99. Um dom fundamental para o caminho da Igreja universal é representado pelo discernimento da Conferência de Aparecida, na qual os Bispos latino-americanos explicitaram que a opção preferencial pelos pobres por parte da Igreja «está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com a sua pobreza». No Documento, a missão é contextualizada na atual situação de um mundo globalizado, com os seus novos e dramáticos desequilíbrios, e, na Mensagem final, os Bispos escrevem: «As agudas diferenças entre ricos e pobres nos convidam a trabalhar com maior empenho para ser discípulos que sabem partilhar a mesa da vida, mesa de todos os filhos e filhas do Pai, mesa aberta, inclusiva, na qual não falte ninguém. Por isso reafirmamos nossa opção preferencial e evangélica pelos pobres».
100. Ao mesmo tempo, o documento, ao aprofundar um tema já presente nas Conferências anteriores do Episcopado da América Latina, insiste na necessidade de considerar as comunidades marginalizadas como sujeitos capazes de criar cultura própria, mais do que como objetos de beneficência. Isso implica que tais comunidades têm o direito de viver o Evangelho, celebrar e comunicar a fé de acordo com os valores presentes nas suas culturas. A experiência da pobreza dá-lhes a capacidade de reconhecer aspectos da realidade que outros não conseguem ver e, por isso, a sociedade precisa de as ouvir. O mesmo vale para a Igreja, que deve avaliar positivamente a maneira “popular” delas viverem a fé. Um bonito trecho do documento final de Aparecida ajuda-nos a refletir sobre este ponto, a fim de encontrar a atitude correta: «Só a proximidade que nos faz amigos nos permite apreciar profundamente os valores dos pobres de hoje, seus legítimos desejos e seu modo próprio de viver a fé. […] Dia a dia os pobres se fazem sujeitos da evangelização e da promoção humana integral: educam seus filhos na fé, vivem constante solidariedade entre parentes e vizinhos, procuram constantemente a Deus e dão vida ao peregrinar da Igreja. À luz do Evangelho reconhecemos sua imensa dignidade e seu valor sagrado aos olhos de Cristo, pobre como eles e excluído como eles. A partir dessa experiência cristã, compartilhamos com eles a defesa de seus direitos».
101. Tudo isto pressupõe a presença de um aspecto na opção pelos pobres que devemos recordar constantemente: com efeito, tal opção exige de nós «uma atenção prestada ao outro […]. Esta atenção amiga é o início duma verdadeira preocupação pela sua pessoa e, a partir dela, desejo procurar efetivamente o seu bem. Isto implica apreciar o pobre na sua bondade própria, com o seu modo de ser, com a sua cultura, com a sua forma de viver a fé. O amor autêntico é sempre contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou vaidade, mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência […]. Unicamente a partir desta proximidade real e cordial é que podemos acompanhá-los adequadamente no seu caminho de libertação». Por esta razão, dirijo um sincero agradecimento a todos aqueles que escolheram viver entre os pobres: àqueles que não só vão visitá-los de vez em quando, mas que vivem com eles e como eles. Esta é uma opção que deve encontrar lugar entre as formas mais elevadas da vida evangélica.
102. Nesta perspectiva, torna-se clara a necessidade de «que todos nos deixemos evangelizar» pelos pobres e reconheçamos «a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles». Crescidos em extrema precariedade, aprendendo a sobreviver nas condições mais adversas, confiando em Deus com a certeza de que mais ninguém os leva a sério, ajudando-se mutuamente nos momentos mais sombrios, os pobres aprenderam muitas coisas que guardam no mistério dos seus corações. Aqueles de entre nós que não fizeram experiências semelhantes, de viver à margem, certamente têm muito a receber da fonte de sabedoria que é a experiência dos pobres. Só comparando as nossas queixas com os seus sofrimentos e privações é possível receber uma repreensão que nos convida a simplificar a vida.