QUANDO A MORTE CRAVA O SEU AGUILHÃO

QUANDO A MORTE CRAVA O SEU AGUILHÃO

253. Às vezes, a vida familiar vê-se desafiada pela morte de um ente querido. Não podemos deixar de oferecer a luz da fé para acompanhar as famílias que sofrem em tais momentos. Abandonar uma família atribulada por uma morte seria uma falta de misericórdia, seria perder uma oportunidade pastoral, e tal atitude pode fechar-nos as portas para qualquer eventual acção evangelizadora.

 

254. Compreendo a angústia de quem perdeu uma pessoa muito amada, um cônjuge com quem se partilhou tantas coisas. O próprio Jesus Se comoveu e chorou no velório dum amigo (cf. Jo 11, 33.35). E como não compreender o lamento de quem perdeu um filho? Com efeito, «é como se o tempo parasse: abre-se um abismo que engole o passado e também o futuro. (...) E às vezes chega-se até a dar a culpa a Deus! Quantas pessoas – compreendo-as – se chateiam com Deus». «A viuvez é uma experiência particularmente difícil (...). Alguns, quando têm de viver esta experiência, mostram que sabem fazer convergir as suas energias para uma dedicação ainda maior aos filhos e netos, encontrando nesta experiência de amor uma nova missão educativa. (...) Aqueles que já não podem contar com a presença de familiares a quem se dedicar e de quem receber carinho e proximidade, a comunidade cristã deve sustentá-los com particular atenção e disponibilidade, sobretudo se vivem em condições de indigência».

 

255. Em geral, o luto pelos falecidos pode durar bastante tempo e, quando um pastor quer acompanhar este percurso, deve adaptar-se às necessidades de cada uma das suas fases. Todo o percurso é atravessado por interrogativos sobre as causas da morte, o que poderia ter sido feito, o que uma pessoa vive nos momentos anteriores à morte... Com um caminho sincero e paciente de oração e libertação interior, volta a paz. No luto, há momentos em que é preciso ajudar a descobrir que, embora tenhamos perdido um ente querido, existe ainda uma missão a cumprir e não nos faz bem querer prolongar a tristeza, como se isto fosse uma homenagem. A pessoa amada não precisa da nossa tristeza, nem retém lisonjeiro que arruinemos a nossa vida. E também não é a melhor expressão de amor lembrá-la e nomeá-la a cada momento, porque significa estar preso a um passado que já não existe, em vez de amar a pessoa real que agora se encontra no Além. A sua presença física já não é possível; é verdade que a morte é algo de poderoso, mas «forte como a morte é o amor» (Ct 8, 6). O amor possui uma intuição que lhe permite escutar sem sons e ver no invisível. Isto não é imaginar o ente querido como era, mas poder aceitá-lo transformado, como é agora. Jesus ressuscitado, quando a sua amiga Maria Madalena quis abraçá-Lo intensamente, pediu-lhe que não O tocasse (cf. Jo 20, 17) para a levar a um encontro diferente.

 

256. Consola-nos saber que não se verifica a destruição total dos que morrem, e a fé assegura-nos que o Ressuscitado nunca nos abandonará. Podemos, assim, impedir que a morte «envenene a nossa vida, torne vãos os nossos afectos e nos faça cair no vazio mais escuro». A Bíblia fala de um Deus que nos criou por amor, e fez-nos duma maneira tal que a nossa vida não termina com a morte (cf. Sab 3, 2-3). São Paulo fala-nos dum encontro com Cristo imediatamente depois da morte: «tenho o desejo de partir e estar com Cristo» (Flp 1, 23). Com Ele, espera-nos depois da morte aquilo que Deus preparou para aqueles que O amam (cf. 1Cor 2, 9). De forma muito bela, assim se exprime o prefácio da Missa dos Defuntos: «Se a certeza da morte nos entristece, conforta-nos a promessa da imortalidade. Para os que crêem em Vós, Senhor, a vida não acaba, apenas se transforma». Com efeito, «os nossos entes queridos não desapareceram nas trevas do nada: a esperança assegura-nos que eles estão nas mãos bondosas e vigorosas de Deus».

 

257. Uma maneira de comunicarmos com os seres queridos que morreram é rezar por eles. Diz a Bíblia que «rezar pelos mortos» é «santo e piedoso» (2Mac 12, 44.45). Rezar por eles «pode não só ajudá-los, mas também tornar mais eficaz a sua intercessão em nosso favor».[286] O Apocalipse apresenta os mártires a interceder pelos que sofrem injustiça na terra (cf. 6, 9-11), solidários com este mundo em caminho. Alguns Santos, antes de morrer, consolavam os seus entes queridos, prometendo-lhes que estariam perto ajudando-os. Santa Teresa de Lisieux sentia vontade de continuar, do Céu, a fazer bem. E São Domingos afirmava que «seria mais útil, depois de morto (...), mais poderoso para obter graças». São laços de amor, porque «de modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo; mas (...) é reforçada pela comunicação dos bens espirituais».

 

258. Se aceitarmos a morte, podemos preparar-nos para ela. O caminho é crescer no amor para com aqueles que caminham connosco, até ao dia em que «não haverá mais morte, nem luto, nem pranto, nem dor» (Ap 21, 4). Deste modo preparar-nos-emos também pera reencontrar os nossos entes queridos que morreram. Assim como Jesus entregou o filho que tinha morrido à sua mãe (cf. Lc 7, 15), de forma semelhante procederá connosco. Não gastemos energias, detendo-nos anos e anos no passado. Quanto melhor vivermos nesta terra, tanto maior felicidade poderemos partilhar com os nossos entes queridos no céu. Quanto mais conseguirmos amadurecer e crescer, tanto mais poderemos levar-lhes coisas belas para o banquete celeste.

 

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