68. « Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos » (Act 2, 42). Com esta afirmação, São Lucas faz da primeira comunidade o protótipo da Igreja apostólica, isto é, fundada sobre os Apóstolos escolhidos por Cristo e sobre o seu ensinamento. A missão principal da Igreja, recebida do próprio Cristo, é guardar intacto o depósito da fé apostólica (cf. 1 Tm 6, 20), fundamento da sua unidade, proclamando esta fé ao mundo inteiro. O ensino dos Apóstolos explicitou a relação da Igreja com as Escrituras da primeira Aliança, que encontram o seu cumprimento na pessoa de Jesus Cristo (cf. Lc 24, 44-53).
69. A meditação do mistério da Igreja como comunhão e testemunho à luz da Sagrada Escritura, o grande livro da Aliança entre Deus e o seu povo (cf. Ex 24, 7), leva ao conhecimento de Deus, « luz para os nossos caminhos » (Sl 119/118, 105) a fim de « não vacilarem os nossos pés » (Sl 121/120, 3). Oxalá os fiéis, herdeiros desta Aliança, não cessem de procurar a verdade na Sagrada Escritura, pois toda ela é inspirada por Deus (cf. 2 Tm 3, 16-17). Não é um objecto de curiosidade histórica, mas « obra do Espírito Santo, na qual podemos ouvir a voz do Senhor e conhecer a sua presença na história », na nossa história humana.
70. As escolas exegéticas de Alexandria, Antioquia, Edessa, Nisibis… contribuíram poderosamente para a compreensão e a formulação dogmática do mistério cristão no IV e V século. Por isso lhes está agradecida a Igreja inteira. Os defensores das diversas correntes de interpretação dos textos eram concordes sobre alguns princípios tradicionais de exegese, comummente admitidos pelas Igrejas do Oriente e do Ocidente. O mais importante é a certeza de que Jesus Cristo encarna a unidade intrínseca dos dois Testamentos e, consequentemente, a unidade do desígnio salvífico de Deus na história (cf. Mt 5, 17); os discípulos começarão a compreender esta unidade só a partir da Ressurreição, quando Jesus for glorificado (cf. Jo 12, 16). Temos, depois, a fidelidade a uma leitura tipológica da Bíblia, segundo a qual certos factos do Antigo Testamento são uma prefiguração (tipo e figura) das realidades da Nova Aliança em Jesus Cristo, chave de leitura da Bíblia inteira (cf. 1 Cor 15, 22.45-47; Heb 8, 6-7). Os textos litúrgicos e espirituais da Igreja dão testemunho da permanência destes dois princípios de interpretação, que estruturam a celebração eclesial da Palavra de Deus e inspiram o testemunho cristão. A este respeito, o Concílio Vaticano II especificou ainda melhor que, para descobrir o sentido exacto dos textos sagrados, é preciso prestar atenção ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura, tendo em conta a Tradição viva da Igreja inteira e a analogia da fé. Na perspectiva duma abordagem eclesial da Bíblia, será muito útil uma leitura, individual e em grupo, da Exortação apostólica pós-sinodal Verbum Domini.
71. A importância da presença cristã nos países bíblicos do Médio Oriente situa-se muito além duma simples pertença sociológica ou dum mero sucesso económico e cultural. Ao encontrar a seiva das origens, na sequência dos primeiros discípulos escolhidos por Jesus para serem seus companheiros e os enviar a pregar (cf. Mc 3, 14), a presença cristã tomará um novo impulso. Para que a Palavra de Deus seja a alma e o fundamento da vida cristã, a difusão da Bíblia nas famílias favorecerá a leitura e a meditação diárias da Palavra de Deus (lectio divina). Trata-se de implementar oportunamente uma verdadeira pastoral bíblica.
72. Os meios de comunicação social modernos podem ser um instrumento apropriado para o anúncio da Palavra, favorecendo a sua leitura e meditação. Explicando de forma simples e acessível a Bíblia, contribuir-se-á para dissipar muitos preconceitos ou ideias equivocadas sobre a mesma, que dão origem a controvérsias inúteis e vexatórias. A propósito, seria conveniente incluir as necessárias distinções entre inspiração e revelação, porque a ambiguidade destes dois conceitos no espírito de muitos falsifica o seu entendimento dos textos sagrados, resultando daí consequências para o futuro do diálogo inter-religioso. Os referidos meios de comunicação podem ajudar também na difusão do magistério da Igreja.
73. Para se alcançarem estes objectivos, convém apoiar os meios de comunicação já existentes e favorecer o desenvolvimento de novas estruturas apropriadas. A formação de pessoal especializado neste sector nevrálgico, não só do ponto de vista técnico mas também doutrinal e ético, aparece como uma urgência crescente, tendo em vista particularmente a evangelização.
74. Entretanto, seja qual for o lugar atribuído aos meios de comunicação social em actividade, estes nunca poderão substituir a meditação da Palavra de Deus, nem a sua interiorização e aplicação visando responder às questões dos fiéis. Deste modo nascerá neles uma familiaridade com as Sagradas Escrituras, uma busca e um aprofundamento da espiritualidade e um empenhamento no apostolado e na missão. De acordo com as condições pastorais de cada país da região, poder-se-ia eventualmente proclamar um Ano Bíblico, que seria seguido, se fosse conveniente, por uma Semana anual da Bíblia.