CAPÍTULO II SEGUINDO O CAMINHO DE JESUS CRISTO NA OCEÂNIA

CAPÍTULO II   SEGUINDO O CAMINHO DE JESUS CRISTO NA OCEÂNIA

« Um pouco mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, os quais, com seu pai Zebedeu, compunham as redes dentro do barco. Chamou-os, e eles, deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-n'O » (Mt 4, 21-22).

 

A IGREJA COMO COMMUNIO

 

MISTÉRIO E DOM

 

10. Quando caminhava ao longo das margens do mar da Galileia, Jesus chamou alguns a trilharem a via do discipulado: convidou-os a segui-Lo, a caminhar pelos seus passos. « A Igreja, movida pelo Espírito Santo, deve caminhar pela mesma via de Cristo; e Igreja quer dizer todos nós unidos como um corpo que recebe o seu influxo vital do Senhor Jesus ». O caminho de Jesus é sempre a estrada da missão; Ele convida agora os seus seguidores a proclamarem de novo o Evangelho aos povos da Oceânia para que se possam encontrar, em mútuo enriquecimento, a cultura e a pregação do Evangelho, e a Boa Nova seja mais profundamente ouvida, acreditada e vivida. Esta missão está radicada no mistério da comunhão.

 

O Concílio Vaticano II viu a noção de communio como particularmente adequada para exprimir o mistério profundo da Igreja; e a Assembleia Sinodal Extraordinária de 1985 fez-nos tomar maior consciência da communio como o verdadeiro coração da Igreja. Do mesmo modo também os Padres Sinodais declararam que a Igreja é essencialmente mistério de comunhão, povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Esta participação na vida da Santíssima Trindade é « a fonte e a inspiração de todo o relacionamento cristão e das várias formas de comunidade cristã ». Esta concepção foi o pressuposto doutrinal e espiritual de todas as deliberações do Sínodo, tendo sido « completada e ilustrada pela noção da Igreja como povo de Deus e comunidade de discípulos. Enquanto comunhão, a Igreja reconhece a igualdade básica de todo o fiel cristão, seja ele leigo, religioso ou ordenado. A comunhão é modelada e animada pelos dons do Espírito Santo, tanto ministeriais como carismáticos ».

 

A communio da Igreja é um dom da Santíssima Trindade, cuja profunda vida íntima é maravilhosamente oferecida à humanidade; aquela é o fruto da iniciativa amorosa de Deus que se realizou no mistério pascal de Cristo, pelo qual a Igreja participa na communio de amor entre o Pai e o Filho no Espírito Santo. « O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi concedido » (Rom 5, 5). No dia de Pentecostes, cumpriu-se plenamente a Páscoa de Cristo com a efusão do Espírito, e com Ele as primícias da nossa herança, a participação na vida do Deus Uno e Trino, que nos permite amar « como Deus nos amou a nós » (1 Jo 4, 11).

 

A IGREJA PARTICULAR E UNIVERSAL

 

11. Durante a Assembleia Sinodal, os bispos deram espaço de modo particular à noção de Igreja como communio: puseram em relevo os aspectos de pertença e de relação interpessoal fundados na concepção da Igreja como povo de Deus. A communio eclesial é manifestada e vivida de modo especial na Igreja particular congregada à volta do bispo, de cuja missão são colaboradoras as pessoas. Como pastor, cada bispo procura promover esta communio através do seu ministério, que é uma participação no múnus pastoral, profético e sacerdotal de Cristo. O sinal e o efeito desta communio está descrito nos Actos dos Apóstolos: « A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma » (4, 32). Os Padres Sinodais viram uma expressão prática deste espírito na preparação do plano pastoral diocesano em conjunto com os fiéis e as suas organizações. Isto fará com que o plano se alimente da espiritualidade da communio promovida pelo Concílio Vaticano II.

