29. O Médio Oriente, como aliás o resto do mundo, conhece duas realidades opostas: a laicidade com as suas formas por vezes extremas e o fundamentalismo violento que reivindica uma origem religiosa. Determinados responsáveis políticos e religiosos do Médio Oriente, presentes nas diversas comunidades, olham com grande suspeita para a laicidade considerando-a ateia ou imoral. É verdade que às vezes se ouve esta afirmar, de maneira redutora, que a religião diz respeito exclusivamente à esfera privada, como se não passasse de um culto ao nível individual e familiar, situado fora da vida, da ética e da relação com os outros. Na sua forma extrema e ideológica, esta laicidade torna-se secularismo negando ao cidadão a expressão pública da sua religião e pretendendo que o Estado seja o único a poder legislar sobre a forma pública da mesma. Estas teorias são velhas; já não estão circunscritas ao Ocidente, nem se podem confundir com o cristianismo.
Diversamente a sã laicidade significa libertar a religião do peso da política e enriquecer a política com o contributo da religião, mantendo entre ambas a distância necessária, a distinção clara e a colaboração indispensável. Nenhuma sociedade pode desenvolver-se, de maneira sadia, sem defender o mútuo respeito entre política e religião, evitando a tentação constante de se misturarem ou contraporem. A justa relação funda-se, antes de mais nada, sobre a natureza do homem – ou seja, sobre uma recta antropologia – e sobre o respeito total dos seus direitos inalienáveis. A tomada de consciência desta justa relação permite compreender que existe uma espécie de unidade- -distinção que deve caracterizar a relação entre o espiritual (religioso) e o temporal (político), já que ambos são chamados, embora na devida distinção, a cooperar harmoniosamente para o bem comum. Uma tal laicidade sã garante à política agir sem instrumentalizar a religião e à religião viver livremente sem se tornar pesada à política impondo-lhe interesses pouco conformes ou mesmo contrários à crença religiosa. Este é o motivo pelo qual a sã laicidade (unidade-distinção) é necessária e mesmo indispensável a ambas. Este desafio da justa relação entre política e religião pode-se, paciente e corajosamente, vencer por meio duma adequada formação humana e religiosa. É preciso não esquecer jamais o lugar de Deus na vida pessoal, familiar e social, nem o lugar do homem no desígnio de Deus; e, sobretudo, é preciso rezar mais para o conseguir.
30. As incertezas económico-políticas, a habilidade manipuladora de alguns e uma reduzida compreensão da religião constituem, para além do mais, a base do fundamentalismo religioso. Este aflige todas as comunidades religiosas, recusando a secular convivência de todos. Por razões políticas, pretende controlar, às vezes de forma violenta, a consciência de cada um e a religião. Lanço um veemente apelo a todos os responsáveis religiosos judeus, cristãos e muçulmanos da região, para que procurem, com o seu exemplo e ensino, fazer todo o possível por erradicar esta ameaça que pesa, indiscriminada e mortalmente, sobre os crentes de todas as religiões. « Utilizar as palavras reveladas, as Sagradas Escrituras ou o nome de Deus para justificar os nossos interesses, as nossas políticas tão facilmente complacentes ou as nossas violências, é um erro gravíssimo ».