24. Para promover a penitência e a reconciliação, a Igreja tem ao seu dispor dois meios, principalmente, que lhe foram confiados pelo seu próprio Fundador: a catequese e os Sacramentos. A utilização destes meios, considerada sempre pela Igreja plenamente conforme as exigências da sua missão salvífica e igualmente susceptível de corresponder as exigências e necessidades espirituais dos homens de todos os tempos, pode ser levada a efeito seguindo formas e modos antigos e novos, entre os quais será bom recordar, especialmente, o que, em continuidade com o meu Predecessor Paulo VI, podemos designar por método do diálogo.
O DIÁLOGO
25. O diálogo é para a Igreja, em certo sentido, um meio e sobretudo um modo de desenvolver a sua acção no mundo contemporâneo.
De facto, o Concílio Vaticano II, depois de ter proclamado que «a Igreja, em virtude da missão que tem de iluminar todo o mundo com a mensagem evangélica e reunir num só Espírito todos os homens (...), torna-se sinal daquela fraternidade que permite e robustece um diálogo sincero», acrescenta que a mesma Igreja deve ser capaz de «estabelecer um diálogo cada vez mais frutuoso entre todos os que constituem o único Povo de Deus», assim como de «estabelecer um diálogo com a sociedade humana».
O meu Predecessor Paulo VI dedicou ao diálogo uma parte notável da sua primeira Encíclica Ecclesiam Suam, na qual o descreve e caracteriza significativamente como diálogo da salvação.
Na verdade, a Igreja usa o método do diálogo para melhor conduzir os homens — aqueles que pelo Baptismo e a profissão de fé se reconhecem membros da comunidade cristã e aqueles que lhe são estranhos — à conversão e à penitência, pelos caminhos de uma profunda renovação da própria consciência e da própria vida à luz do mistério da Redenção e da Salvação, realizadas por Cristo e confiadas ao ministério da sua Igreja. O diálogo autêntico, por conseguinte, tem em vista, antes de mais, a regeneração de cada um, mediante a conversão interior e a penitência, sempre com profundo respeito pelas consciências e com a paciência e o processo gradual requeridos pelas condições dos homens do nosso tempo.
O diálogo pastoral, em vista da reconciliação, continua a ser hoje uma solicitude fundamental da Igreja em diversos âmbitos e a vários níveis.
Antes de mais, a Igreja promove um diálogo ecuménico, ou seja, um diálogo entre Igrejas e Comunidades eclesiais que se atêm à fé em Cristo, Filho de Deus e único Salvador, e um diálogo com as outras comunidades de homens que buscam a Deus e desejam estabelecer uma relação de comunhão com Ele.
Como base desse diálogo com as outras Igrejas e Comunidades eclesiais e com as outras religiões, e como condição da sua credibilidade e eficácia, deve haver um sincero esforço de diálogo permanente e renovado no interior da própria Igreja católica. Esta tem a consciência de ser, por natureza, sacramento da comunhão universal de caridade; mas também sabe que existem no seu seio tensões que correm o risco de se transformar em factores de divisão.
A exortação dorida e firme, feita a seu tempo pelo meu Predecessor, com vista ao Ano Santo de 1975, continua válida ainda no momento actual. Para se obter a superação dos conflitos e fazer com que as normais tensões não resultem nocivas para a unidade da Igreja, é preciso que todos nos confrontemos com a Palavra de Deus e, postas de parte as próprias maneiras de ver subjectivas, procuremos a verdade onde ela se encontra, ou seja, na mesma Palavra divina e na interpretação autêntica que dela nos dá o Magistério da Igreja. Sob esta luz, a escuta recíproca, o respeito e a abstenção de todo o juízo apressado, a paciência, a capacidade de evitar que a fé, que une, seja subordinada as opiniões, as modas e as opções ideológicas, que dividem, são outras tantas qualidades de um diálogo que, no interior da Igreja, deve ser assíduo, cheio de boa vontade e sincero. E é claro que não o seria, nem se tornaria num factor de reconciliação, sem a atenção ao Magistério e a aceitação do mesmo.
Aplicada deste modo, efectivamente, na busca da sua própria comunhão interna, a Igreja católica pode dirigir o apelo à reconciliação - como de há tempos já vem fazendo - as outras Igrejas com as quais não se verifica plena comunhão, bem como as outras religiões e até mesmo a quem simplesmente procura Deus com coração sincero.
