904. Enfim, no que diz respeito à satisfação, a qual, como todas as demais partes da Penitência, de um lado sempre foi em todo o tempo recomendada ao povo cristão pelos nossos Santíssimos Padres, por outro lado nesta nossa idade, sob o pretexto de piedade, é impugnada por aqueles que têm aparências de piedade, porém negaram a sua virtude (2 Tim 3, 5), declara o santo Concilio ser totalmente falso e alheio à palavra de Deus afirmar que o Senhor nunca perdoa a culpa, sem que também se perdoe toda a pena [cân. 12 e 15]. Claros são os exemplos que se acham nas Sagradas Letras, com o que, além da Tradição divina, manifestamente se evidencia e se refuta este erro (cfr. Gen 3, 16 ss; Num 12, 14 s; 20, 11 s; 2 Rs 12, 13 s, etc.). E na verdade, a razão da justiça divina parece requerer que de um modo diverso recebam do Senhor a graça os que por ignorância pecaram antes do Batismo, e de outro os que, uma vez libertados da escravidão do pecado e do demônio, e tendo recebido o dom do Espírito Santo, cientes do que fazem, não recearam violar o templo de Deus (1 Cor 3, 17) e contristar o Espirito Santo (Ef 4, 30). E também convém à divina clemência que os pecados não nos sejam perdoados sem alguma satisfação, a fim de que, apresentando-se a ocasião (Rom 7, 8), julgando esses pecados leves, não caiamos em maiores culpas, [mostrando-nos] injuriosos e contumeliosos ao Espirito Santo (Heb 10, 29), entesourando assim ira para o dia da ira (Rom 2, 5; Tg 5, 3). Estas penas satisfatórias servem certamente para apartar sumamente do pecado e constituem como que um freio a reprimir os penitentes, fazendo-os mais acautelados e vigilantes para o futuro; curando também os remanescentes do pecado com atos de virtude contrários aos hábitos viciosos que adquiriram vivendo mal. Nem jamais na Igreja de Deus se entendeu haver caminho algum mais seguro para apartar o iminente castigo do Senhor, do que praticarem os homens estas obras de penitência com verdadeira dor de alma (Mt 3, 28; 4, 17; 11, 21, etc.). A isto acresce que, quando satisfazemos padecendo pelos pecados, fazemo-nos conformes a Cristo Jesus, que satisfez pelos nossos pecados (Rom 5, 10; l Jo 2, 1 s), do qual procede toda a nossa suficiência (2 Cor 3, 5), recebendo daqui um certíssimo penhor de que, se padecemos com ele, com ele seremos glorificadas (cfr. Rom 8, 17). Nem se deve dizer que esta nossa satisfação, com que pagamos pelos nossos pecados, é tal, que não seja por Cristo Jesus; pois, não podendo coisa alguma por nós mesmos, tudo podemos com a cooperação daquele que nos conforta (cfr. Filip 4, 13). E assim não tem o homem de que se gloriar, mas toda a nossa glória (cfr. l Cor l, 31; 2 Cor 10, 17; Gal 6, 14) está em Cristo, em que vivemos e em quem nos movemos (cfr. At 17, 28), em quem satisfazemos, produzindo dignos frutos de penitência (Lc 3, 8), que dele tiram a sua virtude, por ele são oferecidos ao Pai e por ele aceitos pelo Pai [cân. 13 s].
905. Devem, pois, os sacerdotes do Senhor, quanto lhes inspirar o espírito e a prudência, conforme a qualidade dos delitos e faculdades dos penitentes, impor-lhes satisfações salutares e convenientes, para que não se façam participantes dos pecados alheios, se por acaso dissimularem os pecados e usarem mais indulgência com os penitentes, impondo-lhes penitências demasiado leves por delitos muito graves (cfr. l Tim 5, 22). Atendam sempre a que a satisfação imposta não sirva somente para resguardar a nova vida e curar da enfermidade, mas também para vingança e castigo dos pecados passados. Porque os antigos Padres crêem e ensinam que as chaves foram concedidas aos sacerdotes não somente para desatar, mas também para ligar (cfr. Mt 16, 19; 18, 18; Jo 20, 23) [cân. 15]. E nem por isso julgaram eles que o sacramento da Penitência é o tribunal da ira ou do castigo; da mesma forma como nenhum católico jamais entendeu que com estas nossas satisfações se obscurece ou diminui em parte a eficácia do merecimento ou a satisfação de Nosso Senhor Jesus Cristo, a despeito dos Inovadores que dizem que a melhor penitência é a nova vida, e assim tiram toda a virtude e uso da satisfação [cân. 13].
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