REPENSAR A NOSSA UTILIZAÇÃO DO PODER

REPENSAR A NOSSA UTILIZAÇÃO DO PODER

24. Nem todo o aumento de poder é um progresso para a humanidade. Basta pensar nas tecnologias «portentosas» que foram utilizadas para dizimar populações, lançar bombas atómicas, aniquilar grupos étnicos. Houve momentos da história em que a admiração pelo progresso não nos permitiu ver o horror dos seus efeitos. Mas este risco está sempre presente, porque «o imenso crescimento tecnológico não foi acompanhado por um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência (...), ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si». Não é de estranhar que um poder tamanho em tais mãos seja capaz de destruir a vida, já que a matriz de pensamento própria do paradigma tecnocrático nos cega, não nos permitindo ver este gravíssimo problema da humanidade atual.

 

25. Contrariamente a este paradigma tecnocrático, afirmamos que o mundo que nos rodeia não é um objeto de exploração, utilização desenfreada, ambição sem limites. Nem sequer podemos considerar a natureza como uma mera «moldura» onde desenvolvemos a nossa vida e os nossos projetos, porque «estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos», de tal modo que se contempla «o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro».

 

26. Por isso mesmo se exclui a ideia de que o ser humano seja um estranho, um fator externo capaz apenas de danificar o ambiente. Mas deve ser considerado como parte da natureza. A vida, a inteligência e a liberdade do homem estão inseridas na natureza que enriquece o nosso planeta, fazem parte das suas forças internas e do seu equilíbrio.

 

27. Por conseguinte, um ambiente saudável é também o produto da interação humana com o meio ambiente, como sucede nas culturas indígenas e aconteceu durante séculos em várias regiões da terra. Muitas vezes os grupos humanos «criaram» o meio ambiente, remodelando-o de algum modo sem o destruir nem pôr em perigo. O grande problema atual é que o paradigma tecnocrático destruiu esta relação saudável e harmoniosa. Contudo a indispensável superação deste paradigma tão nocivo e destruidor não se encontra numa negação do ser humano, mas passa pela interação dos sistemas naturais «com os sistemas sociais».

 

28. Todos nós devemos repensar a questão do poder humano, do seu significado e dos seus limites. Com efeito, o nosso poder aumentou freneticamente em poucos decénios. Realizamos progressos tecnológicos impressionantes e surpreendentes, sem nos darmos conta, ao mesmo tempo, que nos tornámos altamente perigosos, capazes de pôr em perigo a vida de muitos seres e a nossa própria sobrevivência. Pode-se repetir hoje, com a ironia de Soloviev: «Um século tão avançado que teve a sorte de ser o último ». É preciso lucidez e honestidade para reconhecer a tempo que o nosso poder e o progresso que gerámos estão a virar-se contra nós mesmos.

 

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