À luz do Concílio e do Magistério dos meus Predecessores, cuja preciosa herança recebi e me esforço por conservar e pôr em actuação, posso afirmar que a Igreja católica, com todas as suas componentes, se empenha com lealdade no diálogo ecuménico, sem optimismos fáceis, mas também sem desalento e sem hesitações ou perdas de tempo. As regras fundamentais que ela procura seguir nesse diálogo são: por um lado, a persuasão de que somente um ecumenismo espiritual — ou seja, fundado na oração comum e na comum docilidade ao único Senhor — permitirá corresponder sincera e seriamente as outras exigências da acção ecuménica; e, por outro lado, a convicção de que um certo irenismo em matéria doutrinal e sobretudo dogmática, poderia talvez levar a um a forma de convivência superficial e não duradoura, mas nunca àquela comunhão profunda e estável que todos desejamos. Chegar-se-á a esta comunhão, no momento em que a divina Providência quiser; mas para se chegar lá, a Igreja católica, pelo que lhe diz respeito, sabe que deve estar aberta e sensível a todos «os valores verdadeiramente cristãos, que promanam do património comum e se encontram também entre os irmãos de nós separados»; mas sabe igualmente que deve colocar na base de um diálogo leal e construtivo a clareza na posição dos problemas, a fidelidade e a coerência com a fé transmitida e definida na esteira da tradição perene pelo seu Magistério. Apesar da ameaça dum aparente derrotismo e malgrado a inevitável lentidão que a inconsideração não poderá nunca corrigir, a Igreja católica continua a procurar com todos os outros Irmãos cristãos as vias da unidade, e com os seguidores das outras religiões um diálogo sincero. Que este diálogo inter-religioso possa fazer chegar pelo menos à superação das atitudes de hostilidade, de desconfiança, de mútua condenação e quiçá de mútuas invectivas. Nisto está uma condição preliminar para que possamos encontrar-nos pelo menos na fé num Deus único e na certeza da vida eterna para a alma imortal. Que o Senhor faça, em particular, com que o diálogo ecuménico leve a uma sincera reconciliação centralizada em tudo aquilo que já possamos ter em comum com as outras Igrejas cristãs: a fé em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, Salvador e Senhor, a escuta da Palavra, o estudo da Revelação e o sacramento da Baptismo.
Na medida em que a Igreja for capaz de suscitar a concórdia activa — a unidade na variedade — no seu próprio interior e de se apresentar como testemunha e humilde artífice de reconciliação nas relações com as outras Igrejas e Comunidades eclesiais e com as outras religiões, ela tornar-se-á, segundo a expressiva definição de Santo Agostinho, «mundo reconciliado». E então poderá ser sinal de reconciliação no mundo e para o mundo.
Com a consciência da imensa gravidade da situação criada pelas forças da divisão e da guerra, que constitui hoje uma séria ameaça, não só para o equilíbrio e a harmonia das Nações, mas também para a própria sobrevivência da humanidade, a Igreja sente-se no dever de oferecer e propor a sua colaboração específica para a superação dos conflitos e para o restabelecimento da concórdia.
Trata-se de um complexo e delicado diálogo de reconciliação, no qual a Igreja está empenhada, antes de mais, mediante a actividade da Santa Sé e dos seus diversos Organismos. A Santa Sé esforça-se quer por intervir junto dos governantes das Nações e dos responsáveis das várias Instituições internacionais, quer por associar-se a eles, dialogando com eles ou estimulando-os a um diálogo entre si, em favor da reconciliação no meio dos numerosos conflitos. E faz isto não com segundos fins ou interesses ocultos — dado que os não tem — mas «por uma preocupação humanitária», pondo a sua estrutura institucional e a sua autoridade moral, absolutamente singulares, ao serviço da concórdia e da paz. Fá-lo na convicção de que, assim como «na guerra há duas facções que se levantam uma contra a outra», assim também «na questão da paz há sempre duas partes que necessariamente devem saber empenhar-se»; e nisto «se encontra o verdadeiro sentido do diálogo para a paz».
No diálogo em favor da reconciliação, a Igreja também se empenha por intermédio dos Bispos, com a competência e a responsabilidade que lhes é própria, quer individualmente na orientação das respectivas Igrejas particulares, quer reunidos nas Conferências Episcopais, com a colaboração dos Presbíteros e de todas as componentes das Comunidades cristãs. Eles desempenham regularmente essas suas tarefas, quando promovem o diálogo que é indispensável e proclamam as exigências humanas e cristãs de reconciliação e de paz. Em comunhão com os seus Pastores, os leigos, que têm como «campo próprio da sua actividade evangelizadora o mundo vasto e complicado da politica, da realidade social e da economia (...), da vida internacional», são chamados a empenhar-se directamente no diálogo ou em favor do diálogo para a reconciliação. Por intermédio deles, é ainda a Igreja que desenvolve a sua acção reconciliadora.
