FAZER O MUNDO ENAMORAR-SE

FAZER O MUNDO ENAMORAR-SE

205. A proposta cristã é atrativa quando pode ser vivida e manifestada na sua integralidade: não como um simples refúgio em sentimentos religiosos ou em cultos faustosos. Que culto seria o de Cristo se nos contentássemos com uma relação individual desinteressada em ajudar os outros a sofrer menos e a viver melhor? Poderá agradar ao Coração que tanto amou se nos mantivermos numa experiência religiosa íntima, sem consequências fraternas e sociais? Sejamos honestos e leiamos a Palavra de Deus na sua inteireza. Por isso mesmo dizemos que não se trata sequer de uma promoção social desprovida de significado religioso, que no fundo seria querer para o ser humano menos do que aquilo que Deus lhe quer dar. É por isso que temos de concluir este capítulo recordando a dimensão missionária do nosso amor ao Coração de Cristo.

 

São João Paulo II, para além de falar da dimensão social da devoção ao Coração de Cristo, referiu-se à «reparação, que é cooperação apostólica para a salvação do mundo». Do mesmo modo, a consagração ao Coração de Cristo «deve ser aproximada à ação missionária da própria Igreja, porque responde ao desejo do Coração de Jesus de propagar no mundo, através dos membros do seu Corpo, a sua dedicação total ao Reino». Por conseguinte, através dos cristãos, «o amor difundir-se-á no coração dos homens, para que se construa o Corpo de Cristo que é a Igreja e se edifique uma sociedade de justiça, de paz e de fraternidade».

 

207. O prolongamento das chamas de amor do Coração de Cristo ocorre também na obra missionária da Igreja, que leva o anúncio do amor de Deus manifestado em Cristo. São Vicente de Paulo ensinou-o muito bem quando convidou os seus discípulos a pedir ao Senhor «esse coração, esse coração que nos faz ir a toda a parte, esse coração do Filho de Deus, o coração de Nosso Senhor, que nos dispõe a ir como Ele iria […] e nos envia como enviou-lhes [os apóstolos], para levar o seu fogo a toda a parte».

 

208. São Paulo VI, dirigindo-se às congregações que propagavam a devoção ao Sagrado Coração, recordava que «o empenho pastoral e o ardor missionário serão intensamente inflamados quando os sacerdotes e os fiéis, para difundir a glória de Deus, e seguindo o exemplo da caridade eterna que Cristo nos mostrou, orientarem os seus esforços para comunicar a todos os homens as riquezas insondáveis de Cristo». À luz do Sagrado Coração, a missão torna-se uma questão de amor, e o maior risco desta missão é que se digam e façam muitas coisas, mas não se consiga promover o encontro feliz com o amor de Cristo que abraça e salva.

 

209. A missão, entendida a partir da irradiação do amor do Coração de Cristo, requer missionários apaixonados, que se deixem cativar por Cristo e que inevitavelmente transmitam esse amor que mudou as suas vidas. Por isso, custa-lhes perder tempo a discutir questões secundárias ou a impor verdades e regras, porque a sua principal preocupação é comunicar o que vivem e, sobretudo, que os outros percebam a bondade e a beleza do Amado através dos seus pobres esforços. Não é isto que acontece com qualquer enamorado? Vale a pena tomar como exemplo as palavras com que Dante Alighieri, enamorado, tentou exprimir esta lógica:

 

«Pensando em todo o seu valor

tão doce se me faz sentir o Amor,

que se agora eu não perder veemência,

falando tornarei enamorada a gente».

 

210. Falar de Cristo, pelo testemunho ou pela palavra, de tal modo que os outros não tenham de fazer um grande esforço para o amar, é o maior desejo de um missionário da alma. Não há proselitismo nesta dinâmica de amor, as palavras do enamorado não perturbam, não impõem, não forçam, apenas levam os outros a se perguntarem como é possível um tal amor. Com o maior respeito pela liberdade e pela dignidade do outro, o enamorado limita-se a esperar que lhe seja permitido narrar esta amizade que preenche a sua vida.

 

211. Sem descurar a prudência e o respeito, Cristo pede-te que não tenhas vergonha de reconhecer a tua amizade com Ele. Pede-te que tenhas a coragem de dizer aos outros que foi bom para ti tê-lo encontrado: «Todo aquele que se declarar por mim, diante dos homens, também me declararei por ele diante do meu Pai que está no Céu» (Mt 10, 32). Mas para o coração enamorado não é uma obrigação, é uma necessidade difícil de conter: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16). «No meu coração, a sua palavra era um fogo devorador, encerrado nos meus ossos. Esforçava-me por contê-lo, mas não podia» (Jr 20, 9).

 

EM COMUNHÃO DE SERVIÇO

 

212. Não se deve pensar nesta missão de comunicar Cristo como se fosse algo apenas entre mim e Ele. Ela é vivida em comunhão com a própria comunidade e com a Igreja. Se nos afastarmos da comunidade, afastamo-nos também de Jesus. Se a esquecermos e não nos preocuparmos com ela, a nossa amizade com Jesus arrefecerá. Nunca se deve esquecer este segredo: o amor pelos irmãos e irmãs da própria comunidade – religiosa, paroquial, diocesana, etc. – é como o combustível que alimenta a nossa amizade com Jesus. Os atos de amor para com os irmãos e irmãs da comunidade podem ser a melhor ou, por vezes, a única forma possível de exprimir aos outros o amor de Jesus Cristo. O próprio Senhor o disse: «Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 35).

