O HORIZONTE UNIVERSAL

O HORIZONTE UNIVERSAL

146. Há narcisismos bairristas que não expressam um amor sadio pelo próprio povo e a sua cultura. Escondem um espírito fechado que, devido a uma certa insegurança e medo do outro, prefere criar muralhas defensivas para sua salvaguarda. Mas não é possível ser saudavelmente local sem uma sincera e cordial abertura ao universal, sem se deixar interpelar pelo que acontece noutras partes, sem se deixar enriquecer por outras culturas, nem se solidarizar com os dramas dos outros povos. Este «localismo» encerra-se obsessivamente numas poucas ideias, costumes e seguranças, revelando-se incapaz de admirar as múltiplas possibilidades e belezas que oferece o mundo inteiro, e carecendo duma solidariedade autêntica e generosa. Deste modo, a vida local deixa de ser verdadeiramente recetiva, já não se deixa completar pelo outro; consequentemente, fica limitada nas suas possibilidades de desenvolvimento, torna-se estática e adoece. Na realidade, toda a cultura saudável é, por natureza, aberta e acolhedora, pelo que «uma cultura sem valores universais não é uma verdadeira cultura».

 

147. Temos de reconhecer que quanto menor for a amplitude da mente e do coração duma pessoa, tanto menos poderá interpretar a realidade circundante em que está imersa. Sem o relacionamento e o confronto com quem é diferente, torna-se difícil ter um conhecimento claro e completo de si mesmo e da sua terra, uma vez que as outras culturas não constituem inimigos de quem seja preciso defender-se, mas reflexos distintos da riqueza inexaurível da vida humana. Ao olhar para si mesmo do ponto de vista do outro, de quem é diferente, cada um pode reconhecer melhor as peculiaridades da sua própria pessoa e cultura: as suas riquezas, possibilidades e limites. A experiência que se realiza num lugar deve desenvolver-se ora «em contraste» ora «em sintonia» com as experiências doutras pessoas que vivem em contextos culturais diversos.

 

148. Na realidade, uma sã abertura nunca ameaça a identidade, porque, ao enriquecer-se com elementos doutros lugares, uma cultura viva não faz uma cópia nem mera repetição, mas integra as novidades segundo modalidades próprias. Isto provoca o nascimento duma nova síntese que, em última análise, beneficia a todos, já que a cultura donde provêm estas contribuições acaba mais desenvolvida. Por isso, exortei os povos nativos a cuidarem das suas próprias raízes e culturas ancestrais, mas esclarecendo que não era «minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem», pois «a própria identidade cultural aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece». O mundo cresce e enche-se de nova beleza, graças a sucessivas sínteses que se produzem entre culturas abertas, fora de qualquer imposição cultural.

 

149. Para estimular uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade inteira, convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos vários países, mas sim a própria comunhão que existe entre eles, a mútua inclusão que precede o aparecimento de todo o grupo particular. É neste entrelaçamento da comunhão universal que se integra cada grupo humano, e aí encontra a sua beleza. Assim, cada pessoa nascida num determinado contexto sabe que pertence a uma família maior, sem a qual não é possível ter uma compreensão plena de si mesma.

 

150. Esta abordagem exige, em última análise, que se aceite com alegria que nenhum povo, nenhuma cultura, nenhum indivíduo pode obter tudo de si mesmo. Os outros são, constitutivamente, necessários para a construção duma vida plena. A consciência do limite ou da exiguidade, longe de ser uma ameaça, torna-se a chave segundo a qual sonhar e elaborar um projeto comum. Com efeito, «o homem é o ser fronteiriço que não tem qualquer fronteira».

 

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