Na regeneração dos corações, mediante a conversão e a penitência, portanto, está o pressuposto fundamental e a base segura para toda e qualquer renovação social e para a paz entre as Nações.
Há que relembrar, por fim, que da parte da Igreja e dos seus membros, o diálogo, seja qual for a forma sob a qual ele se desenrole — e existem e podem existir formas muito diversas, pois o próprio conceito de diálogo tem valor analógico — não poderá nunca partir de uma atitude de indiferença em relação à verdade; mas tem de ser, sobretudo, uma apresentação da verdade, feita serenamente e com respeito pela inteligência e pela consciência dos outros. O diálogo da reconciliação não poderá nunca substituir ou atenuar o anúncio da verdade evangélica, que tem como objectivo preciso a conversão, abandonando o pecado, e a comunhão com Cristo e com a Igreja; mas deverá servir para a sua transmissão e realização, através dos meios deixados por Cristo à Igreja para a pastoral da reconciliação: a catequese e a Penitência.
A CATEQUESE
26. Na vasta área em que a Igreja tem a missão de actuar com o instrumento do diálogo, a pastoral da penitência e da reconciliação dirige-se aos membros do corpo da Igreja, primeiro que tudo, por uma adequada catequese sobre as duas realidades distintas e complementares, as quais os Padres sinodais deram uma particular importância e que puseram em realce, em algumas das Propostas («Propositiones») conclusivas: a penitência e a reconciliação, precisamente. A catequese é, pois, o primeiro meio a utilizar.
Na base desta recomendação do Sínodo, tão oportuna, encontra-se um pressuposto fundamental: aquilo que é pastoral não se opõe ao doutrinal, e a acção pastoral não pode prescindir do conteúdo doutrinal; pelo contrário, a ele vai buscar a sua substância e a sua validade real. Ora, se a Igreja é «coluna e sustentáculo da verdade» e está posta no mundo como Mãe e Mestra, como poderia ela descurar a tarefa de ensinar a verdade que constitui um caminho de vida?
Dos Pastores da Igreja espera-se, pois, antes de mais, uma catequese sobre a reconciliação. Esta não pode deixar de fundamentar-se no ensino bíblico, em especial no do Novo Testamento, sobre a necessidade de reconstituir a aliança com Deus em Cristo Redentor e Reconciliador; e, à luz desta nova comunhão e desta nova amizade e no seu prolongamento, sobre a necessidade de reconciliar-se com o irmão, mesmo à custa de ter de interromper a oferta do sacrifício. Jesus insiste muito neste tema da reconciliação fraterna, quando, por exemplo, convida a oferecer a outra face a quem nos bateu, ou a deixar também a capa a quem já se apossou da túnica; ou quando inculca a lei do perdão, que cada um recebe na medida em que sabe perdoar, perdão a oferecer também aos inimigos, perdão a conceder setenta vezes sete, ou seja, na prática, sem limite algum. Com estas condições, que só são realizáveis num clima genuinamente evangélico, é possível uma verdadeira reconciliação, quer entre os indivíduos, quer entre as famílias, as comunidades, as Nações e os povos. Destes dados bíblicos sobre a reconciliação promanará, naturalmente, uma catequese teológica, que integrará também na sua síntese os dados da psicologia, da sociologia e das outras ciências humanas, os quais podem servir para esclarecer as situações, enquadrar bem os problemas e persuadir os ouvintes ou leitores a tomarem resoluções concretas.
Dos Pastores da Igreja espera-se, ainda, uma catequese sobre a penitência. Também aqui a riqueza da mensagem bíblica deve ser a fonte. Esta mensagem acentua na penitência, primeiro que tudo, o seu valor de conversão, termo com o qual se procura traduzir a palavra do texto grego metánoia, que literalmente significa um reviramento do espírito para o fazer voltar-se para Deus. São estes, aliás, os dois elementos fundamentais que emergem da parábola do filho perdido e reencontrado: o «cair em si» e a decisão de voltar para o pai. Não pode haver reconciliação sem estas atitudes primordiais de conversão, e a catequese deve explicá-las com conceitos e expressões adaptados as várias idades e as diversas condições culturais, morais e sociais.
