CAPÍTULO 17. DE COMO NEM TODAS AS ALMAS SÃO PARA A CONTEMPLAÇÃO E COMO ALGUMAS CHEGAM ELA TARDE E QUE O VERDADEIRO HUMILDE HÁ-DE IR CONTENTE PELO CAMINHO POR ONDE LEVAR O SENHOR.

CAPÍTULO 17. DE COMO NEM TODAS AS ALMAS SÃO PARA A CONTEMPLAÇÃO E COMO ALGUMAS CHEGAM ELA TARDE E QUE O VERDADEIRO HUMILDE HÁ-DE IR CONTENTE PELO CAMINHO POR ONDE LEVAR O SENHOR.

 

1. Parece que vou entrando na oração, mas falta-me um pouco por dizer que importa muito, porque é da humildade e é necessário nesta casa; porque é o exercício principal da oração e, como disse, importa muito qu trateis de entender como exercitar-vos na humildade. E este é um pont muito importante dela e muito necessário para todas as pessoas que se exei citam na oração. Como poderá o verdadeiro humilde pensar que é tão boi como os que chegam a ser contemplativos? Que Deus o pode fazer ta sim, por Sua bondade e misericórdia. Mas, a meu conselho, ponha-se sempre no lugar mais baixo, que assim nos disse o Senhor o fizéssemos e no-lo ensinou por obra.; Disponha-se para ir por esse caminho, se Deus o quis levar por ele. Quando Ele não o quiser, para isso é a humildade; e cada uir de vós- tenha-se por ditosa em servir as servas do Senhor e louva-lO porque, merecendo ser serva dos demónios no inferno, a trouxe Sua Maje tade para junto delas.

 

2. Não digo isto sem grande causa, porque, como tenho dito, é coisa que importa muito entender que Deus não leva a todos por um só caminho e, porventura, aquele a quem parecer que vai por um muito mais baixo, es mais alto aos olhos do Senhor. Assim, nem porque nesta casa todas tratem de oração, hão-de ser todas contemplativas. É impossível. E será grande desconsolo para a que não é, não entender esta verdade, que isto é coisa dada por Deus. E, pois não é necessária à salvação, nem Ele no-la pede, não pense que lha exigirá alguém; e não deixará de ser por isso muito perfeita, se fizer o que fica dito: até poderá ser que tenha muito mais mérito por isso ser com mais trabalho seu, e a leva o Senhor como a forte e tem-lhe guardado, para lhe dar por junto, tudo o que não goza aqui. Não esmoreça por isso, nem deixe a oração e de fazer o mesmo que todas, que, às vezes, vem o Senhor muito tarde e paga tão bem e tão por junto, como em muitos anos tem dado a outros.

 

3. Eu estive mais de catorze que não podia ter nem mesmo meditação sem recorrer à leitura. Haverá muitas pessoas deste teor, e outras que, embora seja com leitura, não podem ter meditação, senão só rezar vocalmente, e nisto se detêm mais. Há pensamentos tão ligeiros, que não se podem fixar numa coisa, mas sempre desassossegados, e em tal extremo que, se querem detê-lo a pensar em Deus, se lhes vai a mil disparates e escrúpulos e dúvidas. Eu conheço uma pessoa bem idosa, de vida muito boa, penitente e muito serva de Deus, e emprega muitas horas, há muitos anos, em oração vocal, e na mental não há remédio; quando mais pode, pouco a pouco, vai-se detendo nas orações vocais. E outras muitas pessoas há deste género e, se têm humildade, não creio que no fim fiquem pior servidas, senão muito a par das que têm muitos gostos; e, em parte, com mais segurança, porque não sabemos se os gostos são de Deus ou se os põe o demónio. E se não são de Deus, é maior o perigo, porque, o que o demónio aqui procura, é incutir soberba; mas, se são de Deus, não há que temer; consigo trazem humildade, como escrevi largamente no outro livro.

 

4. Estes outros andam com humildade e suspeitosos de que seja por sua culpa, sempre com cuidado de ir adiante. Não vêem a outros chorar uma lágrima, se as não têm, que não lhes pareça estar muito atrás no serviço de Deus, e devem estar, porventura, muito mais adiante; porque as lágrimas, ainda que boas, não são todas perfeitas; e na humildade, mortificação, desapego e noutras virtudes, sempre há mais segurança. Não há que temer, nem tenhais medo que deixeis de chegar à perfeição como os muito contemplativos.

 

5. Santa era santa Marta, e não dizem que fosse contemplativa. Pois, que mais quereis do que chegar a ser como esta bem-aventurada, que mereceu ter a Cristo Nosso Senhor tantas vezes em sua casa e dar-Lhe de comer e servi-lO e comer com Ele à sua mesa? Se se ficasse como a Madalena, embevecida, não teria havido quem desse de comer a este divino Hóspede. Pois pensai que esta Congregação é a casa de Santa Marta e que há-de haver de tudo. As que forem levadas pela vida activa, não murmurem das que se embeberem na contemplação, pois sabem que, ainda que elas se calem, o Senhor há-de tomar-lhes a defesa, pois, pela maior parte, as faz descuidar de si e de tudo.

 

6. Lembrem-se que é necessário haver quem Lhe guise a comida, e tenham-se por ditosas de O andar a servir como Marta. Olhem que a verdadeira humildade consiste, em grande parte, em estar muito pronto em se contentar com o que o Senhor quiser fazer de cada um de nós, achando-nos sempre indignos de nos chamarmos Seus servos. Pois, se contemplar e ter oração mental e vocal, e cuidar dos enfermos, e servir nas coisas de casa e trabalhar, - mesmo no mais humilde -, se tudo é servir o Hóspede que vem estar, comer e recrearse connosco, que mais se nos dá que seja nisto ou naquilo?

 

7. Não digo que falhe pela nossa parte, mas que vos exerciteis em tudo, porque não está isto no vosso escolher, senão no do Senhor; mas, se depois de muitos anos, quiser a cada uma para seu ofício, bonita humildade seria quererdes escolher! Deixai o Senhor da casa fazer o que quiser: sábio é Ele e poderoso e entende o que nos convém e o que Lhe convém a Ele também. Estai certas que, fazendo o que está da vossa parte, e preparando-vos para a contemplação com a perfeição que fica dita, se Ele não vo-la dá (e creio não deixará de dar, se é verdadeiro o desapego e a humildade), é que vos tem guardado este regalo para vo-lo dar por junto no Céu, e - como já disse de outra vez - quer levar-vos como a fortes, dandovos a cruz, como Sua Majestade sempre aqui teve. E que maior amizade do que querer para vós o que quis para Si? E poderia ser que não tivésseis tão grande prémio na contemplação. São juízos seus, não há para que nos metermos neles. Grande bem é que não fique à nossa escolha, pois logo -como nos parece de mais descanso - seríamos todos grandes contemplatívos. Oh! Grande ganho não querer ganhar segundo o nosso parecer para não temer perda, pois nunca Deus permite que a tenha o bem mortificado, se não para ganhar mais!

 

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