 

A communio entre as Igrejas particulares baseia-se na unidade da fé, do baptismo e da eucaristia, e ainda na unidade do episcopado. Aquela engloba todas as Igrejas particulares através dos respectivos bispos, unidos ao Bispo de Roma, cabeça visível da Igreja. « O Colégio Episcopal unido ao Sucessor de Pedro proporciona uma autêntica expressão desta comunhão eclesial ». A unidade do episcopado perpetua-se, no desenrolar dos séculos, através da sucessão apostólica; esta é, em cada época, o fundamento da identidade da Igreja, estabelecida por Cristo sobre Pedro e o colégio dos Apóstolos. O Sucessor de Pedro é, de facto, « o princípio duradouro de unidade e o fundamento visível » da Igreja. O próprio Senhor encarregou Pedro e seus sucessores de confirmar os irmãos na fé (cf. Lc 22, 32) e apascentar o rebanho de Cristo (cf. Jo 21, 15-17). « Existe entre os bispos um vínculo que exprime de modo pessoal e colegial a comunhão - a koinonia - que caracteriza toda a vida da Igreja. (...) Juntos, no Colégio Episcopal, eles participam no ministério de promover a unidade do povo de Deus na fé e na caridade ». O Sínodo manifestou a esperança de que a ligação entre as Igrejas particulares e a Igreja universal, particularmente a Santa Sé, revele e fortaleça a communio, desenvolvendo-se no devido respeito tanto pelo ministério petrino da unidade como pelas Igrejas particulares. As Igrejas particulares da Oceânia sabem que participam na communio da Igreja universal, considerando-o como um motivo de regozijo: apesar da vastidão de culturas diversas e das grandes distâncias na Oceânia, os bispos locais têm consciência de estar unidos entre si e com o Bispo de Roma, vendo isto também como um grande dom. « Entre o Sucessor de Pedro e os sucessores dos outros Apóstolos existe verdadeiramente um profundo laço espiritual e pastoral: é a nossa colegialidade afectiva e efectiva. Oxalá encontremos sempre as maneiras de nos apoiarmos uns aos outros nos nossos esforços conjuntos para a construção da Igreja e para vivermos esta comunhão no serviço e na fé ». Como irmãos no Colégio dos Bispos, os Padres Sinodais exprimiram o firme desejo de reforçar a sua união com o Bispo de Roma, propósito esse que não podia deixar de comover e animar o Sucessor de Pedro.

 

MÚTUO ENRIQUECIMENTO

 

12. Um sinal e instrumento de colegialidade e comunhão entre os bispos é a Conferência Episcopal, « uma santa colaboração de esforços para bem comum das Igrejas », que de muitos modos contribui para a realização concreta do espírito de colegialidade. Há numerosas áreas onde a Conferência dos Bispos tem estabelecido frutuosas relações. A permuta de dons é característica de muitas partes da Oceânia, podendo servir como modelo positivo para as relações dos bispos do Continente entre si e com outros. Este modelo encoraja um intercâmbio de dons espirituais que fomente relações de amor, respeito e confiança recíprocos. As bases para instaurar um franco diálogo são a partilha e a consulta enquanto expressões práticas da communio que caracteriza a Igreja.

 

As Igrejas Católicas Orientais chegaram à Oceânia em tempos relativamente recentes, tendo-se consolidado como uma rica expressão de catolicidade em várias partes da Oceânia, sobretudo na Austrália. « Com a sua história e tradição únicas, elas dão um significativo testemunho da diversidade e unidade da Igreja universal ». No Sínodo, as Igrejas Católicas Orientais reconheceram ter usufruído da generosidade da Igreja Católica Latina na Oceânia; ao longo dos anos e em circunstâncias frequentemente difíceis, bispos, sacerdotes e paróquias ofereceram-lhes hospitalidade nas igrejas e escolas, e os vínculos de amizade e cooperação perduram a todos os níveis. Contudo estas Igrejas são vulneráveis devido ao número relativamente pequeno de fiéis e às grandes distâncias que as separam da respectiva Igreja-Mãe, podendo os seus membros sentir-se pressionados ou tentados a assimilar-se à Igreja Latina predominante. No Sínodo, porém, os bispos latinos da Oceânia manifestaram claramente o desejo de estimar, compreender e promover as tradições, a liturgia, a disciplina e a teologia das Igrejas Católicas Orientais. Por isso, é importante incrementar entre os católicos latinos o conhecimento e compreensão das riquezas das Igrejas Orientais Católicas.

 

O desafio que se apresenta à Igreja na Oceânia é chegar a uma compreensão mais profunda da communio local e universal e a uma maior concretização das suas implicações práticas. O meu predecessor Paulo VI resumiu tal desafio nestes termos: « O primeiro aspecto desta comunhão, desta unidade, é o da fé. A unidade na fé é necessária e fundamental (...). O segundo aspecto da comunhão católica é o da caridade. (...) Devemos praticar uma caridade mais consciente e operosa nos [vários] campos eclesiais ». Os povos da Oceânia instintivamente têm um forte sentido da comunidade; mas é necessária a unidade na fé, se se quer superar o conflito e o ódio com a reconciliação e o amor. Nas culturas mais ocidentalizadas, as instituições sociais sentem-se sob pressão, e as pessoas anelam por uma vida mais digna do ser humano. Perante o individualismo que ameaça corroer o edifício da sociedade humana, a Igreja oferece-se a si mesma como sacramento que cura, como morada de communio que dá resposta às carências mais profundas do coração. Um tal dom é hoje claramente necessário entre os povos da Oceânia.

