15. Já são irreversíveis, pelo menos durante centenas de anos, algumas manifestações desta crise climática, como o aumento da temperatura global dos oceanos, a acidificação e a redução do oxigénio. As águas dos oceanos possuem uma inércia térmica, sendo necessário séculos para normalizar a temperatura e a salinidade, com consequências para a sobrevivência de muitas espécies. Este é um sinal, entre muitos, do facto que as outras criaturas deste mundo deixaram de ser nossas companheiras de viagem para se tornar nossas vítimas.
16. O mesmo se diga quanto ao processo que conduz à redução dos glaciares continentais. O fenómeno do degelo dos polos não poderá ser invertido durante centenas de anos. Quanto ao clima, há fatores que perduram durante longo tempo, independentemente dos eventos que os desencadearam. Por este motivo, já não podemos deter os danos enormes que causámos. Estamos a tempo apenas de evitar danos ainda mais dramáticos.
17. Alguns diagnósticos apocalíticos apresentam-se, com frequência, pouco racionais ou insuficientemente fundados. Isto não deveria levar-nos a ignorar que é real a possibilidade de alcançar um ponto de viragem. Pequenas mudanças podem provocar alterações importantes, imprevistas e talvez já irreversíveis, devido a fatores inerciais, o que acabaria por desencadear uma série de eventos em cascata. Neste caso, chega-se sempre demasiado tarde, porque nenhuma intervenção pode deter o processo já iniciado. Não se pode voltar atrás. Nas condições atuais, não podemos afirmar, com certeza, que isto acontecerá. Mas é seguramente uma possibilidade, se tivermos em conta os fenómenos já em curso que «afetam» o clima como, por exemplo, a diminuição das calotas glaciares, as alterações nos fluxos oceânicos, a desflorestação das selvas pluviais tropicais, o degelo do permafrost na Rússia.
18. Por isso é urgente uma visão mais alargada, que nos permita não só admirar as maravilhas do progresso, mas também prestar atenção a outros efeitos que, provavelmente há cem anos, nem sequer podiam ser imaginados. Tudo o que se nos pede é uma certa responsabilidade pela herança que deixaremos atrás de nós depois da nossa passagem por este mundo.
19. Finalmente, podemos acrescentar que a pandemia Covid-19 veio confirmar a estreita relação da vida humana com a dos outros seres vivos e com o ambiente, mostrando de modo particular que aquilo que acontece em qualquer parte do mundo tem repercussões sobre todo o planeta. Isto permite-me insistir sobre duas convicções que não me canso de reiterar: «tudo está interligado» e «ninguém se salva sozinho».