AS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES NO DISCERNIMENTO PASTORAL

AS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES NO DISCERNIMENTO PASTORAL

301. Para se entender adequadamente por que é possível e necessário um discernimento especial nalgumas situações chamadas «irregulares», há uma questão que sempre se deve ter em conta, para nunca se pensar que se pretende diminuir as exigências do Evangelho. A Igreja possui uma sólida reflexão sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes. Por isso, já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada «irregular» vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante. Os limites não dependem simplesmente dum eventual desconhecimento da norma. Uma pessoa, mesmo conhecendo bem a norma, pode ter grande dificuldade em compreender «os valores inerentes à norma» ou pode encontrar-se em condições concretas que não lhe permitem agir de maneira diferente e tomar outras decisões sem uma nova culpa. Como bem se expressaram os Padres sinodais, «pode haver factores que limitam a capacidade de decisão». E São Tomás de Aquino reconhecia que alguém pode ter a graça e a caridade, mas é incapaz de exercitar bem alguma das virtudes, pelo que, embora possua todas as virtudes morais infusas, não manifesta com clareza a existência de alguma delas, porque a prática exterior dessa virtude está dificultada: «Diz-se que alguns Santos não têm certas virtudes, enquanto experimentam dificuldade em pô-las em acto, embora tenham os hábitos de todas as virtudes».

 

302. A propósito destes condicionamentos, o Catecismo da Igreja Católica exprime-se de maneira categórica: «A imputabilidade e responsabilidade dum acto podem ser diminuídas, e até anuladas, pela ignorância, a inadvertência, a violência, o medo, os hábitos, as afeições desordenadas e outros factores psíquicos ou sociais». E, noutro parágrafo, refere-se novamente às circunstâncias que atenuam a responsabilidade moral, nomeadamente «a imaturidade afectiva, a força de hábitos contraídos, o estado de angústia e outros fatores psíquicos ou sociais». Por esta razão, um juízo negativo sobre uma situação objetiva não implica um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa envolvida. No contexto destas convicções, considero muito apropriado aquilo que muitos Padres sinodais quiseram sustentar: «Em determinadas circunstâncias, as pessoas encontram grandes dificuldades para agir de maneira diferente. (...) O discernimento pastoral, embora tendo em conta a consciência rectamente formada das pessoas, deve ocupar-se destas situações. As próprias consequências dos actos praticados não são necessariamente as mesmas em todos os casos».

 

303. A partir do reconhecimento do peso dos condicionamentos concretos, podemos acrescentar que a consciência das pessoas deve ser melhor incorporada na práxis da Igreja em algumas situações que não realizam objetivamente a nossa conceção do matrimónio. É claro que devemos incentivar o amadurecimento duma consciência esclarecida, formada e acompanhada pelo discernimento responsável e sério do pastor, e propor uma confiança cada vez maior na graça. Mas esta consciência pode reconhecer não só que uma situação não corresponde objectivamente à proposta geral do Evangelho, mas reconhecer também, com sinceridade e honestidade, aquilo que, por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus e descobrir com certa segurança moral que esta é a doação que o próprio Deus está a pedir no meio da complexidade concreta dos limites, embora não seja ainda plenamente o ideal objectivo. Em todo o caso, lembremo-nos que este discernimento é dinâmico e deve permanecer sempre aberto para novas etapas de crescimento e novas decisões que permitam realizar o ideal de forma mais completa.

 

VOLTAR PARA O ÍNDICE DE AMORIS LÆTITIA