deus, os baptizados são chamados a viver, aqui e agora, em comunhão fraterna entre si, que floresce numa real solidariedade com os outros membros da família humana, sem discriminação baseada, por exemplo, na raça e na religião. Neste contexto, convém velar por que a preparação sacramental dos jovens e adultos seja feita com a maior profundidade e durante um período não demasiado breve.

 

78. A Igreja Católica considera o Baptismo, validamente conferido, como « o vínculo sacramental da unidade que liga todos os que foram regenerados por ele ». Possa ver a luz do dia, sem tardar, um acordo ecuménico sobre o reconhecimento mútuo do Baptismo entre a Igreja Católica e as Igrejas com as quais se encontra em diálogo teológico, para se restaurar em seguida a plena comunhão na fé apostólica. Disso está parcialmente dependente a credibilidade da mensagem e testemunho cristãos no Médio Oriente.

 

79. A Eucaristia, onde a Igreja celebra o grande mistério da morte e ressurreição de Jesus Cristo pela salvação da multidão, fundamenta a comunhão eclesial e leva-a à sua plenitude. A mesma foi admiravelmente erigida por São Paulo em princípio eclesiológico com estes termos: « Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão » (1 Cor 10, 17 ). Sofrendo na sua missão pelo drama das divisões e separações e não desejando que os seus membros se reúnam para sua própria condenação (cf. 1 Cor 11, 17-34), a Igreja de Cristo espera ardentemente que esteja próximo o dia em que todos os cristãos hão-de poder finalmente comungar juntos do mesmo pão na unidade de um só corpo.

 

80. Na celebração da Eucaristia, a Igreja faz também a experiência diária da comunhão dos seus membros tendo em vista o testemunho diário na sociedade, que é uma dimensão essencial da esperança cristã. Assim, a Igreja toma consciência da unidade intrínseca da esperança escatológica e do compromisso no mundo, quando faz memória de toda a economia da salvação: desde a Encarnação até à Parusia. Essa noção deveria ser mais aprofundada num tempo como o nosso em que a dimensão escatológica da fé se debilitou e o sentido cristão da história, como caminho rumo à sua plenitude em Deus, se esfuma a favor de projectos circunscritos apenas ao horizonte humano. Peregrinos a caminho de Deus, seguindo os inumeráveis eremitas e monges perscrutadores do Absoluto, os cristãos que vivem no Médio Oriente saberão encontrar na Eucaristia a força e a luz necessárias para – muitas vezes contra corrente e apesar de inumeráveis constrangimentos – testemunhar o Evangelho. Apoiar-se-ão na intercessão dos justos, dos santos, dos mártires e confessores e de todos aqueles que agradaram ao Senhor, como cantam as nossas liturgias do Oriente e do Ocidente.

 

81. O sacramento do Perdão e da Reconciliação – do qual almejo, juntamente com todos os Padres sinodais, uma renovação na compreensão e na prática dos fiéis – é um convite à conversão do coração. Na verdade, a vontade de Cristo não deixa dúvidas: « Se fores apresentar uma oferta sobre o altar, (…) vai primeiro reconciliar--te com o teu irmão » (Mt 5, 23-24). A conversão sacramental é um dom que reclama ser melhor acolhido e praticado. Além de perdoar os pecados, o sacramento do Perdão e da Reconciliação também cura; a sua prática mais frequente irá, sem dúvida, favorecer a formação da consciência e a reconciliação, ajudando a superar vários medos e a lutar contra a violência. É que só Deus dá a paz autêntica (cf. Jo 14, 27). Nesta linha, exorto os pastores e os fiéis a eles confiados a purificarem sem cessar a memória individual e colectiva, libertando os ânimos dos preconceitos, por meio da mútua aceitação e da colaboração com as pessoas de boa vontade. De igual modo os exorto a promover toda a iniciativa de paz e reconciliação, mesmo no meio das perseguições, para se tornarem verdadeiros discípulos de Cristo segundo o espírito das Bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12). É preciso que a « boa conduta » dos cristãos (cf. 1 Pd 3, 16), pelo seu carácter exemplar, se torne o fermento na sociedade humana (cf. Lc 13, 20-21), porque se funda em Cristo que convida à perfeição (cf. Mt 5, 48; Tg 1, 4; 1 Pd 1, 16).

 

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