 

213. É um amor que se torna serviço comunitário. Não me canso de recordar que Jesus o disse com grande clareza: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). Ele propõe-te que o encontres também aí, em cada irmão e em cada irmã, especialmente nos mais pobres, desprezados e abandonados da sociedade. Que lindo encontro!

 

214. Portanto, se nos dedicarmos a ajudar alguém, isso não significa que nos esquecemos de Jesus. Pelo contrário, encontramo-lo de outra forma. E, quando tentamos levantar e curar alguém, Jesus está lá, ao nosso lado. Com efeito, é bom recordar que, quando enviou os seus discípulos em missão, «o Senhor cooperava com eles» (Mc 16, 20). Ele está lá trabalhando, lutando e fazendo o bem conosco. De uma forma misteriosa, é o seu amor que se manifesta através do nosso serviço, é Ele próprio que fala ao mundo naquela linguagem que por vezes não tem palavras.

 

215. Ele te envia a fazer o bem e te impele a partir do teu interior. Para isso, chama-te com uma vocação de serviço: farás o bem como médico, como mãe, como professor, como sacerdote. Onde quer que estejas, poderás sentir que ele te chama e te envia para viveres esta missão na terra. Ele próprio nos diz: «Envio-vos» (Lc 10, 3). Isto faz parte da amizade com Ele. Portanto, para que essa amizade amadureça, é preciso que te deixes enviar por Ele para cumprir uma missão neste mundo, com confiança, com generosidade, com liberdade, sem medo. Se te fechares no teu conforto, isso não te dará segurança; os medos, as tristezas e as angústias aparecerão sempre. Quem não cumpre a sua missão nesta terra não pode ser feliz, fica frustrado. Por isso, deixa-te enviar, deixa-te conduzir por Ele para onde Ele quiser. Não te esqueças que Ele vai contigo. Não te atira para o abismo nem te deixa entregue a ti mesmo. Ele conduz-te e acompanha-te. Ele prometeu e cumpre: «Eu estarei sempre convosco» (Mt 28, 20).

 

216. De algum modo tens de ser missionário, como o foram os apóstolos de Jesus e os primeiros discípulos, que foram anunciar o amor de Deus, que saíram para dizer que Cristo está vivo e merece ser conhecido. Santa Teresa do Menino Jesus viveu-o como parte inseparável da sua oferta ao Amor misericordioso: «Queria dar de beber ao meu Bem-Amado e sentia-me eu mesma devorada pela sede de almas». Esta é também a tua missão. Cada um cumpre-a à sua maneira, e verás como podes ser missionário. Jesus merece-o. Se tiveres coragem, Ele te iluminará, acompanhará e fortalecerá, e viverás uma experiência preciosa que te fará muito bem. Não importa se conseguirás ver algum resultado; deixa isso para o Senhor que trabalha no segredo dos corações, mas não deixes de viver a alegria de tentar comunicar o amor de Cristo aos outros.

 

CONCLUSÃO

 

217. O que está expresso neste documento permite-nos descobrir que o que está escrito nas encíclicas sociais Laudato si’ e Fratelli tutti não é alheio ao nosso encontro com o amor de Jesus Cristo, pois bebendo desse amor tornamo-nos capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada ser humano e de cuidar juntos da nossa casa comum.

 

218. Hoje tudo se compra e se paga, e parece que o próprio sentido da dignidade depende das coisas que se podem obter com o poder do dinheiro. Somos instigados a acumular, a consumir e a distrairmo-nos, aprisionados por um sistema degradante que não nos permite olhar para além das nossas necessidades imediatas e mesquinhas. O amor de Cristo está fora desta engrenagem perversa e só Ele pode libertar-nos desta febre onde já não há lugar para o amor gratuito. Ele é capaz de dar coração a esta terra e reinventar o amor lá onde pensamos que a capacidade de amar esteja morta para sempre.

 

219. A Igreja também precisa dele, para não substituir o amor de Cristo por estruturas ultrapassadas, obsessões de outros tempos, adoração da própria mentalidade, fanatismos de todo o género que acabam por ocupar o lugar daquele amor gratuito de Deus que liberta, vivifica, alegra o coração e alimenta as comunidades. Da ferida do lado de Cristo continua a correr aquele rio que nunca se esgota, que não passa, que se oferece sempre de novo a quem quer amar. Só o seu amor tornará possível uma nova humanidade.

 

220. Peço ao Senhor Jesus Cristo que, para todos nós, do seu Coração santo brotem rios de água viva para curar as feridas que nos infligimos, para reforçar a nossa capacidade de amar e servir, para nos impulsionar a fim de aprendermos a caminhar juntos em direção a um mundo justo, solidário e fraterno. Isto até que, com alegria, celebremos unidos o banquete do Reino celeste. Aí estará Cristo ressuscitado, harmonizando todas as nossas diferenças com a luz que brota incessantemente do seu Coração aberto. Bendito seja!

 

Dado em Roma, junto de São Pedro, a 24 de outubro do ano 2024, décimo segundo do meu Pontificado.

 

 

 

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