143. Vimos como São Cláudio de La Colombière relacionava a experiência espiritual de Santa Margarida com a proposta dos Exercícios Espirituais. Penso que o lugar do Sagrado Coração na história da Companhia de Jesus mereça algumas breves palavras.
144. A espiritualidade da Companhia de Jesus sempre propôs um «conhecimento interno do Senhor […] para que mais o ame e o siga». Nos seus Exercícios Espirituais, Santo Inácio convida a colocarmo-nos diante do Evangelho que nos diz sobre Jesus: «ferido com a lança o seu lado, manou água e sangue». Quando o exercitante se encontra diante do lado ferido de Cristo, Inácio propõe-lhe entrar no Coração de Cristo. Trata-se de um caminho para amadurecer o próprio coração pela mão de um “mestre dos afetos”, segundo a expressão usada por São Pedro Fabro numa das suas cartas a Santo Inácio. O jesuíta Juan Alfonso de Polanco também menciona esta expressão na sua biografia de Santo Inácio: «[o Cardeal Contarini] reconhecia ter encontrado no Padre Inácio um mestre dos afetos». Os colóquios que Santo Inácio propõe são uma parte essencial desta educação do coração, porque sentimos e saboreamos com o coração a mensagem do Evangelho e conversamos sobre ela com o Senhor. Santo Inácio diz que podemos comunicar as nossas coisas ao Senhor e pedir-lhe conselho sobre elas. Qualquer exercitante pode reconhecer que nos Exercícios há um diálogo de coração para coração.
145. Santo Inácio termina as contemplações aos pés do Crucificado, convidando o exercitante a dirigir-se com grande afeto ao Senhor crucificado e perguntar-lhe «como um amigo fala a outro, ou um servo a seu senhor» o que deveria fazer por Ele. O itinerário dos Exercícios culmina na “Contemplação para alcançar amor”, da qual brota a ação de graças e a oferta da “memória, do entendimento e da vontade” ao Coração que é fonte e origem de todo o bem. Tal conhecimento interior do Senhor não se constrói com as nossas luzes e esforços, mas pede-se como um dom.
146. Esta mesma experiência está na origem de uma longa cadeia de padres jesuítas que se referiram explicitamente ao Coração de Jesus, como São Francisco de Borja, São Pedro Fabro, Santo Afonso Rodrigues, Padre Álvarez de Paz, Padre Vicente Carafa, Padre Kasper Drużbicki e tantos outros. Em 1883, os Jesuítas declararam que «a Companhia de Jesus aceita e recebe com espírito pleno de alegria e gratidão, o suavíssimo encargo, que lhe foi confiado por Nosso Senhor Jesus Cristo, de praticar, promover e propagar a devoção ao seu diviníssimo Coração». Em dezembro de 1871, o Padre Pieter Jan Beckx consagrou a Companhia ao Sagrado Coração de Jesus e o Padre Pedro Arrupe, como sinal de que ainda continuava a fazer parte da vida da Companhia, voltou a fazê-lo em 1972, com uma convicção que se expressa nestas palavras: «Quero dizer à Companhia algo que sinto não dever calar. Desde o meu noviciado, sempre estive convencido de que a chamada “Devoção ao Sagrado Coração” contém uma expressão simbólica da realidade mais profunda do espírito inaciano e uma eficácia extraordinária – ultra quam speraverint – tanto para o aperfeiçoamento pessoal como para a fecundidade apostólica. Ainda conservo a mesma convicção. […] Encontro nesta devoção uma das fontes mais íntimas da minha vida interior».
147. Quando São João Paulo II convidou «todos os membros da Companhia a promover com ainda maior zelo esta devoção que corresponde mais do que nunca às expectativas do nosso tempo», fê-lo porque reconhecia os laços íntimos entre a devoção ao Coração de Cristo e a espiritualidade inaciana, pois «o desejo de “conhecer intimamente o Senhor” e de “ter um colóquio” com Ele, coração a coração, é caraterístico, graças aos Exercícios Espirituais, do dinamismo espiritual e apostólico inaciano, inteiramente ao serviço do amor ao Coração de Deus».