A REPARAÇÃO: CONSTRUIR SOBRE AS RUÍNAS

A REPARAÇÃO: CONSTRUIR SOBRE AS RUÍNAS

181. Tudo isto nos permite compreender, à luz da Palavra de Deus, que sentido devemos dar à “reparação” oferecida ao Coração de Cristo, e o que o Senhor realmente espera que reparemos com a ajuda da sua graça. Muito se discutiu a este respeito, mas São João Paulo II ofereceu uma resposta clara aos cristãos de hoje, a fim de nos guiar para um espírito de reparação mais em sintonia com o Evangelho.

 

SENTIDO SOCIAL DA REPARAÇÃO AO CORAÇÃO DE CRISTO

 

182. São João Paulo II explicou que, entregando-nos em conjunto ao Coração de Cristo, «sobre as ruínas acumuladas pelo ódio e pela violência, poderá ser construída a civilização do amor tão desejada, o Reino do Coração de Cristo»; isto implica certamente que sejamos capazes de «unir o amor filial para com Deus ao amor do próximo»; pois bem, «é esta a verdadeira reparação pedida pelo Coração do Salvador». Junto a Cristo, sobre as ruínas que, com o nosso pecado, deixámos neste mundo, somos chamados a construir uma nova civilização do amor. Isto é reparar conforme o que o Coração de Cristo espera de nós. No meio do desastre deixado pelo mal, o Coração de Cristo quis precisar da nossa colaboração para reconstruir a bondade e a beleza.

 

183. É verdade que todo o pecado prejudica a Igreja e a sociedade, de modo que «a cada pecado pode atribuir-se indiscutivelmente o carácter de pecado social», embora isto seja especialmente verdade para alguns pecados que «constituem, pelo seu próprio objeto, uma agressão direta ao próximo». São João Paulo II explicou que a repetição destes pecados contra os outros acaba muitas vezes por consolidar uma “estrutura de pecado” que afeta o desenvolvimento dos povos. Frequentemente isto está inserido numa mentalidade dominante que considera normal ou racional o que não passa de egoísmo e indiferença. Este fenómeno pode definir-se como alienação social: «Alienada é a sociedade que, nas suas formas de organização social, de produção e de consumo, torna mais difícil a realização deste dom e a constituição dessa solidariedade inter-humana». Não é apenas uma norma moral que nos leva a resistir a estas estruturas sociais alienadas, a desnudá-las e a criar um dinamismo social que restaure e construa o bem, mas é a própria «conversão do coração» que «impõe a obrigação» de reparar tais estruturas. É a nossa resposta ao Coração amante de Jesus Cristo que nos ensina a amar.

 

184. Precisamente porque a reparação evangélica tem este forte significado social, os nossos atos de amor, de serviço e de reconciliação, para serem reparações eficazes, requerem que Cristo os impulsione, os motive e os torne possíveis. São João Paulo II dizia também que “para construir a civilização do amor”, a humanidade de hoje precisa do Coração de Cristo. A reparação cristã não pode ser entendida apenas como um conjunto de obras exteriores, que são indispensáveis e por vezes admiráveis. Exige uma espiritualidade, uma alma, um sentido que lhe dê força, impulso e criatividade incansável. Precisa da vida, do fogo e da luz que vêm do Coração de Cristo.

 

REPARAR OS CORAÇÕES FERIDOS

 

185. Por outro lado, uma reparação meramente exterior não é suficiente; nem para o mundo, nem para o Coração de Cristo. Se cada um pensar nos seus próprios pecados e nas consequências para os outros, descobrirá que reparar os danos causados a este mundo implica também o desejo de reparar os corações feridos, onde se produziu o dano mais profundo, a ferida mais dolorosa.

 

186. O espírito de reparação «convida-nos a esperar que cada ferida possa ser curada, por mais profunda que seja. A reparação completa parece por vezes impossível, quando se perdem definitivamente bens ou pessoas queridas, ou quando certas situações se tornam irreversíveis. Mas a intenção de reparar e de o fazer concretamente é essencial para o processo de reconciliação e para o regresso da paz ao coração».

 

A BELEZA DE PEDIR PERDÃO

 

187. Não bastam as boas intenções; é indispensável um dinamismo interior de desejo, que terá consequências externas. Em suma, «a reparação, para ser cristã, para tocar o coração da pessoa ofendida e não ser um simples ato de justiça comutativa, pressupõe duas atitudes exigentes: reconhecer a culpa e pedir perdão [...] É deste reconhecimento honesto do mal causado ao irmão, e do sentimento profundo e sincero de que o amor foi ferido, que nasce o desejo de reparar».

 

188. Não se deve pensar que reconhecer o próprio pecado perante os outros seja algo degradante ou prejudicial para a nossa dignidade humana. Pelo contrário, é deixar de mentir a si mesmo, é reconhecer a própria história tal como ela é, marcada pelo pecado, sobretudo quando fizemos mal aos nossos irmãos: «Acusar-se a si mesmo faz parte da sabedoria cristã. […] Isto agrada ao Senhor, porque o Senhor recebe o coração contrito».

 

189. Faz parte deste espírito de reparação o bom hábito de pedir perdão aos irmãos, que revela uma enorme nobreza no meio da nossa fragilidade. Pedir perdão é uma forma de curar as relações pois «reabre o diálogo e manifesta o desejo de restabelecer o vínculo da caridade fraterna […], toca o coração do irmão, consola-o e inspira-o a aceitar o perdão pedido. Assim, se o irreparável não pode ser completamente reparado, o amor pode sempre renascer, tornando a ferida suportável».

 

190. Um coração capaz de compaixão pode crescer em fraternidade e solidariedade, porque «quem não chora retrocede, envelhece interiormente, ao passo que a pessoa que chega a uma oração mais simples e íntima, feita de adoração e comoção diante de Deus, amadurece. Prende-se cada vez menos a si mesma e mais a Cristo, e torna-se pobre em espírito. Deste modo sente-se mais próxima dos pobres, os prediletos de Deus». Por conseguinte, surge um autêntico espírito de reparação, pois «quem está compungido no coração, sente-se cada vez mais irmão de todos os pecadores do mundo, sente-se mais irmão, sem qualquer aparência de superioridade nem dureza de juízo, mas sempre com desejo de amar e reparar». Esta solidariedade gerada pela compunção torna, ao mesmo tempo, possível a reconciliação. A pessoa capaz de compunção, «em vez de se irritar e escandalizar pelo mal feito pelos irmãos, chora pelos pecados deles. Não se escandaliza. Cumpre-se uma espécie de reviravolta: a tendência natural de ser indulgente consigo mesmo e inflexível com os outros inverte-se e, pela graça de Deus, a pessoa torna-se exigente consigo mesma e misericordiosa com os outros».

 

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