 

COMUNHÃO E MISSÃO

 

CHAMAMENTO À MISSÃO

 

13. A Igreja na Oceânia recebeu o Evangelho de anteriores gerações de cristãos e de missionários vindos de além-mar. O Sínodo prestou homenagem a tantos missionários C sacerdotes, religiosos e religiosas e leigos também C que gastaram as suas vidas na transmissão do Evangelho neste Continente; o seu sacrifício, por graça de Deus, deu muito fruto. Quando receberam a plenitude da redenção em Cristo, os povos da Oceânia encontraram um símbolo admirável no firmamento estrelado, o Cruzeiro do Sul, que permanece como sinal luminoso da graça e bênção de Deus que a todos abraça. A geração cristã actual é chamada e enviada a realizar uma nova evangelização no meio dos povos da Oceânia, uma nova proclamação daquela verdade duradoura evocada pelo símbolo do Cruzeiro do Sul. Este chamamento à missão coloca grandes desafios, mas abre também novos horizontes, cheios de esperança e até uma sensação de aventura.

 

Tal chamamento é dirigido a cada membro da Igreja. « Toda a Igreja é missionária, porque a actividade missionária (...) é uma parte integrante da sua vocação ». Alguns membros da Igreja são enviados a povos que nunca ouviram falar de Jesus Cristo, e a sua missão permanece vital hoje como sempre; mas muitos mais são enviados a evangelizar o seu próprio ambiente, tendo os Padres Sinodais sublinhado repetidamente a missão dos fiéis leigos: na família, no emprego, na escola, nas actividades públicas, todos os cristãos podem ajudar a levar a Boa Nova ao mundo onde vivem.

 

Uma comunidade cristã não deve pensar simplesmente em ser um lugar confortável para os seus membros; os Padres Sinodais animaram as comunidades locais a olharem para além dos seus interesses imediatos interessando-se pelos outros. A paróquia enquanto comunidade não pode isolar-se das realidades que a circundam; pelo contrário, deve estar atenta aos problemas de justiça social e à fome espiritual da sociedade. O que Jesus oferece aos seus seguidores deve ser partilhado com todos os povos da Oceânia em qualquer situação que se encontrem, porque só n'Ele existe a plenitude da vida.

 

DESAFIOS

 

14. Os Padres Sinodais manifestaram ardentemente o desejo de ver Jesus Cristo escutado e compreendido pelas pessoas confiadas aos seus cuidados e por muitos mais; concluíram que há necessidade de ir ao encontro daqueles que vivem com suas esperanças e anseios insatisfeitos, dos cristãos só de nome, e de quantos se afastaram da Igreja devido talvez a experiências negativas. Dever-se-ia fazer todo o esforço possível por sarar tais feridas e fazer voltar ao aprisco a ovelha perdida.

 

E sobretudo os Padres Sinodais quiseram tocar os corações dos jovens, sabendo que muitos deles andam à procura de verdade e felicidade; nesta busca, podem abandonar-se aos atractivos e apelos do mundo actual, alguns dos quais são francamente nocivos. Isto acaba por gerar neles a confusão, privados como estão do conhecimento dos autênticos valores e onde encontrar a verdadeira felicidade. O grande desafio e oportunidade é oferecer-lhes os dons de Jesus Cristo na Igreja, os únicos capazes de satisfazer os seus anelos. Mas, esta apresentação de Cristo deve ser feita de forma apropriada à nova geração que se ressente das rápidas mudanças da cultura ambiental.

 

Às vezes a Igreja Católica é considerada portadora duma mensagem irrelevante, que não atrai nem convence; jamais poderemos deixar que tais vozes minem a nossa confiança, porque nós encontrámos a pérola de grande valor (cf. Mt13, 46). Mas não foi para a guardarmos só para nós; a Igreja é desafiada a traduzir a Boa Nova para os povos da Oceânia segundo as suas urgências e condições actuais: temos de apresentar Cristo ao mundo de modo a dar esperança a tantos que sofrem a desolação, a injustiça, a pobreza. De facto, Ele é um mistério de vida nova para todos os que passam necessidade ou vivem na amargura, para as famílias desfeitas ou pessoas sem emprego, marginalizadas, feridas na alma ou no corpo, doentes ou escravas da droga, e para quantos se extraviaram. Este mistério de graça, mysterium pietatis, é o verdadeiro coração da Igreja e da sua missão.