Trata-se de um primeiro valor da penitência, que se prolonga no segundo: penitência significa também arrependimento. Os dois sentidos da metánoia aparecem na significativa norma dada por Jesus: «Se o teu irmão se arrepender ( = voltar a ti), perdoa-lhe. E se te ofender sete vezes ao dia e sete vezes voltar a ti, dizendo: "Estou arrependido", hás-de perdoar-lhe». Uma boa catequese deverá mostrar que o arrependimento, assim como a conversão, bem longe de ser um sentimento superficial, é uma verdadeira reviravolta da alma.
Um terceiro valor está contido ainda na penitência; trata-se do movimento pelo qual as anteriores atitudes de conversão e arrependimento se manifestam externamente: é o fazer penitência. Este significado é bem perceptível no termo metánoia, como é usado pelo Precursor, segundo o texto dos Sinópticos. Fazer penitência quer dizer, além do mais, restabelecer o equilíbrio e a harmonia alterados pelo pecado, mudar de direcção mesmo à custa de sacrifícios.
Em suma, uma catequese sobre a penitência, o mais completa e adequada possível, é impreterível, num tempo como o nosso, em que as atitudes dominantes na psicologia e nos comportamentos sociais contrastam abertamente com o tríplice valor que foi ilustrado: mais do que nunca, o homem contemporâneo parece encontrar dificuldade em reconhecer os seus próprios erros e em decidir voltar atrás para retomar o caminho exacto, fazendo uma rectificação de marcha; parece experimentar grande relutância em dizer: «arrependo-me» ou «tenho muita pena»; parece recusar instintivamente, e muitas vezes irresistivelmente, tudo aquilo que é penitência, no sentido do sacrifício aceito e praticado para se corrigir do pecado. A este respeito, desejo sublinhar que, embora mitigada de há algum tempo a esta parte, a disciplina penitencial da Igreja não pode ser abandonada sem grave prejuízo, quer para a vida interior dos cristãos e da comunidade eclesial, quer para a sua capacidade de irradiação missionária. Não é raro que alguns não-cristãos fiquem surpreendidos com o fraco testemunho de verdadeira penitência da parte dos discípulos de Cristo. É claro, de resto, que a penitência cristã será autêntica, se for inspirada pelo amor, e não pelo mero temor; se consistir num sério esforço para crucificar o «homem velho», a fim de que possa renascer o «novo», por obra de Cristo; se seguir como modelo o mesmo Cristo, que, embora fosse inocente, escolheu o caminho da pobreza, da paciência, da austeridade e, pode dizer-se, da vida penitente.
Dos Pastores da Igreja espera-se ainda — como recordou o Sínodo — uma catequese sobre a consciência e a sua formação. É um tema de viva actualidade, também este, visto que, no meio dos abalos a que está sujeita a cultura do nosso tempo, com muita frequência é agredido, posto à prova, perturbado e obscurecido esse santuário interior, ou seja, o eu mais íntimo do homem: a sua consciência. Para uma catequese sapiente sobre a consciência podem encontrar-se indicações preciosas, quer nos Doutores da Igreja, quer na teologia do Concílio Vaticano II e, especialmente, em dois dos seus Documentos: sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo e sobre a Liberdade Religiosa. Nesta mesma linha, o Sumo Pontífice Paulo VI pronunciou-se muitas vezes, para recordar a natureza e o papel da consciência na nossa vida. Eu próprio, seguindo as suas pegadas, não deixo passar ocasião alguma para fazer luz sobre esta altíssima componente da grandeza e dignidade do homem, sobre esta «espécie de sentido moral, que nos leva a distinguir o bem do mal (...), como que os olhos da alma, capacidade visual do espírito, em condições de guiar os nossos passos no caminho do bem; e insisto na necessidade de «formar cristãmente a própria consciência pessoal», a fim de esta não se tornar «numa força destruidora da humanidade verdadeira (da pessoa), mas ser sempre o lugar sagrado onde Deus lhe revela o seu verdadeiro bem».
Também se espera que a catequese dos Pastores da Igreja incida sobre outros pontos, de não menor relevância para a reconciliação:
Sobre o sentido do pecado, que — como disse — não pouco se tem vindo a atenuar no nosso mundo.
