PERSPECTIVAS TRINITÁRIAS

PERSPECTIVAS TRINITÁRIAS

70. A devoção ao Coração de Jesus é marcadamente cristológica; é uma contemplação direta de Cristo que convida à união com Ele. Isto é legítimo, se tivermos em conta o que pede a Carta aos Hebreus: correr a nossa prova «tendo os olhos postos em Jesus» ( Heb 12, 2). Entretanto, não podemos ignorar que, ao mesmo tempo, Jesus se apresenta como o caminho para ir ao Pai: «Eu sou o caminho [...]. Ninguém pode ir ao Pai senão por mim» ( Jo 14, 6). Ele quer conduzir-nos ao Pai. É por isso que a pregação da Igreja, desde o início, não nos detém em Jesus Cristo, mas nos conduz ao Pai. Ele é quem por fim, enquanto plenitude originária, deve ser glorificado.

 

71. Detenhamo-nos, por exemplo, na carta aos Efésios, onde podemos ver com força e clareza como a nossa adoração se dirige ao Pai: «Eu dobro os joelhos diante do Pai» ( Ef 3, 14). «Um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos» ( Ef 4, 6). «Sem cessar, dai graças por tudo a Deus Pai» ( Ef 5, 20). O Pai é Aquele a quem estamos destinados (cf. 1 Cor 8, 6). Por isso, São João Paulo II dizia que «toda a vida cristã é como uma grande peregrinação para a casa do Pai» [54]. É o que experimentou Santo Inácio de Antioquia no seu caminho para o martírio: «Dentro de mim, há uma água viva, que murmura e diz: “Vem para o Pai”».

 

72. Ele é, acima de tudo, o Pai de Jesus Cristo: «Bendito seja o Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo» ( Ef 1, 3). É «o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória» ( Ef 1, 17). Quando o Filho se fez homem, todos os desejos e aspirações do seu coração humano se dirigiam ao Pai. Se vemos como Cristo se referia ao Pai, podemos constatar este fascínio do seu coração humano, esta orientação perfeita e constante para o Pai. A sua história nesta nossa terra foi um caminhar sentindo no seu coração humano um apelo incessante para ir ao Pai.

 

73. Sabemos que a palavra aramaica que Ele usou para se dirigir ao Pai foi “Abbá”, que significa “paizinho”. No seu tempo, esta familiaridade incomodava alguns (cf. Jo 5, 18). É a expressão que Jesus usa para falar com o Pai quando surgiu a angústia da morte: «Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres» (Mc 14, 36). Reconheceu-se sempre amado pelo Pai: «por me teres amado antes da criação do mundo» (Jo 17, 24). E, no seu coração humano, Jesus ficou em êxtase ao ouvir o Pai dizer-lhe: «Tu és o meu Filho muito amado, em ti pus todo o meu agrado» (Mc 1, 11).

 

74. O quarto Evangelho diz que o Filho eterno do Pai esteve sempre «no seio do Pai» [58] ( Jo 1, 18). Santo Ireneu refere-se ao «Filho de Deus [...] existindo desde sempre junto do Pai» [59]. E Orígenes sustenta que o Filho persevera «na contemplação perpétua da profundeza paterna» [60]. Por isso, quando o Filho se fez homem, passou noites inteiras a comunicar com o Pai amado, no cimo da montanha (cf. Lc 6, 12). Dizia: «Tenho de estar na Casa do Meu Pai» ( Lc 2, 49). Vejamos as suas expressões de louvor: «Jesus estremeceu de alegria sob a ação do Espírito Santo e disse: “Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra”» ( Lc 10, 21). E as suas últimas palavras, cheias de confiança, foram: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» ( Lc 23, 46).

 

75. Voltemos agora o nosso olhar para o Espírito Santo, que enche o Coração de Cristo e arde n’Ele. Porque, como dizia São João Paulo II, o Coração de Cristo é «a obra-prima do Espírito Santo». Não se trata apenas de uma coisa do passado, pois «no Coração de Cristo é viva a ação do Espírito Santo, ao qual Jesus atribuiu a inspiração da sua missão (cf. Lc 4, 18; cf. Is 61, 1) e do qual na Última Ceia prometera o envio. É o Espírito que ajuda a acolher a riqueza do sinal do lado trespassado de Cristo, do qual brotou a Igreja (cf. Const. Sacrosanctum Concilium, 5)». Em suma, «só o Espírito Santo pode abrir diante de nós esta plenitude do “homem interior”, que se encontra no Coração de Cristo. Somente Ele pode fazer com que desta plenitude consigam haurir força, gradualmente, também os nossos corações humanos».

 

76. Se buscamos aprofundar o mistério da ação do Espírito, vemos que Ele geme em nós e diz “Abbá”: «Porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Abbá! – Pai!”» (Gl 4, 6). Com efeito, «esse mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus» (Rm 8, 16).A ação do Espírito Santo no coração humano de Cristo provoca constantemente esta atração ao Pai. E quando pela graça nos une aos sentimentos de Cristo, faz-nos participantes da relação do Filho com o Pai, é o «Espírito que faz de vós filhos adoptivos. É por Ele que clamamos: Abbá, ó Pai!» (Rm 8, 15).

 

77. Assim, a nossa relação com o Coração de Cristo transforma-se sob o impulso do Espírito, que nos orienta para o Pai, fonte da vida e origem última da graça. O próprio Cristo não deseja que nos detenhamos somente n’Ele. O amor de Cristo é «Revelação da misericórdia do Pai» [64]. O seu desejo é que, impelidos pelo Espírito que brota do seu Coração, “com Ele e n’Ele” nos dirijamos ao Pai. A glória dirige-se ao Pai “por” Cristo, “com” Cristo e “em” Cristo. São João Paulo II ensinou que «o Coração do Salvador convida a subir de novo ao amor do Pai, que é a fonte de todo o amor autêntico». É isto mesmo que o Espírito Santo, chegando a nós a partir do Coração de Cristo, procura alimentar nos nossos corações. Por isso, a Liturgia, sob a ação vivificante do Espírito, dirige-se sempre ao Pai a partir do Coração ressuscitado de Cristo.

 

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