237. O perdão e a reconciliação são temas de grande relevo no cristianismo e, com várias modalidades, noutras religiões. O risco reside em não entender adequadamente as convicções dos crentes e apresentá-las de tal modo que acabem por alimentar o fatalismo, a inércia ou a injustiça, e, por outro lado, a intolerância e a violência.
238. Jesus Cristo nunca convidou a fomentar a violência ou a intolerância. Ele próprio condenava abertamente o uso da força para se impor aos outros: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós» (Mt 20, 25-26). Por outro lado, o Evangelho pede para perdoar «setenta vezes sete» (Mt 18, 22), dando o exemplo do servo sem compaixão, que foi perdoado mas, por sua vez, mostrou-se incapaz de perdoar aos outros (cf. Mt 18, 23-35).
239. Se lermos outros textos do Novo Testamento, podemos notar que realmente as comunidades primitivas, imersas num mundo pagão repleto de corrupção e aberrações, viviam animadas por um sentido de paciência, tolerância, compreensão. A este respeito, são muito claros alguns textos: convida-se a corrigir os adversários «com suavidade» (2 Tim 2, 25); ou exorta-se a «que não digam mal de ninguém, nem sejam conflituosos, mas sejam afáveis, mostrando sempre amabilidade para com todos os homens. Pois também nós éramos outrora insensatos» (Tit 3, 2-3). O livro dos Atos dos Apóstolos mostra que os discípulos, perseguidos por algumas autoridades, «tinham a simpatia de todo o povo» (2, 47; cf. 4, 21.33; 5, 13).
240. Entretanto, ao refletirmos sobre o perdão, a paz e a concórdia social, deparamo-nos com um texto de Jesus Cristo que nos surpreende: «Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o filho do seu pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra; de tal modo que os inimigos do homem serão os seus familiares» (Mt 10, 34-36). É importante situá-lo no contexto do capítulo onde está inserido. Aqui vê-se claramente que o tema em questão é o da fidelidade à própria opção, sem ter vergonha, ainda que isso traga contrariedades e mesmo que os entes queridos se oponham a tal opção. Portanto, não convida a procurar conflitos, mas simplesmente a suportar o conflito inevitável, para que o respeito humano não leve a faltar à fidelidade em nome duma suposta paz familiar ou social. São João Paulo II disse que a Igreja «não pretende condenar toda e qualquer forma de conflitualidade social. A Igreja sabe bem que, ao longo da história, os conflitos de interesse entre diversos grupos sociais surgem inevitavelmente e que, perante eles, o cristão deve muitas vezes tomar posição decidida e coerentemente».