35. No final da História de uma Alma, Teresa deixa-nos o seu Oferecimento como Vítima de Holocausto ao Amor Misericordioso de Deus. Quando se entregou plenamente à ação do Espírito, recebeu, sem clamor nem sinais vistosos, a superabundância da água viva: «as ondas, ou antes, os oceanos de graças que vieram inundar-me a alma». Trata-se da vida mística que, mesmo privada de fenómenos extraordinários, é proposta a todos os fiéis como experiência quotidiana de amor.
36. Teresa vive a caridade na pequenez, nas coisas mais simples da existência de cada dia, e fá-lo em companhia da Virgem Maria, aprendendo d’Ela que «amar é tudo dar, e dar-se a si mesmo». Com efeito, enquanto os pregadores do seu tempo falavam com frequência da grandeza de Maria de forma triunfalista, como se estivesse afastada de nós, Teresinha mostra, a partir do Evangelho, que Maria é a maior do Reino dos Céus porque é a mais pequena (cf. Mt 18, 4), a mais próxima de Jesus na sua humilhação. Observa que, se as narrações apócrifas estão cheias de factos atraentes e maravilhosos, os Evangelhos mostram-nos uma vida humilde e pobre, passada na simplicidade da fé. O próprio Jesus quer que Maria seja o exemplo da alma que O procura com uma fé árida. Maria foi a primeira a viver o «caminhito» na fé pura e na humildade; por isso, Teresa não hesita em escrever:
«Sei que em Nazaré, Mãe cheia de graça
Viveste pobremente, não querendo nada mais
Nem arroubamentos, nem milagres, nem êxtases
Embelezaram a tua vida, ó Rainha dos Eleitos!...
O número dos pequenos é bem grande na terra
Eles podem sem receio erguer os olhos para ti
É pela via comum, incomparável Mãe
Que te apraz caminhar guiando-os para o Céu».
37. Teresinha também nos deixou narrações que testemunham alguns momentos de graça vividos no meio da simplicidade de cada dia, como a sua inspiração repentina enquanto acompanhava uma irmã doente com um temperamento difícil. Mas trata-se sempre duma caridade mais intensa vivida nas situações mais ordinárias: «Uma noite de inverno, cumpria, como de costume, o meu pequeno ofício. Estava frio, era noite... De repente, ouvi ao longe o som harmonioso de um instrumento musical. Então imaginei um salão bem iluminado, todo resplandecente de dourados, de donzelas elegantemente vestidas, dirigindo-se mutuamente cumprimentos e cortesias mundanas. A seguir, o meu olhar pousou na pobre doente que amparava; em vez de uma melodia, ouvia, de vez em quando, os seus gemidos queixosos; em vez de dourados, via os tijolos do nosso claustro austero, mal iluminado por uma luz muito frouxa. Não consigo exprimir o que se passou na minha alma; o que sei é que o Senhor a iluminou com os reflexos da verdade, que ultrapassavam de tal maneira o brilho tenebroso das festas da terra, que não podia acreditar na minha felicidade... Ah! para gozar mil anos de festas mundanas, não teria dado os dez minutos gastos no cumprimento do meu humilde ofício de caridade».