O PODER INTERNACIONAL

O PODER INTERNACIONAL

170. Deixai-me repetir aqui que «a crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da atividade financeira especulativa e da riqueza virtual. Mas não houve uma reação que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo». Antes pelo contrário, parece que as reais estratégias, posteriormente desenvolvidas no mundo, se têm orientado para maior individualismo, menor integração, maior liberdade para os que são verdadeiramente poderosos e sempre encontram maneira de escapar ilesos.

 

171. Gostaria de insistir no facto que «dar a cada um o que lhe é devido, segundo a definição clássica de justiça, significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode considerar omnipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos dos outros indivíduos ou dos grupos sociais. A efetiva distribuição do poder, sobretudo político, económico, militar e tecnológico, entre uma pluralidade de sujeitos e a criação dum sistema jurídico de regulação das reivindicações e dos interesses realiza a limitação do poder. Mas, hoje, o panorama mundial apresenta-nos muitos direitos falsos e, ao mesmo tempo, amplos setores sem proteção, vítimas inclusivamente dum mau exercício do poder».

 

172. O século XXI «assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais, sobretudo porque a dimensão económico-financeira, de carater transnacional, tende a prevalecer sobre a política. Neste contexto, torna-se indispensável a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre governos nacionais e dotadas de poder de sancionar». Quando se fala duma possível forma de autoridade mundial regulada pelo direito, não se deve necessariamente pensar numa autoridade pessoal. Mas deveria prever pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais.

 

173. Nesta linha, lembro que é necessária uma reforma «quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações». Isto pressupõe, sem dúvida, limites jurídicos precisos para evitar que seja uma autoridade cooptada por poucos países e, ao mesmo tempo, para impedir imposições culturais ou a redução das liberdades básicas das nações mais frágeis por causa de diferenças ideológicas. Na verdade, «a comunidade internacional é uma comunidade jurídica fundada sobre a soberania de cada Estado-membro, sem vínculos de subordinação que neguem ou limitem a cada qual a sua independência». Com efeito, «a tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito, sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal. (…) É preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental». É necessário evitar que esta Organização seja deslegitimada, pois os seus problemas ou deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto.

 

174. Requer-se coragem e generosidade para estabelecer livremente certos objetivos comuns e assegurar o cumprimento em todo o mundo dalgumas normas essenciais. Para que isto seja verdadeiramente útil, deve-se apoiar «a exigência de fazer fé nos compromissos subscritos (pacta sunt servanda)», a fim de evitar «a tentação de fazer apelo mais ao direito da força que à força do direito». Nesta perspetiva, «os instrumentos normativos para a solução pacífica das controvérsias devem ser repensados de tal modo que lhes sejam reforçados o alcance e a obrigatoriedade». Dentre esses instrumentos normativos, há que favorecer os acordos multilaterais entre os Estados, porque garantem melhor do que os acordos bilaterais o cuidado dum bem comum realmente universal e a tutela dos Estados mais vulneráveis.

 

175. Graças a Deus, muitos grupos e organizações da sociedade civil ajudam a compensar as debilidades da Comunidade Internacional, a sua falta de coordenação em situações complexas, a sua carência de atenção relativamente a direitos humanos fundamentais e a situações muito críticas de alguns grupos. Assim, adquire uma expressão concreta o princípio da subsidiariedade, que garante a participação e a ação das comunidades e organizações de nível menor, que integram de modo complementar a ação do Estado. Muitas vezes, realizam esforços admiráveis com o pensamento no bem comum, e alguns dos seus membros chegam a cumprir gestos verdadeiramente heroicos que mostram de quanta bondade ainda é capaz a nossa humanidade.

 

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