 

UMA IGREJA PARTICIPATIVA

 

15. Nas comunidades católicas da Oceânia, vai crescendo a convicção do muito que têm para oferecer à Igreja universal, a qual, por sua vez, rejubila com os dons especiais destas comunidades. Muitas delas estão empenhadas na expansão missionária quer na Oceânia quer fora, nas ilhas do Pacífico e Papuásia-Nova Guiné, no sudeste asiático e em regiões da terra ainda mais distantes. Igrejas particulares, fundadas por missionários, começam por sua vez a enviar missionários, e isto é um sinal inequívoco de maturidade. Assumiram aquela mensagem que o Papa Paulo VI enviou, com o povo de Samoa, aos católicos do mundo inteiro: « Atendei o apelo que fazemos para vos tornardes arautos da Boa Nova da salvação ». Cumpriu-se o voto que formulei aos bispos da Conferência Episcopal do Pacífico, quando visitei Suva no ano 1986: « As Igrejas instituídas por missionários possam por sua vez enviar muitos missionários a outras nações ». É verdade que algumas dioceses da Oceânia estão ainda dependentes da solidariedade doutras Igrejas particulares, mas a falta de recursos não deveria ser motivo para refrearem a própria generosidade no cumprimento da sua missão. A partilha de recursos para o bem de todos é uma grave obrigação da vida do cristão e às vezes uma urgente necessidade da missão cristã.

 

Em muitas ilhas da Oceânia, os catequistas estão a ajudar os sacerdotes no seu trabalho missionário ou pastoral. Na Austrália e Nova Zelândia, os catequistas ensinam as verdades da fé na comunidade local, sobretudo às crianças e aos catecúmenos, e « são (...) testemunhas directas, evangelizadores insubstituíveis, que representam a força basilar das comunidades cristãs ». Muitas vezes estes obreiros leigos são de grande validade, porque vivem e trabalham junto das pessoas na sua vida de todos os dias, e « eles deram e continuam a dar um contributo verdadeiramente insubstituível para a vida e missão da Igreja ». Em muitas ilhas, os catequistas são preparados não só para ensinar mas também para dirigir a comunidade em oração e evangelizar para além dos confins da comunidade católica. Nas culturas tradicionais, muitas vezes a doutrina é comunicada melhor oralmente através de narração de histórias, de pregação, de oração feita de palavras, música e dança; para orientar e promover este tipo de actividade, são necessários cursos, programas e retiros especiais. Urge agora apresentar Jesus Cristo àqueles cuja fé se debilitou sob a pressão da secularização e do consumismo e que tendem a considerar a Igreja apenas como uma das muitas instituições da sociedade moderna que influenciam o pensamento e o comportamento das pessoas. Em tal situação, a Igreja precisa de dirigentes e teólogos bem preparados para apresentarem Jesus Cristo de forma persuasiva aos povos da Oceânia.

 

Foi maravilhoso ouvir, durante a Assembleia, muitos bispos falarem dos programas de renovação cristã nas suas dioceses e do aprofundamento da fé que os mesmos oferecem aos seus fiéis. Um dos traços salientes de tais programas é a numerosa participação dos leigos. Estamos todos agradecidos a Deus pelos vários dons que concedeu aos leigos, homens e mulheres, para cumprirem a sua missão, tendo eles recebido um chamamento não só à acção e ao serviço, mas também à oração. Eles e seus pastores são encorajados a prosseguirem com vigoroso ardor, proclamando Jesus Cristo ao seu povo com renovada convicção. As comunidades católicas na Oceânia fazem já grandes esforços para irem ao encontro dos outros, proclamando e vivendo a Boa Nova; os Padres Sinodais manifestaram profundo apreço por estes esforços e um forte apoio a quantos estão prontos a oferecer-se para trabalhar na missão da Igreja. A eles me associo rezando por estes trabalhadores da vinha do Senhor para que possam encontrar satisfação e alegria no trabalho a que o próprio Deus os chamou.

