IV. O DIÁLOGO E A UNIÃO ENTRE OS CRENTES

IV. O DIÁLOGO E A UNIÃO ENTRE OS CRENTES

IV. O DIÁLOGO E A UNIÃO ENTRE OS CRENTES

 

88. Como nos manifesta um grande número de movimentos sociais, as relações inter-religiosas condicionam a paz na África, como aliás noutros lados. Por conseguinte é importante que a Igreja promova o diálogo como atitude espiritual, para que os crentes aprendam a trabalhar juntos, por exemplo, nas associações orientadas para a paz e a justiça, com um espírito de confiança e de mútua ajuda. As famílias devem ser educadas para a escuta, a fraternidade e o respeito sem medo do outro. Uma só coisa é necessária (cf. Lc 10, 42) e capaz de satisfazer a sede de eternidade de todo o ser humano e o desejo de unidade da humanidade inteira: o amor e a contemplação de Deus, que levava Santo Agostinho a exclamar: « Oh eterna verdade, verdadeira caridade e cara eternidade! ».

 

A. O DIÁLOGO ECUMÉNICO E O DESAFIO DOS NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS

 

89. Com o convite para participarem na assembleia sinodal feito aos nossos irmãos cristãos ortodoxos, coptas ortodoxos, luteranos, anglicanos e metodistas – e de modo particular a Sua Santidade Abuna Paulos, Patriarca da Igreja Ortodoxa Tewahedo da Etiópia, uma da mais antigas comunidades cristãs do continente africano – quis significar que o caminho para a reconciliação passa, antes de mais, pela união dos discípulos de Cristo. Um cristianismo dividido permanece um escândalo, porque contradiz realmente a vontade do Divino Mestre (cf. Jo 17, 21). Por isso o diálogo ecuménico visa orientar o nosso caminho comum rumo à unidade dos cristãos, sendo assíduos na escuta da Palavra de Deus, fiéis à união fraterna, à fracção do pão e às orações (cf. Act 2, 42). Exorto toda a família eclesial – as Igrejas particulares, os institutos de vida consagrada, as associações e movimentos de leigos – a prosseguir de forma ainda mais convicta por este caminho, no espírito e com base nas indicações do Directório Ecuménico, e através das diversas associações ecuménicas existentes. E convido a formar novas, onde elas possam representar uma ajuda para a missão. Oxalá possamos empreender, juntos, obras de caridade e proteger os patrimónios religiosos em virtude dos quais os discípulos de Cristo encontram as forças espirituais de que necessitam para a edificação da família humana.

 

90. Ao longo destes últimos decénios, a Igreja na África tem-se interrogado, com insistência, sobre o nascimento e a expansão de comunidades não católicas, por vezes chamadas também autóctones africanas (African Independent Churches). Frequentemente derivam de Igrejas e Comunidades eclesiais cristãs tradicionais e adoptam aspectos das culturas tradicionais africanas. Recentemente estes grupos fizeram a sua aparição no panorama ecuménico. Os pastores da Igreja Católica deverão ter em conta esta nova realidade para a promoção da unidade dos cristãos na África e, consequentemente, deverão encontrar uma resposta adaptada ao contexto, tendo em vista uma evangelização mais profunda para fazer chegar, de maneira eficaz, a Verdade de Cristo aos africanos.

 

91. Numerosos movimentos sincretistas e seitas surgiram na África durante os últimos decénios. Por vezes não é fácil discernir se são de inspiração autenticamente cristã ou simplesmente fruto de um entusiasmo por um líder com a pretensão de possuir dons excepcionais. A sua denominação e o seu vocabulário prestam-se facilmente a confusão e podem enganar fiéis em boa fé. Aproveitando-se de estruturas estatais ainda não estáveis, do desmoronamento das solidariedades familiares tradicionais e duma catequese insuficiente, estas numerosas seitas exploram a credulidade e oferecem uma caução religiosa a crenças multiformes e heterodoxas não cristãs. Destroem a paz dos casais e das famílias, por causa de falsas profecias ou visões. Seduzem mesmo responsáveis políticos. A teologia e a pastoral da Igreja devem individuar as causas deste fenómeno, não só para deter « a hemorragia » dos fiéis que saem das paróquias para elas, mas também para estabelecer as bases duma condigna resposta pastoral à atracção que estes movimentos e seitas exercem sobre aqueles. Por outras palavras, é preciso evangelizar em profundidade a alma africana.

