8. Lembro, com emoção, as minhas viagens ao Médio Oriente. Terra escolhida de maneira especial por Deus, foi calcorreada pelos Patriarcas e os Profetas. Serviu como escrínio para a encarnação do Messias, viu levantar-se a cruz do Salvador e foi testemunha da ressurreição do Redentor e da efusão do Espírito Santo. Percorrida pelos Apóstolos, por santos e numerosos Padres da Igreja, foi o cadinho das primeiras formulações dogmáticas. Todavia esta terra bendita e os povos que nela habitam sofrem, de forma dramática, as angústias humanas. Quantas mortes, quantas vidas ceifadas pela cegueira humana, quantos temores e humilhações! Parece não haver freio ao crime de Caim (cf. Gn 4, 6-10; 1 Jo 3, 8-15) entre os filhos de Adão e Eva criados à imagem de Deus (cf. Gn 1, 27)... O pecado de Adão, consolidado pela culpa de Caim, não cessa de produzir espinhos e abrolhos (cf. Gn 3, 18) ainda hoje. Como é triste ver esta terra bendita sofrer nos seus filhos que encarniçadamente se destroçam uns aos outros, e morrem! Os cristãos sabem que só Jesus – tendo passado através das tribulações e da morte para ressuscitar – pode trazer a salvação e a paz a todos os habitantes desta região do mundo (cf. Act 2, 23-24.32-33). Só Ele é o Messias, o Filho de Deus, que nós proclamamos. Portanto arrependamo-nos e convertamo-nos, « para que os pecados nos sejam apagados e assim o Senhor nos conceda os tempos de conforto » (Act 3, 19-20a).
9. Segundo as Sagradas Escrituras, a paz não é apenas um pacto ou um tratado que propicia uma vida tranquila, nem a sua definição se pode reduzir à simples ausência de guerra. Na sua etimologia hebraica, a paz significa estar completo, estar íntegro, realizar algo para restabelecer a integridade. É o estado do homem que vive em harmonia com Deus, consigo mesmo, com o seu próximo e com a natureza. Antes de ser exterior, a paz é interior. É uma bênção. É uma realidade almejada. É um bem de tal forma desejável que se tornou uma saudação no Médio Oriente (cf. Jo 20, 19; 1 Pd 5, 14). A paz é justiça (cf. Is 32, 17) e São Tiago, na sua Carta, acrescenta: « E é com a paz que uma colheita de justiça é semeada pelos obreiros da paz » (3, 18). A peleja profética e a reflexão sapiencial eram uma luta e uma exigência que tinham em vista a paz escatológica. A esta paz autêntica nos conduz Cristo: Ele é a sua única porta (cf. Jo 10, 9). É esta porta única que os cristãos desejam cruzar.
10. O homem de bem poderá responder a Cristo que o convida a tornar-se « filho de Deus »
(cf. Mt 5, 9), começando a converter-se pessoalmente a Deus, a viver o perdão no seu ambiente familiar e comunitário. Só o humilde poderá saborear as delícias duma paz inaudita (cf. Sl 37/36, 11). Ao abrir-nos a possibilidade de estar em comunhão com Deus, Jesus cria a verdadeira fraternidade, não a fraternidade desfigurada pelo pecado; « com efeito, Ele é a nossa paz, Ele que, dos dois povos, fez um só e destruiu o muro de separação, a inimizade » (Ef 2, 14). O cristão sabe que a política terrena da paz não será eficaz, se a justiça diante de Deus e entre os homens não for a sua base autêntica, e se esta mesma justiça não lutar contra o pecado que está na origem da divisão. Por isso, a Igreja deseja superar todas as distinções de raça, sexo e classe social (cf. Gl 3, 28 e Cl 3, 11), sabendo que todos são um só em Cristo, que é tudo em todos. Este é mais um motivo para a Igreja apoiar e encorajar todo o esforço em prol da paz no mundo, nomedamente no Médio Oriente. De variados modos, ela não se poupa a esforços para ajudar os homens a viverem em paz e favorece também o arsenal jurídico internacional que a consolida. As posições da Santa Sé sobre os diversos conflitos que flagelam dramaticamente a região e a posição sobre o Estatuto de Jerusalém e dos Lugares Santos são amplamente conhecidas. Todavia a Igreja não esquece que a paz é, primariamente, um fruto do Espírito (cf. Gl 5, 22), que é preciso pedir a Deus sem cessar (cf. Mt 7, 7-8).