 

Muitos outros desafios se apresentam aos membros da Igreja, sobretudo aos que têm a seu cargo responsabilidades pastorais. Cientes das limitações de todo o esforço humano, os Padres Sinodais não se deixaram abater, mas fizeram apelo à certeza simples e forte que lhes deu o Senhor ressuscitado; de facto, quando enviou os Apóstolos a pregar a Boa Nova a todas as nações, Ele disse: « Eu estarei sempre convosco, até ao fim do mundo » (Mt 28, 20). Desta promessa divina, brotou uma esperança nova para os bispos, a braços com os numerosos desafios que têm de enfrentar para pregar Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida; e convidaram todos os católicos da Oceânia a unirem-se a eles nesta esperança.

 

O EVANGELHO E A CULTURA

 

INCULTURAÇÃO

 

16. Os Padres Sinodais puseram muitas vezes em realce a importância que tem a inculturação para uma autêntica vida cristã na Oceânia. O processo de inculturação é o itinerário gradual pelo qual o Evangelho se encarna nas várias culturas. Por um lado, há alguns valores culturais que devem ser transformados e purificados, se se deseja que encontrem lugar numa cultura genuinamente cristã; por outro, há valores cristãos que facilmente criam raízes nas várias culturas. A inculturação nasce do respeito tanto pelo Evangelho como pela cultura onde é proclamado e acolhido. O processo de inculturação começou na Oceânia quando os imigrantes ali chegaram com a fé cristã da sua pátria. Para os povos indígenas da Oceânia, a inculturação significou um novo diálogo entre o mundo que tinham conhecido e a fé que abraçaram. Em consequência disso, a Oceânia oferece muitos exemplos de expressões culturais específicas nas áreas da teologia e liturgia e no uso de símbolos religiosos. Os Padres Sinodais viram uma maior inculturação da fé cristã como o caminho principal para a plenitude da communio eclesial.

 

A autêntica inculturação da fé cristã funda-se no mistério da Encarnação. « Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único » (Jo 3, 16); foi num tempo e lugar determinado que o Filho de Deus encarnou, « nascido de mulher » (Gal 4, 4). Com a finalidade de preparar este importante acontecimento, Deus escolheu um povo com uma cultura específica e guiou a sua história rumo à Encarnação. O que Deus fez no meio do seu povo eleito mostra aquilo que Ele tenciona fazer pela humanidade inteira, por cada povo e cada cultura. A Sagrada Escritura narra-nos a história de Deus que actua no meio do seu povo; sobretudo conta-nos a história de Jesus Cristo, no qual Deus em pessoa entrou no mundo e nas suas múltiplas culturas. Em tudo o que disse e fez, mas especialmente na sua morte e ressurreição, Jesus revelou o amor divino pela humanidade. Do mais fundo da história humana, a existência de Jesus fala ao povo não só do seu tempo e cultura mas de todos os tempos e culturas. Ele é para sempre o Verbo que Se fez carne em favor de todo o mundo; é o Evangelho que foi levado à Oceânia e que deve ser novamente proclamado agora.

 

O Verbo feito carne não é estranho à cultura e deve ser anunciado a todas as culturas. Este « processo de encontro e comparação com as culturas é uma experiência que a Igreja vive desde os começos da pregação do Evangelho ». Tal como o Verbo feito carne entrou na história e habitou entre nós, assim também o seu Evangelho penetra profundamente na vida e cultura daqueles que o ouvem, aderem e acreditam. A inculturação, a « encarnação » do Evangelho nas diversas culturas, condiciona o próprio modo de proclamar, compreender e viver o Evangelho. A Igreja ensina a verdade imutável de Deus enquadrada na história e cultura dum povo concreto. Por isso, a fé cristã será vivida duma forma específica em cada cultura. Os Padres Sinodais tinham a certeza de que a Igreja, nos seus esforços por apresentar eficazmente Jesus Cristo aos povos da Oceânia, tem de respeitar cada cultura sem nunca pedir à gente que renuncie a ela. Na verdade, ela convida todos os povos a exprimirem a palavra viva de Jesus em fórmulas capazes de falar à sua mente e coração. « O Evangelho não é contrário a esta ou àquela cultura como se quisesse, ao encontrar-se com ela, privá-la daquilo que lhe pertence, e a obrigasse a assumir formas extrínsecas que lhe são estranhas ». É vital que a Igreja penetre completamente numa cultura e, a partir de dentro, realize o processo de purificação e transformação.

