DOAR AINDA HOJE

DOAR AINDA HOJE

115. Convém dizer uma última palavra sobre a esmola, que hoje não goza de boa fama, frequentemente nem mesmo entre os cristãos. Não só é raramente praticada, como às vezes é até desprezada. Por um lado, reafirmo que o auxílio mais importante para uma pessoa pobre é ajudá-la a ter um bom trabalho, para que possa ter uma vida mais condizente com a sua dignidade, desenvolvendo as suas capacidades e oferecendo o seu esforço pessoal. O certo é que «a falta de trabalho é muito mais do que a falta de uma fonte de renda para poder viver. O trabalho é isto, mas é também muito mais. Ao trabalhar tornamo-nos mais pessoas, a nossa humanidade floresce, os jovens só se tornam adultos quando trabalham. A Doutrina Social da Igreja considera o trabalho humano como participação na criação que continua todos os dias, inclusive graças às mãos, à mente e ao coração dos trabalhadores». Por outro lado, se ainda não existe essa possibilidade concreta, não devemos correr o risco de deixar uma pessoa abandonada à própria sorte, sem o indispensável para viver dignamente. Assim, a esmola continua a ser um momento necessário de contato, encontro e identificação com a condição do outro.

 

116. Para quem ama verdadeiramente, é evidente que a esmola não isenta as autoridades competentes das suas responsabilidades, nem elimina o empenho organizativo das instituições, muito menos substitui a legítima luta pela justiça. Ela convida, porém, a parar e a olhar nos olhos a pessoa pobre, tocando-a e partilhando com ela algo do que se tem. Em todo o caso, a esmola, mesmo que pequena, infunde pietas numa vida social em que todos se preocupam com o seu próprio interesse pessoal. Diz o livro dos Provérbios: «O homem de olhar generoso será abençoado, porque dá do seu pão ao pobre» (Pr 22, 9).

 

117. Tanto o Antigo como o Novo Testamento contêm verdadeiros hinos à esmola: «Todavia, sê generoso para com o miserável, e não o faças esperar pela esmola. […] Encerra a tua esmola nos teus celeiros, e ela te livrará de todo o mal» (Sir 29, 8.12). E Jesus retoma este ensinamento: «Vendei os vossos bens e dai-os de esmola. Arranjai bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável no Céu» (Lc 12, 33).

 

118. A São João Crisóstomo atribuía-se a seguinte exortação: «A esmola é a asa da oração. Se não acrescentares uma asa à tua oração, ela mal poderá voar». E São Gregório de Nazianzo concluía uma das suas famosas orações com estas palavras: «Se, portanto, me ouvirdes enquanto é tempo, ó servos de Cristo, irmãos e coerdeiros, visitemos Cristo, cuidemos de Cristo, alimentemos Cristo, vistamos Cristo, acolhamos Cristo, honremos Cristo: não apenas com uma refeição, como alguns; não apenas com perfumes, como Maria; não apenas com um túmulo, como José de Arimatéia; não apenas com os ritos para a sepultura, como Nicodemos, que amava Cristo apenas pela metade; não apenas com ouro, incenso e mirra, como os Magos; mas, visto que o Senhor quer misericórdia e não sacrifício […] ofereçamos esta aos pobres, para que, quando partirmos deste mundo, sejamos acolhidos por eles nos templos eternos».

 

119. O amor e as convicções mais profundas devem ser alimentados, e isso faz-se com gestos. Permanecer no mundo das ideias e das discussões, sem gestos pessoais, frequentes e sinceros, será a ruína dos nossos sonhos mais preciosos. Por esta simples razão, como cristãos, não renunciamos à esmola. Um gesto que pode ser feito de várias maneiras, e podemos tentar fazer de forma mais eficaz, mas que deve ser feito. E será sempre melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada. Em todo o caso, tocar-nos-á o coração. Não será a solução para a pobreza no mundo, que deve ser procurada com inteligência, tenacidade e compromisso social. Mas precisamos de praticar a esmola para tocar a carne sofredora dos pobres.

 

120. O amor cristão supera todas as barreiras, aproxima os que estão distantes, une os estranhos, torna familiares os inimigos, atravessa abismos humanamente insuperáveis, entra nos meandros mais recônditos da sociedade. Por sua natureza, o amor cristão é profético, realiza milagres, não tem limites: é para o impossível. O amor é sobretudo uma forma de conceber a vida, um modo de a viver. Assim, uma Igreja que não coloca limites ao amor, que não conhece inimigos a combater, mas apenas homens e mulheres a amar, é a Igreja de que o mundo hoje precisa.

 

121. Quer através do vosso trabalho, quer através do vosso empenho em mudar as estruturas sociais injustas, quer através daquele gesto de ajuda simples, muito pessoal e próximo, será possível que aquele pobre sinta serem para ele as palavras de Jesus: «Eu te amei» (Ap 3, 9).

 

Dado em Roma, junto de São Pedro, a 4 de outubro – Memória litúrgica de São Francisco de Assis – do ano 2025, primeiro do meu Pontificado.

 

LEÃO PP. XIV

 

 

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