Sobre a tentação e as tentações: o próprio Senhor Jesus, Filho de Deus, «provado em tudo, à nossa semelhança, excepto no pecado», quis ser tentado pelo Maligno, para indicar que, assim como ele, também os seus discípulos seriam submetidos à tentação; e, ainda, para mostrar como é necessário comportar-se na tentação. Para quem implora do Pai não ser tentado acima das próprias forças e não sucumbir à tentação, para quem não se expõe as ocasiões de pecado, o facto de ser submetido à tentação não significa ter pecado; mas é, prevalentemente, uma ocasião para crescer na fidelidade e na coerência, pela humildade e pela vigilância.
Sobre o jejum: este pode praticar-se em formas antigas e novas, como sinal de conversão, de arrependimento e de mortificação pessoal; e, ao mesmo tempo, sinal de união com Cristo crucificado e de solidariedade com os que passam fome e que sofrem.
Sobre a esmola: trata-se de um meio para tornar efectiva a caridade, partilhando aquilo que se possui com aqueles que sofrem as consequências da pobreza.
Sobre o nexo íntimo que concatena a superação das divisões no mundo com a comunhão plena com Deus e entre os homens, finalidade escatológica da Igreja.
Sobre as circunstâncias concretas em que a reconciliação (na família, na comunidade civil, nas estruturas sociais) se deve realizar; e, particularmente, sobre as quatro reconciliações que consertam as quatro fracturas fundamentais: reconciliação do homem com Deus, consigo mesmo, com os irmãos e com o mundo criado.
E a Igreja não pode omitir, ainda, sem grave mutilação da sua mensagem essencial, uma constante catequese sobre as realidades que a linguagem cristã tradicional designa como os quatro novíssimos do homem: morte, juízo (particular e universal), inferno e paraíso. Numa cultura que tende a encerrar o homem nas suas vicissitudes terrestres, mais ou menos bem sucedidas, aos Pastores da Igreja é solicitada uma catequese que abra e ilumine, com as certezas da fé, o além da vida presente: para lá das misteriosas portas da morte, delineia-se uma eternidade de alegria na comunhão com Deus, ou de pena no afastamento d'Ele. Somente nesta visão escatológica é possível ter a medida exacta do pecado e sentir-se resolutamente impelido para a penitência e a reconciliação.
Não faltarão nunca aos Pastores de almas zelosos e dotados de inventiva as ocasiões para ministrar esta catequese assim, ampla e variada, tendo em conta a diversidade de cultura e de formação religiosa daqueles a quem se dirigem. Com frequência, proporcionam essas ocasiões as próprias leituras bíblicas e os ritos da Santa Missa e dos outros Sacramentos, bem como as próprias circunstâncias em que estes são celebrados. Muitos outras iniciativas podem ser tomadas com o mesmo objectivo, tais como: pregações, palestras, debates, encontros e cursos de cultura religiosa, etc., o que já sucede em muitas partes. Desejo aqui assinalar, em especial, a importância e a eficácia, que revestem para uma tal catequese, as antigas missões populares. Se forem adaptadas as peculiares exigências do nosso tempo, elas podem ser, hoje como ontem, um válido instrumento de educação na fé, também pelo que diz respeito ao sector da penitência e da reconciliação.
Dada a grande importância que tem a reconciliação, fundada sobre a conversão, no campo delicado da relações humanas e da convivência social a todos os níveis, incluindo o internacional, não pode faltar à catequese o precioso contributo da doutrina social da Igreja. O atento e preciso ensino dos meus Predecessores, a partir do Papa Leão XIII, ao qual veio unir-se a contribuição substanciosa da Constituição pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II e juntar-se a dos vários Episcopados, solicitados por diversas circunstâncias dos respectivos países, constitui um vasto e sólido corpo de doutrina a respeito das múltiplas exigências inerentes à vida da comunidade humana, as relações entre os indivíduos, famílias e grupos nos seus diversos âmbitos, e à própria constitução de uma sociedade que queira ser coerente com a lei moral, que é fundamento da civilização.
Na base deste ensino social da Igreja encontra-se, obviamente, a luz que ela vai buscar à Palavra de Deus: a respeito dos direitos e deveres dos indivíduos, da família e da comunidade; a respeito do valor da liberdade e das dimensões da justiça; a respeito do primado da caridade; a respeito da dignidade da pessoa humana e das exigências do bem comum, que deve ser tido em vista pela política e pela própria economia. É sobre estes princípios fundamentais do magistério social, que confirmam e reapresentam os ditames universais da razão e da consciência dos povos que se apoia, em grande parte, a esperança duma solução pacífica de tantos conflitos sociais e, em definitivo, da reconciliação universal.