 

Uma autêntica inculturação do Evangelho possui um duplo aspecto: por um lado, cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido; por outro, o Evangelho desafia as culturas exigindo-lhes a mudança de alguns valores e formas. Tal como o Filho de Deus Se fez semelhante a nós em tudo excepto no pecado (cf. Heb 4, 15), assim a fé cristã acolhe e promove tudo o que é genuinamente humano, ao mesmo tempo que rejeita tudo o que for pecado. O processo de inculturação envolve Evangelho e cultura « num diálogo, que inclui a identificação do que é de Cristo e do que não o é ». Cada cultura necessita de ser purificada e transformada pelos valores revelados no mistério pascal de Cristo. Deste modo, as formas e valores positivos que se encontram nas culturas da Oceânia hão-de enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido. O Evangelho « é uma forma real de libertação de toda a desordem introduzida pelo pecado e, simultaneamente, uma chamada à verdade plena. Neste encontro, as culturas não são privadas de nada, antes são estimuladas a abrirem-se à novidade da verdade evangélica, de que recebem impulso para novos progressos ». Transformadas pelo Espírito de Cristo, estas culturas alcançam aquela plenitude de vida para a qual sempre apontaram os seus valores mais profundos e pela qual sempre ansiou o seu povo. Sem Cristo, de facto, não há cultura humana que possa tornar-se naquilo que é verdadeiramente.

 

A SITUAÇÃO ACTUAL

 

17. Nos tempos recentes, a Igreja tem fomentado vigorosamente a inculturação da fé cristã. A tal respeito, o Papa Paulo VI, quando visitou a Oceânia, reafirmou que o catolicismo « não só não sufoca tudo o que existe de bom e de original em cada uma das formas da cultura humana, mas acolhe, respeita e valoriza as características de cada povo, revestindo assim de variedade e de beleza a única veste inconsútil da Igreja de Cristo ». Fiz-me eco destas palavras, quando encontrei os aborígenes da Austrália: « O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo fala todas as línguas. Estima e abraça todas as culturas. Apoia-as em tudo o que é humano e, quando necessário, purifica-as. O Evangelho exalta e enriquece sempre e em toda a parte as culturas com a mensagem revelada de um Deus amoroso e misericordioso ». Os Padres Sinodais pediram que a Igreja na Oceânia desenvolva uma compreensão e exposição da verdade de Cristo partindo das tradições e culturas locais. Em terras de missão, todos os missionários são instados a trabalhar de harmonia com os cristãos indígenas para garantir que a doutrina e a vida da Igreja sejam expressas em formas legítimas e apropriadas a cada cultura.

 

Desde quando chegaram os primeiros imigrantes e missionários, a Igreja na Oceânia esteve inevitavelmente envolvida num processo de inculturação no seio das numerosas culturas da região, que frequentemente existem lado a lado. Atentos aos sinais dos tempos, os Padres Sinodais « reconheceram que as numerosas culturas, cada uma a seu modo, fornecem perspectivas que ajudam a Igreja a compreender e exprimir melhor o Evangelho de Jesus Cristo ».

 

Na condução deste processo, exige-se fidelidade a Cristo e à Tradição autêntica da Igreja. Uma genuína inculturação da fé cristã deve verificar-se sempre sob a orientação da Igreja universal. Permanecendo inteiramente fiéis ao espírito da communio, as Igrejas particulares deveriam procurar exprimir a fé e a vida da Igreja em formas legítimas e apropriadas às culturas indígenas. As expressões e formas novas devem ser examinadas e aprovadas pelas autoridades competentes. Uma vez aprovadas, estas formas autênticas de inculturação permitirão aos povos da Oceânia experimentar, mais facilmente e de forma peculiar, a vida abundante oferecida por Jesus Cristo.

 

Os Padres Sinodais manifestaram o desejo de que os futuros sacerdotes, diáconos e catequistas adquiram plena familiaridade com a cultura das pessoas a que prestam serviço. Para se tornarem bons guias cristãos, eles deverão ser educados em condições que não os separem do contexto em que vive a gente comum, porque são chamados a um serviço de evangelização inculturada, mediante um delicado trabalho pastoral que permita à comunidade cristã acolher, viver e transmitir a fé na sua própria cultura, de harmonia com o Evangelho e na comunhão da Igreja universal.

 

Como perspectiva futura, os Padres Sinodais evocaram o ideal das numerosas culturas da Oceânia que formam uma civilização rica e característica, inspirada pela fé em Jesus Cristo. Com eles, rezo ardentemente para que todos os povos da Oceânia descubram o amor de Cristo, Caminho, Verdade e Vida, a fim de experimentarem e construírem juntos a civilização do amor e da paz que o mundo do Pacífico sempre desejou.

 

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