NOVAMENTE O BOM SAMARITANO

NOVAMENTE O BOM SAMARITANO

105. A cultura dominante do início deste milénio impele-nos a abandonar os pobres ao seu próprio destino, a não os considerar dignos de atenção e muito menos de apreço. Na Encíclica Fratelli tutti, o Papa Francisco convida-nos a refletir sobre a parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37), precisamente para aprofundar este ponto. Na parábola, vemos que, diante daquele homem ferido e abandonado à beira do caminho, os que passam têm atitudes diferentes. Apenas o bom samaritano cuida dele. Então, volta a pergunta que interpela cada um de nós: «Com quem te identificas? É uma pergunta sem rodeios, direta e determinante: a qual deles te assemelhas? Precisamos de reconhecer a tentação que nos cerca de se desinteressar dos outros, especialmente dos mais frágeis. Digamos que crescemos em muitos aspectos, mas somos analfabetos no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis das nossas sociedades desenvolvidas. Habituamo-nos a olhar para o outro lado, passar à margem, ignorar as situações até elas nos caírem diretamente em cima».

 

106. Faz-nos muito bem descobrir que a história do bom samaritano se repete também hoje. Recordemos uma situação dos nossos dias: «Quando encontro uma pessoa a dormir ao relento, numa noite fria, posso sentir que este vulto seja um imprevisto que me detém, um delinquente ocioso, um obstáculo no meu caminho, um aguilhão molesto para a minha consciência, um problema que os políticos devem resolver e talvez até um monte de lixo que suja o espaço público. Ou então posso reagir a partir da fé e da caridade e reconhecer nele um ser humano com a mesma dignidade que eu, uma criatura infinitamente amada pelo Pai, uma imagem de Deus, um irmão redimido por Jesus Cristo. Isto é ser cristão! Ou poder-se-á porventura entender a santidade prescindindo deste reconhecimento vivo da dignidade de todo o ser humano?». O que fez o bom samaritano?

 

107. A pergunta torna-se urgente porque nos ajuda a perceber uma grave lacuna nas nossas sociedades e também nas nossas comunidades cristãs. A verdade é que muitas formas de indiferença que encontramos hoje em dia «são sinais dum estilo de vida generalizado, que se manifesta de várias maneiras, porventura mais subtis. Além disso, como estamos todos muito concentrados nas nossas necessidades, ver alguém que está mal incomoda-nos, perturba-nos, porque não queremos perder tempo por culpa dos problemas alheios. São sintomas duma sociedade enferma, pois procura construir-se de costas para o sofrimento. É melhor não cair nesta miséria. Fixemos o modelo do bom samaritano». As palavras finais da parábola evangélica – «Vai e faz tu também o mesmo» ( Lc 10, 37) – são um mandato que um cristão deve ouvir ressoar todos os dias no seu coração.

 

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