 

B. O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

 

1. As religiões tradicionais africanas

 

92. A Igreja vive diariamente com os adeptos das religiões tradicionais africanas. Estas religiões, que fazem referência aos antepassados e a uma forma de mediação entre o homem e a Imanência, são o húmus cultural e espiritual donde provém a maior parte dos cristãos convertidos e com o qual mantêm um contacto diário. Convém escolher, de entre os convertidos, algumas pessoas bem informadas que possam servir de guia para a Igreja ter um conhecimento cada vez mais profundo e exacto das tradições, da cultura e das religiões tradicionais. Deste modo tornar-se-á mais fácil a identificação dos verdadeiros pontos de ruptura; e chegar-se-á também à necessária distinção entre o cultural e o cultual, eliminando-se os elementos de magia, que são causa de divisão e ruína para as famílias e as sociedades. Neste sentido, o Concílio Vaticano II especificou que a Igreja « exorta os seus filhos a que, com prudência e caridade, pelo diálogo e colaboração com os seguidores doutras religiões, dando testemunho da vida e fé cristãs, reconheçam, conservem e promovam os bens espirituais e morais e os valores socioculturais que entre eles encontram ». Para que os tesouros da vida sacramental e da espiritualidade da Igreja possam ser descobertos em toda a sua profundidade e melhor transmitidos na catequese, a Igreja poderia examinar, num estudo teológico, alguns elementos das culturas tradicionais africanas que estejam de acordo com a doutrina de Cristo.

 

93. Apoiando-se nas religiões tradicionais, a feitiçaria conhece actualmente uma certa recrudescência. Renascem temores, que criam laços de sujeição paralisadores. As preocupações com a saúde, o bem-estar, os filhos, o clima, a protecção contra os maus espíritos levam de vez em quando a recorrer a práticas das religiões tradicionais africanas que estão em desacordo com a doutrina cristã. O problema da « dupla pertença » – ao cristianismo e às religiões tradicionais africanas – permanece um desafio. Para a Igreja que está na África, é necessário guiar as pessoas, através de uma catequese e uma inculturação profundas, para a descoberta da plenitude dos valores do Evangelho. Convém determinar o significado profundo de tais práticas de feitiçaria, identificando as implicações teológicas, sociais e pastorais que esta calamidade acarreta.

 

2. O Islão

 

94. Os Padres do Sínodo puseram em evidência a complexidade da realidade muçulmana no continente africano. Nalguns países, reina bom entendimento entre cristãos e muçulmanos; noutros, os cristãos locais gozam apenas duma cidadania de segunda classe, e os católicos estrangeiros, religiosos ou leigos, têm dificuldade em obter vistos ou autorizações de residência; noutros, os elementos religiosos e políticos não estão ainda suficientemente separados; noutros, enfim, existe a hostilidade. Exorto a Igreja, em toda e qualquer situação, a perseverar na estima dos muçulmanos; « adoram eles o Deus único, vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos homens ». Se todos nós, crentes em Deus, queremos servir a reconciliação, a justiça e a paz, devemos trabalhar juntos para banir todas as formas de discriminação, intolerância e fundamentalismo confessional. Na sua obra social, a Igreja não faz distinção religiosa; ajuda quem se encontra em necessidade, seja ele cristão, muçulmano ou animista. Testemunha assim o amor de Deus, criador de todos, e encoraja os seguidores das outras religiões a uma atitude respeitadora e a uma reciprocidade na estima. Exorto a Igreja inteira a procurar, através de um diálogo paciente com os muçulmanos, o reconhecimento jurídico e prático da liberdade religiosa, de modo que, na África, cada cidadão possa gozar não apenas do direito a uma livre escolha da sua religião e ao exercício do culto, mas também do direito à liberdade de consciência. A liberdade religiosa é o caminho da paz.

 

C. TORNAR-SE « SAL DA TERRA »  E « LUZ DO MUNDO »

 

95. A missão evangelizadora da Igreja na África bebe em várias fontes: a Sagrada Escritura, a Tradição e a vida sacramental. Como um grande número de Padres sinodais fez questão de sublinhar, o ministério da Igreja encontra um apoio eficaz no Catecismo da Igreja Católica. Por outro lado, o Compêndio da Doutrina Social da Igreja é um guia para a missão da Igreja como « Mãe e Educadora » no mundo e na sociedade e, por isso mesmo, um instrumento pastoral de primeira grandeza. Um cristão, que se sacia na fonte autêntica, Cristo, é por Ele transformado em « luz do mundo » (Mt 5, 14) e transmite Aquele que é « a luz do mundo » (Jo 8, 12). O seu conhecimento deve ser animado pela caridade. Com efeito o saber, « se quer ser sapiência capaz de orientar o homem à luz dos princípios primeiros e dos seus fins últimos, deve ser “temperado” com o “sal” da caridade ».

 

96. Para cumprir a tarefa a que fomos chamados, façamos nossa a exortação do próprio São Paulo: « Mantende-vos, portanto, firmes, tendo cingido os vossos rins com a verdade, vestido a couraça da justiça e calçado os pés com a prontidão para anunciar o Evangelho da paz; acima de tudo, tomai o escudo da fé, com o qual tereis a capacidade de apagar todas as setas incendiadas do maligno. Recebei ainda o capacete da salvação e a espada do Espírito, isto é, a palavra de Deus. Servindo-vos de toda a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito » (Ef 6, 14-18).

 

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