163. O alongamento da vida provocou algo que não era comum noutros tempos: a relação íntima e a mútua pertença devem ser mantidas durante quatro, cinco ou seis décadas, e isto gera a necessidade de renovar repetidas vezes a recíproca escolha. Talvez o cônjuge já não esteja apaixonado com um desejo sexual intenso que o atraia para outra pessoa, mas sente o prazer de lhe pertencer e que esta pessoa lhe pertença, de saber que não está só, de ter um «cúmplice» que conhece tudo da sua vida e da sua história e tudo partilha. É o companheiro no caminho da vida, com quem se pode enfrentar as dificuldades e gozar das coisas lindas. Também isto gera uma satisfação, que acompanha a decisão própria do amor conjugal. Não é possível prometer que teremos os mesmos sentimentos durante a vida inteira; mas podemos ter um projecto comum estável, comprometer-nos a amar-nos e a viver unidos até que a morte nos separe, e viver sempre uma rica intimidade. O amor, que nos prometemos, supera toda a emoção, sentimento ou estado de ânimo, embora possa incluí-los. É um querer-se bem mais profundo, com uma decisão do coração que envolve toda a existência. Assim, no meio dum conflito não resolvido e ainda que muitos sentimentos confusos girem pelo coração, mantém-se viva dia-a-dia a decisão de amar, de se pertencer, de partilhar a vida inteira e continuar a amar-se e perdoar-se. Cada um dos dois realiza um caminho de crescimento e mudança pessoal. No curso de tal caminho, o amor celebra cada passo, cada etapa nova.
164. Na história dum casal, a aparência física muda, mas isso não é motivo para que a atracção amorosa diminua. Um cônjuge enamora-se pela pessoa inteira do outro, com uma identidade própria, e não apenas pelo corpo, embora este corpo, independentemente do desgaste do tempo, nunca deixe de expressar de alguma forma aquela identidade pessoal que cativou o coração. Quando os outros já não podem reconhecer a beleza desta identidade, o cônjuge enamorado continua a ser capaz de a individuar com o instinto do amor, e o carinho não desaparece. Reitera a sua decisão de lhe pertencer, volta a escolhê-lo, e exprime esta escolha numa proximidade fiel e cheia de ternura. A nobreza da sua opção pelo outro, por ser intensa e profunda, desperta uma nova forma de emoção no cumprimento desta missão conjugal. Com efeito, «a emoção provocada por outro ser humano como pessoa (...) não tende, de per si, para o acto conjugal». Adquire outras expressões sensíveis, porque o amor «é uma única realidade, embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão sobressair mais». O vínculo encontra novas modalidades e exige a decisão de reatá-lo repetidamente; e não só para o conservar, mas para o fazer crescer. É o caminho de se construir dia após dia. Entretanto nada disto é possível, se não se invoca o Espírito Santo, se não se clama todos os dias pedindo a sua graça, se não se procura a sua força sobrenatural, se não Lhe fazemos presente o desejo de que derrame o seu fogo sobre o nosso amor para o fortalecer, orientar e transformar em cada nova situação.