OS SACRAMENTOS
27. O segundo meio de instituição divina, que é oferecido pela Igreja à pastoral da penitência e da reconciliação, é constituído pelos Sacramentos.
No misterioso dinamismo dos Sacramentos, tão rico de simbolismos e de conteúdos, é possível perceber um aspecto nem sempre posto em realce: cada um deles, além da sua graça própria, é também sinal de penitência e reconciliação; e, por isso, em cada um deles, é possível reviver estas dimensões espirituais.
O Baptismo é, certamente, uma ablução salvífica que — como diz São Pedro — tem valor «não (como) purificação das impurezas do corpo, mas pela que consiste em pedir a Deus uma boa consciência». é morte, sepultura e ressurreição com Cristo, morto, sepultado e ressuscitado. é dom do Espírito Santo por intermédio de Cristo. Mas esta dimensão constitutiva essencial e original do Baptismo, longe de eliminar, enriquece o elemento penitencial já presente no baptismo que o próprio Jesus recebeu de João «para se cumprir toda a justiça»: um facto, portanto, de conversão e reintegração na justa ordem das relações com Deus, de reconciliação com Deus, com o apagamento da mancha original e a consequente inserção na grande família dos reconciliados.
Paralelamente, o Crisma, também como confirmação do Baptismo e, juntamente com ele, como Sacramento de iniciação, ao conferir a plenitude do Espírito Santo e ao encaminhar a vida cristã à idade adulta, significa e realiza, por isso exactamente, uma maior conversão do coração e uma mais íntima e efectiva inserção na assembleia dos reconciliados, que é a Igreja de Cristo.
A definição que dá Santo Agostinho da Eucaristia, como sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo da caridade («sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis»), põe em evidência os efeitos de santificação pessoal (piedade) e de reconciliação comunitária (unidade e caridade), que derivam da própria essência do Mistério eucarístico, como renovação incruenta do sacrifício da Cruz e fonte de salvação e de reconciliação para todos os homens. É necessário, todavia, recordar que a Igreja, guiada pela fé neste augusto Sacramento, ensina que nenhum fiel cristão, consciente de estar em pecado grave, pode receber a Eucaristia sem ter obtido antes o perdão de Deus. Assim se lê na Instrução Eucharisticum Mysterium, a qual, devidamente aprovada pelo Papa Paulo VI, confirma todo o ensino do Concílio de Trento: «a Eucaristia há-de ser proposta aos fiéis "como antídoto que nos liberta das culpas de cada dia e nos preserva dos pecados mortais", e seja-lhes indicada a maneira conveniente para se utilizarem das partes penitênciais da liturgia da Missa. "A quem quiser comungar, seja recordado... o preceito: examine-se cada qual a si mesmo (1 Cor 11, 28). E a prática da Igreja demonstra que esse exame é necessário, para que ninguém, consciente de estar em pecado mortal, por mais contrito que se julgue, se aproxime da Sagrada Eucaristia antes da Confissão sacramental". E se alguém vier a encontrar-se em caso de necessidade e não tiver a possibilidade de se confessar, faça antes (de comungar) um acto de contrição perfeita».
O Sacramento da Ordem destina-se a dar à Igreja os Pastores, os quais, além de mestres e guias, são chamados a ser também testemunhas e operadores de unidade, construtores da família de Deus, defensores e preservadores da comunhão desta família contra os fermentos de divisão e de dispersão.
O Sacramento do Matrimónio, exaltação do amor humano sob a acção da graça, é sinal, sim, do amor de Cristo pela Igreja, mas também da vitória que Ele concede aos esposos obterem sobre as forças que deformam e destroem o amor, de tal forma que a família, nascida deste Sacramento, se torna sinal também da Igreja reconciliada e reconciliadora, para um mundo reconciliado em todas as suas estruturas e instituições.
Por fim, a Unção dos Enfermos, na provação da doença e da velhice, especialmente na hora derradeira do cristão, é sinal da definitiva conversão ao Senhor, bem como da total aceitação da dor e da morte como penitência pelos pecados. E nisto actua-se a suprema reconciliação com o Pai.
Entre os Sacramentos, porém, há um, que, muito embora frequentemente chamado confissão, por motivo da acusação dos pecados que nele se faz, mais propriamente pode considerar-se o Sacramento da Penitência por antonomásia, como de facto se chama; e, por isso, é o Sacramento da conversão e da reconciliação. Foi deste Sacramento que a recente Assembleia do Sínodo tratou, em particular, dada a importância que ele tem para a reconciliação.